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A procura de um substracto genético para os subtipos do alcoolismo

1. Sintomas de privação graves: tremor tridimensional, sudação profusa e sintomas vegetativos graves Pode ocorrer Delirium Tremens que na história clínica representa uma síndrome grave de privação do

2.11 A procura de um substracto genético para os subtipos do alcoolismo

Os avanços da biologia molecular têm possibilitado à comunidade científica, o melhor entendimento das bases genéticas subjacentes aos fenótipos complexos, como os comportamentos de dependência (álcool e de outras drogas), contribuindo para a optimização do estudo das diferenças e vulnerabilidades inter-individuais (Enoch e Goldman, 1999; Goldman e Bergen, 1998). Todavia, embora se aceite e demonstre o efeito dos genes na etiopatogenia do alcoolismo (Goodwin et al., 1973; Pickens et al., 1991), ainda é pouco claro qual a herança genética transmitida (Enoch e Goldman, 2001). Nesse sentido, têm sido desenvolvidos vários estudos na área da genética molecular, com a finalidade de identificar quais os potenciais genes envolvidos na patologia (estudos de linkage) e qual a sua eventual participação (estudos de associação). Uma das metodologias de estudo mais utilizadas, é a de associação, em que se procura estimar a variação da frequência de determinado alelo, entre a população alcoólica e uma população de controlo. No campo do alcoolismo, suspeita-se a contribuição de vários genes (genes candidatos) envolvidos na metabolização (álcool e aldeído desidrogenase) e neurotransmissão do álcool (transportadores e receptores da dopamina e serotonina) (Köhnke, 2008). No modelo de genes candidatos (neurotransmissão), os estudos sugerem a participação de variantes funcionais de genes associados ao processo de reforço, à resposta subjectiva ao efeito tóxico do álcool e à impulsividade (Dodd et al., 2004; Oroszi e Goldman, 2004; Köhnke, 2008).

Ainda que a doença alcoólica possa ser multifactorial e poligénica, vários autores têm admitido a possível distinção neurobiológica de alguns subtipos de alcoólicos (Huang et al., 2004; Kendler et al., 1992; Pickens et al., 1991; Tikkanen et al., 2008), muito por força da investigação, que demonstra a preponderância de alguns polimorfismos na expressão fenotípica do alcoolismo. Por exemplo, ao nível do comportamento impulsivo, agressivo e violento (Gerra et al., 2004;

Hallikainen et al., 2000; Kweon et al., 2005; Liao et al., 2004; Limosin et al., 2005; Pascual et al., 2007; Pombo et al., 2008a; Tikkanen et al., 2008; Tiihonen et al., 1999; Wang et al., 2001), co- morbilidade (Huang et al., 2004; Lin et al., 2007; Marques et al., 2006), craving (Bleich et al., 2007), gravidade do síndrome de privação do álcool (Gorwood et al., 2003; Limosin et al., 2004) e dos problemas relacionados com o álcool (Connor et al., 2002; Hallikainen et al., 2003; Lawford et al., 1997; Noble et al., 1996, 2003; Ponce et al., 2003).

No entanto, um dos maiores obstáculos apontado aos estudos genéticos de perturbações complexas e heterogéneas como o alcoolismo, é a escassez de fenótipos estáveis, fiáveis e válidos (Bree et al., 1998; Enoch e Goldman, 1999). Esta indefinição fenotípica traduz-se, na dificuldade de estabelecer fronteiras claras para as categorias diagnósticas. Contrariamente às condições de transmissão monogénica, o alcoolismo, pela sua herança poligénica e diversidade fenotípica, encerra uma ampla dificuldade ao nível da definição das amostras em estudo e do controlo das variáveis associadas ao fenótipo. Ainda para mais, quando alguns estudos mostram que a capacidade em detectar a influência genética/hereditária, varia em função do fenótipo avaliado. Por exemplo, estudos de gémeos e de fratrias adoptadas, apenas verificaram uma influência genética significativa quando eram consideradas as categorias de alcoolismo mais graves (Goodwin et al., 1973; Yates et al., 1996). Pickens et al., (1991) observaram uma componente hereditária superior para o fenótipo de DA (DSM-III), quando comparado com o fenótipo de abuso e/ou DA. Kendler et al., (1992) também reportaram taxas de hereditariedade distintas ao considerarem diferentes definições de alcoolismo. O estudo de Bree et al., (1998), numa amostra de gémeos, veio confirmar estas observações, ao conferir diferentes taxas de hereditariedade, quando examinados diferentes sistemas de diagnóstico. Os autores encontraram maiores taxas de hereditariedade, no alcoolismo denominado de provável de

Feighner, no diagnóstico de DA de acordo com a DSM-III e no alcoolismo tipo II de Cloninger,

Assim, considerando os estudos apresentados, conclui-se que alguns sistemas de classificação (diagnóstico) do alcoolismo, podem ter maior aptidão para captar determinadas influências genéticas, do que outros. Neste sentido e, levando em linha de conta o valor flutuante de algumas características fenotípicas (os próprios diagnósticos têm validade questionável), o estudo dos marcadores genéticos, a partir de uma abordagem sustentada nas TA, com a delimitação de fenótipos, cientificamente válidos, poderá proporcionar resultados mais promissores e consistentes (Bree et al., 1998; Enoch e Goldman, 1999; Leggio et al., 2009). Alguns autores defendem, inclusivamente, que os subtipos de doentes alcoólicos podem ser concebidos, enquanto fenótipos intermediários (ou endofenótipos - componente mensurável, que se encontra no trajecto entre a doença e o genótipo distal), no longo e complexo percurso entre os genes e o diagnóstico do problema do álcool (Enoch et al., 2003).

