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Influência dos Estados Unidos

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Depois da inovação iniciada pelo Diário Carioca, os jornais brasileiros adotaram o novo estilo, alterando seus padrões editoriais e enfrentando a concorrência nas ruas.

“Nos anos 60, os jornais se modernizaram, adotaram um estilo mais direto, objetivo, seguindo o modelo americano, para a leitura do homem apressado (he who runs way read). As agências de publicidade implantavam técnicas de comunicação mais sofisticadas; o consumo aumentou com a difusão de eletrodomésticos, novos supermercados com o auto-serviço – self service. A geração coca-cola chegou ao apogeu. O uso de blue-jeans se generalizou. O ruído do rock-and-roll abafou a melodia do samba. Os canais de televisão invadiram os lares e as classes dominantes aderiram ao whisky, ao drink”

(BANDEIRA, 1973, p.394).

A influência norte-americana sobre o Brasil foi meticulosamente planejada pelos Estados Unidos, dentro de um plano de modificação dos padrões vigentes. Um processo que começou a ser delineado no século XIX e ganhou força a partir da década de 30 do século seguinte, mais especificamente entre 1939 e 1945, com a internacionalização da economia brasileira. Houve uma mudança de paradigmas, com a modernização da vida na América, cuja gênese ocorreu no governo de Getúlio Vargas (TOTA, 2000).

O plano de investimento dos EUA pressupunha dominar o território cultural para ter o controle político e econômico sobre o continente americano. A presença dos traços norte- americanos no Brasil ficou mais evidente a partir da década 40, com os filmes de Hollywood e o som do jazz, apresentando os valores a serem seguidos (CICCO, 1979, p.37), ao mesmo tempo em que retratavam os Estados Unidos como exemplo de modelo econômico bem- sucedido. Começava a reinar nos ares brasileiros a idéia de manter “política de boa vizinhança (...) num convívio harmonioso, possibilitando a troca de mercadorias, valores e culturas entre Estados Unidos e o restante da América” (MOURA, 1993, p.8).

A difusão cultural ganhou maior espaço após a Segunda Guerra Mundial com a exportação de padrões de comportamento, gostos musicais, hábitos de consumo. Na arte, na ciência e na cultura brasileira predominaram as influências dos Estados Unidos, que impuseram seus conceitos em detrimento dos costumes tupiniquins.

“A partir de 1941, o Brasil foi literalmente invadido por missões de boa vontade americanas, compostas de professores universitários, jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários, todos empenhados em estreitar os laços de cooperação com brasileiros, além das múltiplas iniciativas oficiais” (MOURA, 1993, p.11).

Os homens de negócios no Brasil eram os americanos Nelson Rockefeller e George Humphry, que planejaram a estratégia para garantir a ideologia norte-americana e também conquistar o mercado brasileiro, de modo que os EUA representassem no continente

americano um sistema central de poder internacional. De positivo havia o intercâmbio de idéias, o conhecimento científico e o técnico em diversas áreas.

Essa articulação teve como pano de fundo a forte influência alemã sobre os brasileiros e o fato de que, em 1933, o Partido Nazista da Alemanha passou a ter projeção internacional, percebida na América Latina nas áreas econômica e política, alinhadas à propaganda germânica, com a presença de embaixadas, consulados, empresas comerciais, linhas aéreas, agências de notícias. Tudo para criar simpatias internas e difundir os valores germânicos, enquanto se recrutavam alemães e seus descendentes residentes no Brasil para ingressarem no núcleo do partido nazista.

A Alemanha representava o oposto dos Estados Unidos: o consumismo era atacado por ser excessivamente materialista e mercantilista, enquanto que o potencial desse país europeu deixava os membros do governo brasileiro entusiasmados com o estilo de autoridade administrativa, uma posição que facilitava as relações comerciais entre os dois países (TOTA, 2000).

