• Nenhum resultado encontrado

2. Revisão bibliográfica

2.2 Tipologias científicas do alcoolismo

O percurso de investigação científica na área das TA, começou por ser trilhado através das abordagens comparativas. Este método considera uma única variável (pe., sexo, idade início) ou dimensão (pe., História Familiar de Alcoolismo - HFA, perfil psicopatológico) e reparte as amostras de sujeitos em dois ou mais grupos (tipologias unidimensionais). O sexo, Idade de Início do Problema do Álcool (IIPA), HFA e algumas configurações psicopatológicas (pe.,

Minnesota Multiphasic Personality Inventory), são exemplo de algumas das variáveis que

forneceram diferenças fenotípicas proveitosas, sinalizando assim, que este era o caminho de investigação a seguir (Del Boca e Hesselbrock, 1996; Kosten et al., 1989; Penick et al., 1999; Schuckit, 1985). No entanto, embora as tipologias de paradigma unidimensional tenham perdurado na literatura, possivelmente, muito por força da sua simplicidade e imediatismo de aplicabilidade clínica, vários estudos indicam que a sua validade é discutível (Babor et al., 1992z; Basu et al., 2004; Epstein et al., 2002). De facto, assumir que a heterogeneidade da DA, resultante da complexa interacção entre factores genéticos, neurobiológicos, psicológicos e sócio-culturais, possa ser elucidada através de um elementar processo de bipartição, é comprometer os modelos tipológicos a consideráveis limitações. Como consequência, assistiu- se a uma movimentação do corpus teórico das TA, no sentido de reunir maior complexidade nos modelos de classificação, não só pelo crescimento e pluralidade dos parâmetros que caracterizam as amostras de alcoólicos (pe., variáveis, psicológicas sociais e biológicas), como também por esses descritores incorporarem análises dos dados com maior complexidade. Deste modelo híbrido de classificação nasceram as tipologias multivariadas do alcoolismo, que permitem combinar, estatisticamente, a interacção de vários elementos avaliativos: dimensões psicométricas, indicadores biológicos, condições clínicas e sociais, etc.

A tabela I apresenta uma breve exposição de alguns dos modelos tipológicos multivariados difundidos na literatura que, apesar da reduzida repercussão científica (especula-se que se deva à escassez de significado clínico dos fenótipos, ou então, à incompletude do processo de validação), se justifica a sua apresentação pelo rigor metodológico e estatístico posto na investigação. Não serão incluídas as tipologias de Cloninger et al., (1981), Babor et al., (1992a), Jellinek (1960), NETER (Cardoso et al., 2006) e Lesch et al., (1988), pois serão alvo de maior detalhe noutros capítulos.

Tabela I - Ordenação cronológica das TA disponibilizadas na literatura

Autores/Ano Descrição dos subtipos

Morey et al. (1984) 1 - "Consumidores de álcool numa fase inicial do problema" – início tardio do

problema do álcool, poucas complicações associadas, baixos níveis de agressividade e de problemas psíquicos, indicadores de estabilidade social e um estilo defensivo de reactividade pessoal.

2 - "Dependentes de álcool afiliados" - com dependência de grau ligeiro, bebem diariamente, num contexto social de pares (sensíveis a pressão). Reportam dificuldades interpessoais.

3 - "Dependentes de álcool esquizóides" – procuram estados de embriaguez (binge), vivem socialmente isolados e apresentam graves problemas relacionados com o consumo do álcool, com índices de agressividade e impulsividade.

Zucker et al. (1987) 1 - "Alcoolismo anti-social" – problema do álcool com início precoce, associado a Perturbação Anti-Social da Personalidade (PASP).

2 - "Alcoolismo de afectividade negativa" – sintomatologia "internalizante" (ansiedade, depressão) com início na infância ou adolescência. Início tardio do problema do álcool, sendo mais comum na mulher. Consumo de álcool para regular estados afectivos.

3 - "Alcoolismo de desenvolvimento limitado" – especifico de um estágio de desenvolvimento. Os problemas com o álcool aparecem durante um período circunscrito (pe., adolescência), podendo cessar naturalmente com a aquisição de responsabilidade e adopção do papel de adulto.

4 - "Alcoolismo de desenvolvimento cumulativo" – problemas de instalação progressiva com forte preponderância cultural. Persistente ao longo da vida.