Na literatura que considera a subtipificação de doentes alcoólicos, os estudos que procuraram avaliar os factores de vulnerabilidade genética do alcoolismo focam-se, essencialmente, no modelo dicotómico de Cloninger, muito provavelmente pelo facto desta tipologia conter na sua génese dois padrões de hereditariedade: doentes tipo II apresentam maior vulnerabilidade genética, quando comparados com os do tipo I (Cloninger et al., 1981). Para além do estudo de Bree et al., (1998), outros estudos parecem sustentar a classificação de Cloninger. Por exemplo, através do neuropéptido Y, um regulador endógeno implicado na ansiedade e stress (Heilig, 2004). Mottagui-Tabar et al., (2005) observaram uma associação entre o gene que codifica o neuropéptido Y (variante polimórfica na posição -602 da região 5) e o alcoolismo, verificando-se esta associação mais significativa, quando na amostra eram considerados, apenas os doentes classificados com o subtipo I de Cloninger (subtipos caracterizados por traços ansiosos). Outros estudos apontam para a contribuição do alelo de baixa actividade (L) do gene que codifica a

Catecol-o-metiltransferase (COMT) para o desenvolvimento do alcoolismo de início mais tardio,

o desenvolvimento tardio desta patologia (Tiihonen et al., 1999). A inexistência de diferenças na distribuição alélica entre indivíduos com alcoolismo tipo II e controlos, levou os autores a concluir que este polimorfismo parece não influenciar o desenvolvimento do alcoolismo antes dos 25 anos (Tiihonen et al. 1999; Hallikainen et al., 2000). Chai et al., (2005) levaram a cabo um estudo, com o objectivo de comparar as frequências alélicas dos polimorfismos do álcool (ADH) e aldeído desidrogenase (ALDH), entre os alcoolismos tipo I e tipo II. Observaram-se frequências significativamente superiores dos alelos ADHH2*1 e ADH3*2 nos alcoólicos tipo II, quando em comparação com os alcoólicos tipo I e controlos saudáveis. Todavia, estes resultados devem ser interpretados com prudência, pois o estudo foi conduzido numa população oriental (Coreana) de alcoólicos, população essa que é conhecida por apresentar especificidades, quanto aos mecanismos genéticos implicados na metabolização do álcool (Sherman et al., 1995). Outras investigações referem a relação significativa entre o alelo A1 do polimorfismo TaqI A do receptor D2 da dopamina (DRD2) e o alcoolismo de início precoce (Kono et al., 1997; Connor et al., 2008). Um estudo de Dahmen et al., (2005) aludiu para a relação entre a tirosina hidroxilase (TH) e o alcoolismo. A TH é uma enzima importante na biossíntese das catecolaminas (pe., dopamina), com um reconhecido papel ao nível da neurotransmissão subjacente a alguns traços de personalidade (pe., procura de novidade). Os autores verificaram uma associação significativa entre o gene que codifica a TH (polimorfismo Val-81-Met) e o alcoolismo. Quando considerada uma abordagem tipológica da doença, os investigadores encontraram um aumento significativo da frequência do polimorfismo Val-81-Met, nos indivíduos com um início precoce do alcoolismo, ao contrário dos controlos ou dos indivíduos, com um início tardio do alcoolismo, em que não foram observadas quaisquer diferenças. Todavia, a literatura nem sempre confirmou uma relação significativa entre os marcadores genéticos e a tipologia de Cloninger. Por exemplo, Parsian et al., (2000) e Pinto et al., (2009) não encontraram qualquer associação com a variante funcional génica (polimorfismo -141c Ins/Del) do DRD2.

Relativamente a outros modelos tipológicos, a literatura tem assistido a um aumento assinalável de publicações no âmbito da caracterização biológica da TAL (Hillemacher e Bleich, 2008). No que se refere à pesquisa genética, são conhecidos dois estudos relevantes. Um estudo de Bonsch et al., (2006) teve como objectivo a avaliação da contribuição das variantes genéticas da metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), enzima implicada na metabolização da homocisteína, nos diferentes subtipos de alcoólicos de Lesch. Os resultados revelaram uma frequência, significativamente superior da variante MTHFR (C677T) nos doentes tipo IV de Lesch, quando comparado com os tipos II e III. Sublinha-se o carácter pioneiro da investigação, ao apontar um factor de vulnerabilidade genética a um determinado subtipo de alcoolismo. Posteriormente, Somochowiec et al., (2008) estudaram as variantes genéticas associadas aos sistema dopaminérgico e serotoninérgico (receptores e metabolização). O estudo não encontrou quaisquer diferenças significativas entre os subgrupos de Lesch e os controlos e, apenas, permitiu caracterizar os genótipos e as frequências alélicas nos subtipos I e II, pois não foram incluídos doentes nos subgrupos III e IV pelo seu número reduzido.

Em suma, a pesquisa científica sugere a especificidade de alguns polimorfismos genéticos, em determinados subgrupos de alcoólicos, todavia, limitados à tipologia de Cloninger. Conclui-se que, no que se refere a outros modelos tipológicos multivariados, a investigação ainda se encontra numa fase bastante incipiente.