Essa situação preocupava os norte-americanos que procuravam transpor seus valores culturais para todos os países do continente americano, processo que teve início no século XIX com as declarações de independência política dos países latino-americanos. Os EUA defendiam a não intervenção européia para interpor autoridade na América Latina, num projeto de expansão de seus ideais, para minar qualquer ação contrária à sua ideologia de interferência na economia e na cultura, no caso, brasileira.

A resistência da elite brasileira começou a ceder após a eleição do presidente Franklin D. Roosevelt, em 1933, que anunciou uma nova política, a da boa vizinhança, com o reconhecimento da igualdade jurídica entre as nações e com encontros periódicos para discutir os problemas do continente e a cooperação para o bem-estar das nações (MOURA, 1993, p.17). Os americanos mudaram os métodos, porém não os princípios ideológicos.

Estava pronto o receituário para que houvesse adesão à potência norte-americana, cujo sistema de poder deveria imperar em todo o continente. Em 1933, quando Roosevelt chegou à Presidência, o Brasil vivia o rescaldo da Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder, e sentia os efeitos da revolta constitucionalista de 1932 (MOURA, 1993, p.27). Era um período em que os bastidores da política brasileira se agitavam para definir os rumos a serem seguidos, uma polarização vivida pela Ação Integralista Brasileira e pela Aliança Nacional Libertadora, uma divisão que abriu espaço para o golpe militar de Getúlio Vargas, em 1937, com o Estado Novo, ditadura que terminou em 1945, quando o Brasil passou a respirar os novos ares da redemocratização.

No início de seu governo, Getúlio Vargas buscava o fortalecimento de suas ações através dos apoios interno e externo. “Vargas e seus colaboradores militares se aproveitavam das lutas inter-imperialistas do Estado de equilíbrio em que se encontravam na época para fortalecer o Estado Novo e sua infraestrutura (...) para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil” (SOLA, 1971, p.275).

No mapa dessa disputa estava a Segunda Guerra Mundial, quando aconteceu a virada das relações internacionais. Os EUA mostravam sinais de que entrariam no confronto internacional (CICCO, 1979, 42), enquanto governos latino-americanos nacionalistas e autoritários simpatizavam com a Alemanha e insistiam nas relações comerciais. Tal situação durou até que o bloqueio naval britânico encerrasse as linhas de comércio com a nação alemã, que decaíram a partir de 1940 (MOURA, 1993, p.18).

Nesse momento, os Estados Unidos estruturaram o Birô Internacional – Office for Coordinaton of Commercial and Cultural Relations between the American Republics, instituído em 1940, destinado a promover a cooperação interamericana e a solidariedade entre os hemisférios. Em 1941 foi inaugurado The Office of the Coordination of Inter-American Affairs (TOTA, 2000). A finalidade principal era consolidar o estado norte-americano como grande potência e enfrentar o Eixo Europeu.

O Birô, ligado à segurança nacional dos EUA, era subordinado ao Conselho de Defesa Nacional dos EUA e administrado por Nelson Rockefeller9, coordenador das agências estatais e privadas norte-americanas. Tinha por meta afastar da América Latina os produtos alemães e uma de suas ações mais populares foi distribuir aparelhos de rádio no Brasil, a preço baixo, para facilitar a difusão dos programas coordenados pelos Estados Unidos (SOUSA, 2004).

O Birô Internacional era dividido em quatro frentes: Comunicações – rádio, cinema, imprensa, viagens e esportes; Relações Culturais – arte, música, literatura, publicações, intercâmbio e educação; Saúde – problemas sanitários; e Comercial/Financeira – exportação, transporte, finanças e desenvolvimento. A filosofia era orientada por especialistas, a maioria das universidades, e fixava-se na idéia do pan-americanismo10, com ideais comuns para a

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Nelson Rockefeller pertencia à família proprietária da Standart Oil e Chose Bark e pertencia ao Partido Republicano. In: COLBY, Gerard e DENNETT, Charlotte. Seja feita a vossa vontade. São Paulo. Record. 1988 1060 p.

