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A produção do manual de redação

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Pompeu começou a estudar os textos jornalísticos, as produções da própria imprensa brasileira da década de 40. Para lecionar a disciplina Técnicas do Jornal e do Periódico focalizou, ainda, toda a prática adquirida na redação do Diário Carioca, somada à experiência que trouxe dos Estados Unidos. Para ele, representou a possibilidade de analisar os textos produzidos pela imprensa, fazendo uma comparação crítica sobre a linguagem jornalística. “Percebi ainda que havia um processo de elaboração jornalística profundamente conscientizada, não tão fragmentada nem tão assistemática e intuitiva como fazíamos até então” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.24).

A constatação dessa demanda levou Pompeu de Sousa a reunir informações sobre as técnicas de Jornalismo estabelecidas nos manuais de redação e livros sobre Jornalismo que existiam na época, principalmente as obras editadas nos Estados Unidos. Estimulado por Danton Jobim, adepto da objetividade, da clareza dos textos e do Jornalismo mais informativo do que opinativo, Pompeu de Sousa empenhou-se na reestruturação da linguagem, da construção do texto a partir das informações mais importantes, para sintetizar os fatos de forma a atrair a atenção do leitor.

No carnaval de 1950, Pompeu de Sousa começou o trabalho para organizar todo o conhecimento adquirido com a experiência acadêmica, com a atuação na redação diária e com o trabalho realizado nas rádios norte-americanas. Assim, nascia o primeiro manual de redação que transformaria os padrões da imprensa brasileira. Em sua casa, durante os quatro dias de folia carnavalesca, o então chefe de redação do Diário Carioca, redigiu o Style Book44 - Regras de Redação do Diário Carioca.

“Sentei na máquina e resolvi fazer uma adaptação do que me pareceu mais conveniente ao Jornalismo brasileiro naquela variedade de style book (...) cada jornal americano tinha o seu, porque todos querem preservar a sua identidade, o seu temperamento, a sua personalidade, a sua identidade jornalística. (...) Não criei nada, confrontei, via que uma coisa era interessante, outra não se aplicava ao Brasil, e, assim, rejeitando umas coisas, incorporando outras, redigi o primeiro Style Book da imprensa

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As regras existentes no Style Book elaboradas por Pompeu de Sousa foram publicadas por José Marques de Melo no livro Normas de Redação de Cinco Jornais Brasileiros. ECA/USP, 1972, 96 p e estão disponibilizadas no site www.gutenberg.com.br

brasileira, que denominei Regras de Redação do Diário Carioca” (DUARTE, 1992, p.45).

O manual continha as regras gramaticais e os padrões técnicos para se escrever um texto jornalístico informativo: um documento sintético, de 15 cm por 12 cm, contendo 16 páginas. Caía por terra o texto caricaturado, com nariz-de-cera, partidário e panfletário, para nascer o texto informativo e objetivo, ensinado até hoje nas salas de aulas das universidades brasileiras e utilizado pelas mídias do século XXI. Foi o primeiro e único passo do século XX, que garantiu a transformação do Jornalismo brasileiro, quando introduziu a técnica do lide, com as tradicionais cinco perguntas: O Quê? Quem? Onde? Como? Por quê? Quando? - o que assegurava a personalidade do Diário Carioca, diferenciando-se dos demais jornais que circulavam no Rio de Janeiro.

“Reforçadas pelo editor Pompeu de Souza, essas coordenadas abriram terreno para um novo jornalismo, preocupado com a objetividade - e, também, com a beleza do jornal, garantida durante um bom período pelo escultor Amílcar de Castro. Estava feito o jornal voltado para a Zona Sul do Rio e de texto sofisticado, com colunistas como Carlos Castelo Branco e Evandro Carlos de Andrade e redatores como Hélio Pólvora e Milton Coelho da Graça. Este, depois de passar nove meses na prisão por causa do golpe militar de 1964, foi acolhido pelo então editor-chefe Zuenir Ventura. Em dezembro de 1965, Milton presenciou o fechamento do jornal no qual iniciara a carreira seis anos antes” (VENTURA, 2004).

Os jornalistas do Diário Carioca, no final da década de 40, já tinham contato com manuais de redação de jornais norte-americanos e de agência de notícias, iniciativa de Danton Jobim que tinha contato com a imprensa dos Estados Unidos. Os jornalistas utilizavam como referência o manual de redação da United Press International (UPI), com as técnicas da pirâmide invertida (VENTURA, 2004), que ensinava o repórter a responder as seis perguntas básicas de uma notícia: O quê? Quando? Quem? Como? Onde? Por quê? A adoção desse referencial, porém, não era padrão, seu uso não era obrigatório, além do que não mantinha as especificidades da imprensa brasileira. Pompeu de Sousa reverteu este quadro e revolucionou ao determinar as técnicas mais convenientes para a imprensa brasileira:

“Havia vários style books. Cada jornal americano tinha o seu, porque todos querem preservar a sua identidade, o seu temperamento, a sua personalidade, a sua identidade jornalística. Há regras gerais, uniformes para todos os jornais, mas há regras específicas para cada um. Eu li todos aqueles que dispunha, uma meia dúzia, e fiz uma adaptação à imprensa brasileira. Não criei nada: confrontei, via que uma coisa era interessante, outra coisa não se aplicava ao Brasil, e assim, rejeitando umas coisas, incorporando outras

redigi o primeiro style book” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.25).

