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2. Revisão bibliográfica

2.4 Tipologia de Jellinek

2.4.1 Desenvolvimento do modelo

O primeiro ensaio de Jellinek sobre a caracterização dos comportamentos alcoólicos data de 1941, com o lançamento da publicação “Alcohol addiction and its treatments”, em colaboração com o seu colega Bowman, onde efectivaram uma revisão compreensiva dos tratamentos para o alcoolismo. A primeira formulação tipológica pondera a existência de duas entidades determinadas pelo padrão de consumo do álcool: constante e intermitente. O encontro do padrão de consumo do álcool, com a posterior subdivisão de uma nova entidade - mecanismos etiológicos de doença (endógenos e exógenos), resultou em quatro categorias proeminentes: alcoólicos primários, bebedores sintomáticos endógenos constantes, bebedores sintomáticos endógenos intermitentes e bebedores gregários. O alcoolismo primário ou autêntico caracteriza-se por uma rápida afinidade com o efeito do álcool, por um rápido desenvolvimento de uma necessidade incontrolável para beber e por uma incapacidade em atingir abstinências evidentes. Os bebedores sintomáticos endógenos constantes, definem um alcoolismo secundário a uma perturbação psiquiátrica relevante (pe., esquizofrenia). Os bebedores sintomáticos endógenos intermitentes determinam, analogamente, um alcoolismo secundário a uma perturbação psiquiátrica, mas distinguem-se por um padrão periódico de consumo do álcool (pe., perturbação afectiva bipolar). No alcoolismo gregário, o consumo tem uma frequência diária num contexto social (“à volta da mesa”), sendo precipitado por causa exógenas (pe., clientes regulares de cafés, bares, restaurantes).

Esta formulação de Bowman e Jellinek (1941), apesar de algo inspiradora, revelou-se decepcionante no que se refere ao estímulo de trabalhos subsequentes, deixando para a posteridade, principalmente, o seu cunho histórico. Todavia, duas décadas depois, e servindo-se

dos seus conhecimentos sobre as teorias tipológicas, Jellinek faz de uma concepção tipológica do alcoolismo, a essência de uma das mais populares e influentes obras da literatura alcoológica: “The disease concept of alcoholism” (Jellinek, 1960).

2.4.2 Caracterização da tipologia

Suportado em variáveis etiológicas, elementos de processo (tolerância, grau de descontrolo) e de problemas associados, Jellinek preconiza cinco diferentes subtipos (ou “espécies”) de alcoolismo: alfa, beta, gama, delta e épsilon. De ressaltar que, o autor apenas considerava os tipos gama e delta categorias passíveis de evidenciar uma DA, que representasse uma verdadeira entidade nosológica.

Segue-se uma descrição das cinco “espécies” de alcoolismo de Jellinek:

Tipo Alfa – indivíduo que bebe por razões puramente psicológicas (pe., tristeza, ansiedade, resolução de conflitos), geralmente em contexto social. Por exemplo, na procura do efeito de desinibição nos relacionamentos interpessoais. Não existe evidência de perda de controlo, dependência física, nem incapacidade em se privar inteiramente do álcool. Jellinek descreve-o como um beber indisciplinado.

Tipo Beta – descreve um beber continuado, que acarreta uma deterioração física. Por exemplo, problemas gástricos, hepáticos e nutricionais. Não se observam sinais de dependência física ou psicológica.

Tipo Gama – beber excessivo em que está patente o aumento de tolerância, perda de controlo

(craving) e abstinência de álcool. O indivíduo pode resistir ao consumo do álcool durante longos

períodos, embora apresente índices de dependência psicológica e física notáveis (privação e

craving). Típico bebedor anglo-saxónico.

Tipo Delta – existe evidência de tolerância e síndrome de abstinência, mas o consumo do álcool é mais estável. O indivíduo aparenta nunca ficar verdadeiramente embriagado, mas ingere continuadamente álcool em pequenas quantidades. Regista-se a incapacidade para alcançar abstinências prolongadas. O consumo é influenciado por condições sociais e/ou financeiras. Típico bebedor mediterrânico.

Tipo Epsílon – consumo de álcool periódico. Contudo, o indivíduo parece que só fica satisfeito quando perde o controlo de si próprio, podendo mesmo ficar inconsciente com a alcoolização.

Tabela II – Síntese das características das 4 “espécies” de alcoolismo de Jellinek

“Espécies”

Características Alfa Beta Gama Delta

Elementos etiológicos

Vulnerabilidade psicológica elevada reduzida elevada reduzida Vulnerabilidade fisiológica reduzida reduzida elevada elevada Influencias sócio-culturais reduzida a moderada reduzida a moderada reduzida a moderada elevada Influências económicas reduzida a moderada reduzida a moderada reduzida a moderada elevada

Elementos de processo alcoólico

Natureza da dependência psicológica sem dependência psicológia e física mais física do que psicológica Tolerância adquirida reduzida reduzida elevada elevada

Tabela II (cont.) – Síntese das características das 4 “espécies” de alcoolismo de Jellinek

“Espécies”

Características Alfa Beta Gama Delta

Incapacidade para abster reduzida reduzida elevada reduzida Progressão moderada moderada marcada lenta Hábitos físicos/nutritivos de bons a maus pobres pobres adequados

Elementos de dano

Físicos/mentais reduzido a moderado elevado reduzido a elevado reduzido a elevado Socioeconómicos reduzido a elevado reduzido elevado elevado

Fonte: Babor (1996); o alcoolismo épsilon não foi incluído nesta tabela por Babor (1996) porque Jellinek (1960) considerava-o demasiadamente limitado para o descrever em detalhe.

2.4.3 Validade

Sugere-se, em abono do rigor, que grande parte da reputação atribuída à tipologia de Jellinek, se deve mais à qualidade do corpo teórico presente na obra que introduziu o conceito biocomportamental de doença - alcoolismo (Jellinek, 1960), do que, propriamente, a capacidade do modelo tipológico em organizar uma entidade complexa (alcoolismo), em categorias evidentes e clinicamente plausíveis. De entre os subtipos, a dimensão tipológica dual gama-

delta foi a que gerou maior concordância entre a comunidade científica, provavelmente, em

virtude da sua tradução clínica (Babor, 1996; Leggio et al., 2009).

Dos poucos estudos disponíveis sobre a tipologia de Jellinek, Walton (1968) observou que os alcoólicos tipo gama eram mais reticentes, depressivos hostis e emocionalmente instáveis do que os alcoólicos delta. Tomsovic (1974) verificou que os alcoólicos tipo gama experienciavam problemas com o álcool mais cedo, tinham maior historial de tratamentos prévios do alcoolismo e maior prevalência de Delirium Tremens (DT), problemas de memória e neuropatia, do que os alcoólicos tipo delta.

Mais tarde, Babor et al., (1992z) incluíram os tipos gama e delta num estudo de validação de cinco TA, encontrando diferenças entre os subtipos em variáveis relacionadas com os problemas associados ao álcool, consumo de álcool e funcionamento psicológico.

Face às poucas tentativas de avaliação da classificação Jellinek, alguns autores afirmam, inclusivamente, que esta tipologia apenas usufruiu de um reconhecimento virtual (Babor e Lauerman, 1986).