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Intercâmbio Cultural

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A partir da década de 40, os Estados Unidos passaram a incentivar e a desenvolver um programa de intercâmbio cultural entre os dois países, com o aval do Departamento de Imprensa e Propaganda, criado por Getúlio Vargas36, que administrava o País sob a égide do Estado Novo. No cenário internacional, a Segunda Guerra Mundial fervilhava em terras européias. Esses eram os ingredientes que aguçavam a curiosidade do jornalista Pompeu de Sousa que começara a trabalhar como editor de notícias internacionais no Diário Carioca.

Pompeu de Sousa foi para os EUA indicado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, onde permaneceu durante 22 meses. Neste período trabalhou nas rádios NBC (National Broadcasting Company) e CBS (Columbia Broadcasting System), como responsável por um noticiário de 15 minutos, além da produção de um radioteatro, que tinha caráter político mais amplo e tratava do papel do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A NBC estava instalada no prédio do Rockefeller Center e a CBS foi a primeira a ampliar o setor radiofônico acompanhando a política de boa vizinhança dos Estados Unidos para com a América Latina.

A Divisão de Rádio, comandada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Getúlio Vargas, tinha como meta produzir programas com o apoio dos norte- americanos para o Brasil, sob patrocínio de diversas empresas estadunidenses, como a General Electric SA e a International Telephone da Telegraph Corp (SOUSA, 2004). O rádio foi o instrumento de maior controle do DIP, pelo alcance populacional. Através da Hora do Brasil, transmitia o noticiário governamental e o noticiário enviado de Nova York pela seção brasileira do The Office of the Coordination of Inter-American Affairs (OCIAA).

Vários programas noticiosos eram produzidos nos Estados Unidos e retransmitidos para o Brasil (SOUSA, 2004). Pompeu de Sousa integrou dois programas. No primeiro, Brazilian News Broadcast, trabalhou junto com Júlio Barata, Raymundo Magalhães e Orígenes Lesa. O conteúdo era enviado de Nova York por point-to-point e retransmitido pelas estações governamentais no Brasil e para 89 estações locais, todas as noites, de segunda a sábado. O segundo programa que contou com a participação de Pompeu de Sousa foi o Daily

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O Departamento de Imprensa e Propaganda foi criado por decreto presidencial número 1.915, de 27 de dezembro de 1939, com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas populares, porém sua origem está em 1931, quando foi criado o Departamento Oficial de Publicidade e, em 1934, com o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), conforme decreto 21.240 de 4 de abril de 1932. No Estado Novo, no início de 1938, o DPDC transformou-se no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que deu lugar ao DIP, com setores de divulgação, radiodifusão, teatro, cinema, turismo e imprensa. In: CARONE, Edgard. A Terceira República (1937 –1945) São Paulo: Editora Difel, 1974. 585 p.

Brazilian Reviuew, com comentário político em uma mesa redonda que discutia as notícias da semana (SOUSA, 2004, 121). Também produziu os programas Este é o nosso inimigo, com 15 minutos de duração e divulgado todas as segundas-feiras; Estamos em Guerra e o Radioteatro das Américas, programações de repúdio ao nazismo, O Canto das Américas, com músicas dos cantores norte-americanos.

Além dos informativos, o jornalista organizava um radioteatro em programa semanal, divulgando o sistema democrático dos EUA, numa contraposição ao regime nazista que fervia na Europa, e tratava do papel do Brasil na Segunda Guerra Mundial. “A finalidade do grupo era a produção de coberturas jornalísticas na América do Norte para serem transmitidas ao Brasil, como parte das atividades do Departamento de Informação e Propaganda (DIP), órgão criado pelo ex-presidente Getúlio Vargas” (PEREIRA, 2001, p.236), para centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional interna e externa, e “servir, permanentemente, como auxiliar de informações dos Ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessava a propaganda nacional” (SOUZA, 2003, p.108).

“Todo dia púnhamos uma peça no ar, uma peça de uma hora, que ocupava cinco ou seis dias de trabalho. Eu supervisionava todos os ensaios e a produção na cabine de controle com o diretor, e, além disso, escrevia e lia ao microfone um programa de 15 minutos sobre os acontecimentos do dia, as operações de guerra, isso na CBS, já que o radioteatro era alternado entre a CBS e a NBC. Havia ainda, no sábado, um programa de variedades. O hit parade dedicado aos grandes sucessos da música americana da época e no qual apareceu um jovem então desconhecido, Frank Sinatra” (PEREIRA. 2001, 236).