Pompeu de Sousa, ao adaptar os conceitos de uma linguagem informativa, largamente utilizados pela imprensa norte-americana, criou uma técnica redacional para a imprensa brasileira. O manual estabeleceu linhas mestras para a organização do texto jornalístico, com orientações para se usar uma lauda e como distribuir a informação entre matéria principal e retrancas até a formatação de uma redação concisa, direta e sem a polêmica da opinião dos jornalistas, a exemplo da “instruções gerais”:

“Escrever sempre à maquina, de um só lado da folha, no papel padronizado e em espaço dois. Começar todas as matérias no meio da folha, numerando, no alto, cada folha. Deixar uma margem de dois centímetros em cada lado da folha, e escrever em cada folha 30 linhas. Escrever uma palavra ou frase representativa do conteúdo da matéria (retranca) no alto da primeira folha e imediatamente abaixo o nome do autor. Usar a palavra “continua”, entre parêntesis, ao fim de todas as folhas exceto a última. Usar o símbolo X para significar conclusão da matéria e acrescentar parágrafo “X” ao número da última folha”. "Não começar parágrafo novo na última linha da folha"

(REGRAS DE REDAÇÃO, 1950).

O manual – identificado como Regras de Redação do Diário Carioca – foi impresso na própria gráfica do DC, sem data ou nome de seu editor. Dividido em sete itens, apresenta normas para a redação, cabeças, números, tratamento, maiúsculas, abreviações e pontuação. Sua principal característica está na definição de que a redação deve “ocupar o primeiro parágrafo das notícias com

a) um resumo conciso das principais e mais recentes informações do texto, esclarecendo o maior número das seguintes perguntas relativas ao acontecimento: que? quem? onde? como? por quê? - ou b) um aspecto mais sugestivo e suscetível de interessar o leitor no acontecimento”

(REGRAS DE REDAÇÃO, 1950).

A primeira regra textual já demonstra a preocupação de Pompeu de Sousa em atrair a atenção do leitor, indicando o lide como fórmula para apresentação das principais respostas para as perguntas mais corriqueiras que alguém pode fazer quando quer ser informado sobre um acontecimento, apresentando os fatos principais no primeiro parágrafo e os demais, de menor significado, em ordem decrescente. Porém, quando elaborou o texto do manual, Pompeu não teve tempo para fazer sua revisão e só depois de impresso percebeu que havia esquecido de acrescentar neste item a pergunta quando? - para informar o momento em que o

fato aconteceu, situando o leitor, com exatidão, no tempo e no espaço da notícia. A alternativa encontrada pelo jornalista foi acrescentar à mão, em caneta esferográfica, a palavra quando?45

Sua ação tornou-se histórica na imprensa brasileira pela iniciativa única de comparar as técnicas redacionais e perceber que no Brasil não havia um padrão a ser seguido pelos jornalistas, como acontecia nos Estados Unidos onde os jornalistas respeitavam as regras. Para fazer estas modificações, Pompeu de Sousa encontrou respaldo em Danton Jobim, com quem aprendera a importância da concisão do texto logo no primeiro ano de trabalho no Diário Carioca. Ao editar a coluna A Guerra dia a dia, estimulado pelo catedrático e amigo, autor de colunas informativas a partir de “agosto de 1945, expondo, em linhas gerais, o modelo de texto jornalístico que se espalhava por todo o mundo” (LAGE: 2005).

Nilson Lage, que começou a trabalhar no Diário Carioca em 1955, recuperou a publicação da coluna Cartas a um foca, publicada nos dias 4, 7, 8, 9, 10 e 11 de agosto de 1945, com discussões sobre o texto jornalístico, com os títulos “Elementos da notícia”, “A arte de opinar”, “Ser exato e poupado”, “Primeiro a concisão" e “O que é notícia” (2005, p. 60), numa época em que qualquer cidadão poderia escrever nos jornais, sem a necessidade de se preocupar com estilos ou regras. A preocupação de Danton Jobim foi assimilada por Pompeu de Sousa, um discípulo atento, que além de auxiliar na redação, começou em sala de aula como professor assistente de Jobim na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes.

