• Nenhum resultado encontrado

2. Revisão bibliográfica

2.6 Tipologia de Babor

2.6.1 Desenvolvimento do modelo

No início da década de noventa, o grupo de investigação liderado por Thomas Babor, publicou aquela que seria uma das mais influentes tipologias modernas do alcoolismo – a tipologia A/B de Babor. Servindo-se de inspiração a partir dos modelos de Cloninger et al., (1981), Morey et al., (1984) e de Zucker et al., (1987), Babor et al., (1992a) na sua formulação original, fundamentam o desenvolvimento do seu modelo através das seguintes concepções: (1) os alcoólicos diferenciam-se em pelo menos quatro características essenciais: elementos etiológicos, início e curso, sintomas presentes e padrão de consumo; (2) alguns subtipos podem exibir traços cardinais como PASP, IIPA, HFA, os quais, nalguns casos, se podem acumular no mesmo perfil de alcoolismo; (3) subtipos “puros” de alcoolismo são difíceis, senão impossíveis de identificar e; (4) tendo em conta que a avaliação compreensiva no contexto da investigação das tipologias é escassa, poder-se-á ter dado o caso de os estudos anteriores não captarem, na sua totalidade, a complexidade das características dos subtipos, focando-se numa importância limitada de variáveis.

Nesse sentido, a aplicação de uma análise estatística de clusters a um número de variáveis mais abrangente de características implicadas ao alcoolismo, poderia determinar uma melhor identificação da ocorrência natural dos subtipos (Babor et al., 1992a).

A metodologia de investigação que presidiu ao desenvolvimento da tipologia de Babor, foi norteada pelos seguintes princípios: um sistema de classificação útil deve identificar subtipos homogéneos dentro das categorias, os subtipos devem permanecer estáveis ao longo do tempo, são abrangentes na cobertura da população alcoólica e demonstram validade. Para a construção do modelo, foram avaliados 321 doentes dependentes do álcool, recrutados em três centros de

tratamento do alcoolismo. A informação foi colhida dos doentes após desintoxicação, através de uma extensa bateria de avaliação, que compreendia entrevistas, análises laboratoriais e questionários auto-administrados. De um conjunto de centenas de variáveis equacionadas, foram extraídas 17 medidas representativas de um espectro alargado de indicadores teoricamente relevantes. A saber, (1) factores de risco pré-mórbidos (HFA, problemas infância, IIPA); (2) uso patológico do álcool e de outras drogas (síndrome de dependência, uso de BZD e de drogas) e (3) consequências e cronicidade do consumo do álcool (consequências físicas e sociais, sintomas psiquiátricos, condições médicas, etc.).

A partir de uma análise de clusters (K-means) das 17 variáveis implicadas no modelo estatístico, foi possível identificar uma solução de dois subtipos de doentes alcoólicos masculinos e femininos, apelidados de tipo A e tipo B. A tabela IV sintetiza as 17 características do alcoolismo tipo A versus B de Babor. O primeiro subgrupo (tipo A) define um perfil, de menor gravidade do problema do álcool, com uma evolução mais tardia. Por seu lado, o tipo B, classifica os doentes que apresentam vários factores de risco e um perfil clínico e social de maior gravidade, muitas vezes associados a co-morbilidade psiquiátrica. A nomenclatura tipológica recebeu uma designação alfabética simples. Contudo, os autores vinculam-na a uma mnemónica mitológica, em que o tipo A configura o deus Apolo (na mitologia Grega), forma mais benigna de alcoolismo, enquanto o tipo B traduz o deus Baco (na mitologia Romana), alcoolismo com características patológicas e agressividade (Babor, 1996; Babor e Caetano, 2006).