A ida de Pompeu de Sousa para os Estados Unidos aconteceu depois do bombardeio a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Ele começou a trabalhar, porém, em fevereiro de 1942. Com ele estavam Orígenes Lessa, que era o responsável pela revista Planalto, publicação do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda – DEIP, em São Paulo, órgão do DIP; Raimundo Magalhães Júnior, secretário de Lourival Fontes, que dirigia o DIP; e Júlio Barata, diretor da Divisão de Rádio do DIP, que foi nomeado ministro do Trabalho durante o Governo Médici.

“Eu estava entre quatro intelectuais brasileiros indicados para fazer um trabalho de aproximação Brasil-Estados Unidos, uma coisa bastante típica das contradições internas do Brasil. O governo americano pedira ao DIP a designação de quatro intelectuais brasileiros que deveriam ir para os Estados Unidos produzir programas destinados ao Brasil” (DUARTE, 1992, 40).

Pompeu chamou a atenção do governo brasileiro quando era editor de internacional do Diário Carioca, ou, como era chamado na época, chefe do Serviço Telegráfico, utilizando as notícias sobre os países democráticos como forma de questionar o governo de Getúlio Vargas.

“A maneira de se livrar do adversário era oferecer oportunidades. Pompeu incomodava como editor de internacional do Diário Carioca, usava aquele noticiário internacional para chatear a ditadura, e a maneira doce de se livrar dele foi dar um jeito de mandá-lo embora. Então ele foi trabalhar na Voz da América” (ABREU e LATTMAN-WELTMAN, 2003, p.31)

Quando retornou dos EUA, Pompeu de Sousa iniciou uma nova jornada profissional. No início de 1943, foi trabalhar na rádio Cruzeiro do Sul para noticiar os acontecimentos de guerra, tendo como colaborador o tenente-coronel Humberto Castelo Branco, inicialmente como observador militar e, depois, como comentarista político. “Eles eram amigos”, lembra- se Othília Pompeu em entrevista para a autora. A Rádio Cruzeiro do Sul era pioneira no Rio de Janeiro. Localizada na Cinelândia, no edifício da antiga gravadora Odeon, abrigava artistas brasileiros como Grande Otelo, Chico Anysio, Ary Barroso, Emilinha Borba e mantinha vários programas musicais37.

A experiência acumulada nos Estados Unidos, somada à iniciativa de fazer rádio no Brasil, possibilitou ao jornalista uma nova visão sobre a produção da informação, permitindo- lhe fazer comparações sobre as técnicas empregadas pela imprensa brasileira e a norte- americana:

“Infelizmente, não pude freqüentar redações de jornais, porque estava fazendo rádio intensamente. Mas lia muito os jornais americanos e foi então que eu comecei a verificar que eles tinham uma diferença fundamental em relação aos brasileiros, eram escritos com objetividade, a notícia era só notícia, era só informação, pois as opiniões eram vinculadas nos editoriais. Voltei ao Brasil em 1943 e comecei a fazer algumas modificações no Diário Carioca, objetivando um Jornalismo mais dinâmico e mais moderno e menos nariz-de-cera. Senti que o Jornalismo Brasileiro precisava ser radicalmente reformado e então resolvi fazer aquilo que os americanos fizeram e que no Brasil ainda não se conhecia. A idéia era criar a coluna vertical de uma nova técnica de estruturação e uniformização da notícia e de sua redação, o copy-desk” 38.

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Em 1935, a estação de Rádio Cruzeiro do Sul apresentava o primeiro programa de calouros do rádio. Comandado inicialmente por Edmundo Maia e Paulo Roberto. Um ano mais tarde, Ari Barroso assumiu a apresentação do Programa.

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O depoimento de Pompeu de Sousa está registrado em Experiências do ensino de Jornalismo: Da Universidade do Brasil à Universidade de Brasília. In: Cadernos de Jornalismo e Editoração. S.Paulo: ECA/ISP, 1986. p. 40- 45.