“Foi no Diário que se eliminou o uso absurdo da palavra ‘indivíduo’ como sinônimo de criminoso e ‘indigitado’ (que quer dizer ‘apontado’) para mencionar exclusivamente o réu em um processo; trocou-se ‘homicídio’ por ‘assassinato’, latrocínio por ‘roubo’, ‘humilde’ por ‘pobre’ (já que a humildade é subjetiva e a pobreza objetiva), ‘homem de cor’ por ‘negro’. As pessoas passaram a morar ‘na rua x’ e não ‘à rua x’; as esposas tornaram-se ‘mulheres’, os advogados deixaram de ser ‘causídicos’, os médicos ‘facultativos’, os vereadores ‘edis’, os prefeitos ‘alcaides’, as prostitutas ‘damas da noite’, as casas de dois andares ‘mansões’, os automóveis quando passam depressa ‘bólidos’ etc. Os redatores do noticiário policial tiveram que aprender que corpos em ‘decúbito dorsal’ estão de costas, ao contrário daqueles em ‘decúbito ventral’, que estão de frente para o chão ou a cama. Tomaram contato com a tradução para a linguagem corrente de expressões da anatomia topográfica que aparecem nas fichas de hospitais: região inguinal, ínguino-crural e pubiana passaram a ser ‘virilha’; região glútea, ‘nádegas’; cintura escapular, ‘ombros’; cintura pélvica, ‘quadris’; tórax, ‘peito’; ventre, ‘barriga’; regiões occipital, frontal, occipto-frontal’ e ‘temporal’, crânio; e por aí em diante. Aos poucos, foi-se eliminando o costume de colocar sistematicamente entre parêntesis, após o nome de

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Othília Pompeu de Sousa presenteou a autora com um exemplar do manual “Regras de redação do Diário Carioca”, onde está grafado pelo jornalista a palavra quando?. O manual foi escaneado e está em anexo.

alguém envolvido em um evento policial (crime ou acidente), a idade, a nacionalidade, a residência e a cor do sujeito – dados dispensáveis e até inconvenientes numa cidade grande e o último deles, muitas vezes, impossível de precisar, na realidade étnica do Rio de Janeiro” (LAGE, 2004, p.10).

A introdução do lide na imprensa brasileira, através do Diário Carioca, estabeleceu a pirâmide invertida como critério básico para a construção da notícia, escrita no modo indicativo e em ordem direta, com vocabulário simples (LINS DA SILVA, 1991). Prioriza a maneira como uma conversa acontece, ao se relatar algo de importante, de forma pragmática, o que permite uma comunicação eficaz. O lide garante que o leitor tenha todos os elementos de uma notícia, nomeando os agentes envolvidos no fato e definindo tempo e espaço deste acontecimento.

Tais procedimentos são fortes indicadores da influência norte-americana sobre os padrões da imprensa brasileira. Esta passou a criar editorias, investir em um novo visual gráfico, a organizar a produção e a gerir a imprensa como uma empresa jornalística, elementos que marcaram a mudança da imprensa artesanal para a indústria de comunicação de massa, como aponta Carlos Eduardo Lins da Silva (1991).

A imprensa transitava pela fase artesanal, com um discurso mais político, panfletário e ligado a interesses partidários. O Diário Carioca era um jornal pequeno, que sempre pagava com atraso seus funcionários, mas conseguia reunir um dos melhores quadros de profissionais da época. O diretor Danton Jobim comandava o jornal quando Pompeu de Sousa começou a destacar-se em sua carreira jornalística. A equipe era homogênea, dedicada, afinada com os princípios editoriais:

“O que nos atraía tanto numa redação cujo dia do pagamento era uma incógnita e, muitas vezes, estando o coleguinha na fila, o dinheiro acabava e ele teria que se conformar em esperar uma outra oportunidade? Creio que fosse o ambiente alegre, descontraído e, ao mesmo tempo, sério. O DC foi, sem dúvida, uma verdadeira escola de jornalismo. Graças à orientação de Pompeu, à elegância de Castelinho e à competência de Luiz Edgard de Andrade, por lá afinávamos nosso texto; aprendíamos a escrever e tudo isso num clima de camaradagem, de humildade, com os mestres fingindo que, também, aprendiam conosco” (BRAGA, 2003, p.77).

Nas páginas do periódico despontavam nomes como Armando Nogueira, Evandro Carlos de Andrade, Hélio Fernandes, Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão, Maurício Azevedo, Nilson Lage, Paulo Francis e Zuenir Ventura. Um rol de jornalistas que fazia frente a qualquer um e se completava com Antônio Maria, Fernando Sabino, José Carlos de

Oliveira, Nílson Viana, Paulo Mendes Campos, Sábato Magaldi, Sérgio Cabral, Stanislaw Ponta Preta, Thiago de Mello, Carlos Castello Branco, Ferreira Gullar e Otto Lara Rezende46.

A primeira mostra de que o Diário Carioca iria transformar os padrões da imprensa aconteceu em 1945 com a publicação do título “Sai Dutra, entra Góis”47. Na época, o título tinha que ser solene, sério. O impacto produzido pela linguagem direta, sem rigidez ou formalidade lingüística, gerou controvérsia.

“Desde o dia em que assumi a chefia de redação do Diário Carioca, eu comecei a fazer pequenas inovações. Prudente de Morais, neto, que era cronista de turfe do jornal, divertia-se muito com aquilo que ele chamava de as ‘galinhagens de Pompeu’. E dizia galinhagem em tom amistoso, porque ele apoiava inteiramente as novidades; aliás, quem mais gostava das inovações era ele. Então, começamos a fazer títulos com expressões entre parêntesis (...). Com freqüência, fazíamos galinhagens novas" (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.27).

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