Tabela I (cont.) - Ordenação cronológica das TA disponibilizadas na literatura

Autores/Ano Descrição dos subtipos

Del Boca e Hesselbrock (1996) 1 – "Subgrupo designado por baixa gravidade e risco" – perfil de baixa gravidade dos problemas associados ao álcool, sem co-morbilidade psiquiátrica relevante. 2 - "Subgrupo designado por elevada gravidade e risco" – perfil de elevada gravidade dos problemas associados ao álcool, com co-morbilidade psiquiátrica de PASP, História Familiar de Alcoolismo (HFA) e consumo de drogas ilícitas. 3 – "Subgrupo designado por “internalizadores” (maioria mulheres; assim denominado pela forma como os sujeitos deste grupo expressam os seus sentimentos e respondem ao ambiente) – presença de sintomatologia depressiva e ansiosa. O álcool é consumido como forma de alivio sintomático. 4 - "Subgrupo designado por “externalizadores” (maioria homens; assim denominado pela forma como os sujeitos deste grupo expressam os seus sentimentos e respondem ao ambiente) - perfil de elevada gravidade dos problemas sociais associados ao álcool, com presença marcada de co- morbilidade psiquiátrica de PASP.

Heath et al. (1994) Classe I (42%): consumidores sem problemas com o álcool; Classe II (38%): consumidores excessivos episódicos;

Classe III (16%): consumidores com problemas ligeiros associados ao álcool; Classe IV (4%): consumidores com problemas moderados associados ao álcool; Classe V (1%): consumidores com problemas graves associados ao álcool

Bucholz et al. (1996) 1 - Grupo composto por consumidores, com poucos ou nenhuns problemas relacionados com o álcool. Não preenchem critérios para DA, mas sim para eventual abuso.

2 - Classe que incorpora a perda de controlo sobre o consumo e a existência de complicações sociais, psicológicas e físicas, embora de grau moderado.

3 - Classe com problemas de saúde, sociais e emocionais marcados.

4 - Grupo que integra os sujeitos gravemente afectados pelo problema do álcool, com sindroma de abstinência intenso, incapacidade para parar de beber,

Tabela I (cont.) - Ordenação cronológica das TA disponibilizadas na literatura

Autores/Ano Descrição dos subtipos

Hauser e Rybakowski (1997) 1 – Apresenta início tardio de DA, baixa prevalência de HFA e gravidade moderada do problema do álcool.

2 – Caracterizado por um início precoce de DA, prevalência elevada de alcoolismo parental e traços frequentes de PASP.

3 – Com início precoce de DA, história familiar de perturbações psiquiátricas, graves problemas ligados ao álcool e elevada prevalência de doenças orgânicas e psiquiátricas.

Windle e Scheidt (2004) 1 – "Curso Moderado" – início tardio do problema do álcool, menos tempo de consumo do álcool, níveis mais reduzidos de consumo, de deterioração e sintomas de privação, poucas complicações na infância e baixa prevalência de HFA.

2 – "Policonsumos" – consumo de várias drogas e de benzodiazepinas (BZD). 3 – "Afectividade Negativa" – sintomas de depressão e ansiedade.

4 – "Crónico/Anti-Social" - mais tempo de consumo do álcool, níveis elevados de consumo, de deterioração e de sintomas de privação, indicadores de comportamentos anti-sociais.

Moss et al. (2007) 1 - "Jovens adultos funcionais" – início precoce de consumo do álcool, mas com baixa prevalência de traços de PASP ou de outras co-morbilidades. Não é comum procurarem ajuda para parar de beber.

2 - "Classe funcional" – início tardio de consumo do álcool, com grau moderado de HFA e co-morbilidade.

3 - "Familiar intermédio" – início do consumo de álcool numa idade intermédia, com história familiar e elevada prevalência de traços de PASP.

4 - "Jovem Anti-social" – inicio precoce de consumo do álcool, evidência de história familiar e elevada prevalência de traços de PASP, consumo de nicotina e drogas e problemas psicológicos e fisiológicos graves.

5 -"Crónico grave” – início precoce de consumo do álcool, com instalação da DA mais tardia.

Sintov et al. (2010) 1 - "Classe M" (Moderada) – com probabilidade reduzida de co-morbilidade psicopatológica e de problemas sociais e fisiológicos.

2 - "Classe D" (Depressiva) – elevada probabilidade de depressão, neuroticismo, dependência de nicotina.

3 - "Classe G" (Grave) – com probabilidade elevada para todos os indicadores de psicopatologia, início precoce de consumo do álcool, procura de novidade, consumo de outras drogas, problemas sociais, clínicos e fisiológicos graves.