Tabela IV – Critérios para diferenciar o alcoolismo tipo A e tipo B de Babor

Tipo A Tipo B

A. indicadores de vulnerabilidade e risco

1. HFA reduzida elevada

2. Perturbações na infância reduzida elevada 3. Dimensões de carácter bipolar reduzida elevada 4. Inicio problema do álcool tardio precoce

B. Gravidade da dependência

5. Quantidade consumo diário reduzida elevada 6. Consumo do álcool para aliviar mal-estar reduzida elevada 7. Síndrome de dependência reduzida elevada

8. Uso BZD´s reduzida elevada

9. Uso de outras drogas reduzida elevada

C. Cronicidade e consequências do consumo

10. Circunstâncias médicas reduzida elevada 11. Consequências físicas reduzida elevada 12. Consequências sociais reduzida elevada 13. Gravidade ao longo da vida reduzida elevada 14. Anos consumo excessivo maior menor

D. Psicopatologia

15. Sintomas depressivos reduzida elevada

16. Ansiedade reduzida elevada

17. Personalidade anti-social reduzida elevada

Fonte: Babor et al., 1992a

2.6.2 Validade

A validade do modelo foi aferida no seu estudo original (Babor et al., 1992a). A tipologia foi avaliada por outros grupos de investigação (Ball, 1996; Del Boca e Hesselbrock, 1996; Hesselbrock e Hesselbrock, 2006; Leggio et al., 2009) e validada por vários estudos, que confirmaram a sua replicabilidade inclusive noutras populações, raças, ou grupos étnicos (Ball, 1996; Ball et al., 1995, 2000; Feingold et al., 1996; Hesselbrock et al., 2000; Litt et al., 1992; Schuckit et al., 1995). Por exemplo, o modelo foi replicado em dependentes de substâncias ilícitas, designadamente, cocaína, opiáceos e cannabis (Ball, 1996; Ball et al., 1995, 2000; Basu

et al., 2004; Feingold et al., 1996); doentes com o diagnóstico psiquiátrico co-mórbido entre a DA e as perturbações psicóticas (Eriksson et al., 2007), amostras comunitárias, ou seja, não inseridas em programas terapêuticos (Carpenter e Hasin, 2001; Feingold et al., 1996) e até em consumidores problemáticos do álcool sem o diagnóstico de DA (Carpenter e Hasin, 2001; Carpenter et al., 2006).

2.6.3 Estudos sobre o funcionamento psicológico dos subtipos A/B

Em termos de personalidade, verificou-se que os doentes DA classificados com o tipo B se caracterizam como mais abertos à experiência, menos controlados e mais tensos, quando em comparação com os doentes tipo A (Babor et al., 1992a). Um estudo de Bottlender et al., (2006) numa população alemã de DA em regime de internamento, verificou com significado estatístico, que os dependentes do álcool tipo B (N=77) apresentavam com maior frequência, perturbações da personalidade do cluster A ou B, designadamente, PASP, perturbação border-line e evitante da personalidade, quando comparados com os doentes tipo A (N=160). Outro estudo verificou diferenças nos subtipos ao nível da resposta ao tratamento psicossocial (Litt et al., 1992), todavia, estes resultados não foram replicados (Litt e Babor, 2001).

2.6.4 Processo de classificação

Babor et al., (1992a) referem que seria desejável a existência de um algoritmo simples, que permitisse classificar os subtipos, por exemplo, no contexto da clínica. Contudo, como os autores referem, se o clínico se encontrar perante um paciente cujo alcoolismo é grave (dependência elevada), apresenta múltiplos indicadores de risco (HFA, IIPA antes dos 30 anos) e

co-morbilidade psiquiátrica, tem todo o fundamento para acreditar que está a lidar com o doente tipo B.

Schuckit et al., (1995) num estudo de replicação do modelo de Babor, aferiram que os doentes alcoólicos poderiam ser classificados com apenas 5 dimensões das 17 que foram sugeridas no estudo original de Babor et al., (1992a). A saber: (1) Quantidade de consumo do álcool p/dia; (2) Consumo do álcool para aliviar privação; (3) Circunstâncias médicas; (4) Consequências físicas; (5) Consequências sociais.