O termo objetividade jornalística era desconhecido da imprensa brasileira, nascido nos Estados Unidos em meados do século XIX, quando se iniciava a discussão sobre os princípios de imparcialidade e de equilíbrio editorial.

“Esses princípios, estabelecidos por volta de 1850, preparavam o terreno para a introdução do termo objetividade, que só veio a ser empregado em relação à imprensa cerca de 80 anos mais tarde, depois da I Guerra Mundial (1914-1918). E, tal como aconteceu com os filósofos, era natural que a noção de objetividade também colocasse os jornalistas em campos teóricos opostos, provocando uma discussão que se desdobra até hoje” (AMARAL, 1996, p. 25)

No século XIX não havia a preocupação com a imparcialidade, já que a característica básica da imprensa era ser partidária, uma posição clara para o leitor que ao adquirir um jornal o fazia para saber qual a opinião sobre os fatos e não para ter informações sobre o acontecimento. A concepção da notícia, como formato do gênero informativo, teve início com a transformação “da imprensa politizante para a comercializada” (AMARAL, 1996, p. 26), inicialmente com ensaios para a produção de textos imparciais, com estilos diretos, com isenção de opinião, com neutralidade e distanciamento do autor para com a informação. Uma passagem gradativa, possibilitada com o desenvolvimento industrial da imprensa e com a expansão das agências de notícias, durante as duas guerras mundiais, que buscavam mercado para as suas produções, apresentadas como neutras e imparciais.

“A disputa entre os objetivistas e subjetivistas marcaria bastante a imprensa americana, a partir da I Guerra Mundial, que tornou mais complexas as relações internacionais e representou o início da participação dos Estados Unidos nos assuntos mundiais. (...) A propaganda de guerra mostrou à comunidade jornalística as diversas maneiras como um fato pode ser apresentado, interpretado, manipulado – ou simplesmente criado”

(AMARAL, 1996, p. 36).

O conceito de objetividade jornalística se fortalecia à medida que a interpretação dos fatos sobre os conflitos de guerra distorcia a realidade, sendo defendida nos Estados Unidos como princípios da verdade, por priorizar o fato, pela clareza, por ser objetivo e preciso. “Nos Estados Unidos, foi muito grande a importância da objetividade como meta normativa da atividade jornalística” (KUNCZIK, 2001, p. 227), caracterizando a reportagem objetiva como isenta de sentimentos, de emoções, sem preconceitos e imparcial, ao apresentar o fato com equilíbrio ao garantir um grau de identidade entre o fato e a sua descrição, garantindo a qualidade do produto jornalístico.

“A objetividade é própria do procedimento científico e define a possibilidade da verificação intersubjetiva. Essa definição da objetividade pode aplicar-se também ao Jornalismo, o que quer dizer que deve ser abandonada a noção freqüentemente discutida na literatura de que a objetividade esteja ligada à relação existente entre afirmação e realidade. Essa definição faz da objetividade uma marca da investigação e da informação profissional sempre e quando se procura separar notícia de comentário de modo desapaixonado, imparcial e não manipulador” (KUNCZIK, 2001, p. 230).

Como aponta Bernardo Kucinski (1998, p. 97) a objetividade jornalística “é um atributo do texto final”, característica possível quando o jornalista possui um estilo claro e conciso, com a meta de procurar “exaustivamente os fatos, manter com eles uma relação de honestidade e saber hierarquizá-los”.

O termo copy-desk foi adotado por Pompeu de Sousa, que via a necessidade das matérias serem reescritas, serem revisadas para que o estilo adotado pelo periódico pudesse permanecer, independente do repórter que elaborasse a redação.

Pompeu de Sousa percebeu, ao trabalhar nos Estados Unidos, que a linguagem jornalística passava por modificações enquanto procura modernizar-se diante das inovações técnicas trazidas pela industrialização. Envolvido por estes princípios, começou a inserir gradativamente os conceitos de imparcialidade, um processo que durou sete anos até ser completamente implantando, tendo como suporte as páginas do Diário Carioca. A estruturação acompanhou a necessidade do leitor, que também passaria a ter um novo ritmo de vida. “Quando voltei, comecei a fazer pequenas modificações no Diário Carioca, objetivando a um Jornalismo mais dinâmico e moderno e menos nariz-de-cera. Isso, muito antes de qualquer escola” (POMPEU; 1986, p. 40).

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