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A consciência pan-americana surgiu a partir de 1939, com a conferência realizada no Panamá, com a finalidade de criar uma área de segurança contra as ações de guerra, contra as ideologias antidemocráticas. Em 1942, no Rio de Janeiro, há a decisão de se romper com os países do Eixo, como medida de segurança nacional e contra ações anti-racistas, decisão tomada pelo Brasil após o ataque aéreo a Pearl Harbor, em 1941. Nessa época, os jornais brasileiros cobravam de Getúlio Vargas ações do governo sobre a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. PÍNSKY, Jaime – O Brasil nas Relações Internacionais. 1930-1945 – In: Carlos MOTA - Brasil em perspectiva (org. e introdução). 3a. edição. São Paulo: Difusão Européia do Livro. 1971.p. 337-349

organização republicana do Estado; a aceitação da democracia; a defesa da liberdade e dignidade do indivíduo, na crença de solução pacífica das disputas e na adesão aos princípios da soberania nacional, pontos que integravam o programa de solidariedade hemisférica (MOURA, 1993, p.24).

Estimulado pelo Birô Internacional, o radiojornal foi a primeira forma de programação implantada, em abril de 1941, para a transmissão diária de um jornal para a América Latina, com a verba inicial de 50 mil dólares. Os programas eram transmitidos pelo American Telephone & Telegraph e distribuídos pela Internacional Telephone & Telegraph, grandes corporações contratadas para combater a Alemanha (TOTA, 2000, p.76).

Na programação, entrevistas com artistas de Hollywood, hit parade, bandas militares e as seções As Nações Unidas falam, Estamos em Guerra, As Américas em Guerra, A Marcha do Tempo, Acredite se Quiser. “Os programas se encarregavam de difundir entre nós o modo de vida americana, amparando-se quase sempre nas músicas e nos filmes” (TOTA, 2000, p.77).

Os musicais ajudavam a proporcionar esta difusão. Havia uma variedade de entretenimentos na grade das rádios, como Programas de Libertad, com música vocal e orquestras; Para los amantes de musica, com músicas clássicas e entrevistas, produzidas em espanhol e em português; Metropolitan Opera, com as gravações das óperas apresentadas no Metropolitan; La Orquesta Sinfônica de la NBC, um programa que priorizava as apresentações da Orquestra da NBC (SOUSA, 2004, 68).

O conteúdo político estava concentrado nas dramatizações. Os Estados Unidos y la Industria en Guerra apresentava as realizações da indústria bélica norte-americana; El Verdadero Enemigo retratava a suposta natureza selvagem e brutal dos inimigos; El Misterioso, drama que descrevia e expunha a infiltração nazista na América Latina; Cuentos de América, continha histórias escritas por autores norte-americanos; La ideal de Llídia Morales, retratava a vida de uma garota latino-americana nos Estados Unidos (SOUSA, 2004, 69).

Os programas informativos e culturais não fugiam do propósito político norte- americano. Arsenales de la Libertad continham cenas reais das fábricas de produtos bélicos e entrevistas com os trabalhadores; Saludos Amigos era um programa de variedades; Desde Hollywood em Guerra, com músicas de orquestras, apresentação de artistas de cinema e dramatização da vida dos soldados na guerra (SOUSA: 2004, 69).

No Brasil, esses programas eram retransmitidos pelas rádios Cruzeiro do Sul, Mayrink Veiga e Tupi (todas do Rio de Janeiro), Record, Cruzeiro do Sul, Cosmos, Cultura e Tupi

(São Paulo), Farroupilha (Porto Alegre), Pampulha (Belo Horizonte) e Rádio Club de Pernambuco (Recife). O Repórter Esso cedia, diariamente, cinco minutos de sua programação para The Office of the Coordination of Inter-American Affairs (OCIAA), enquanto em sua grade normal havia comentários políticos de Júlio Barata e Raimundo Magalhães, que foram beneficiados com o intercâmbio cultural Brasil/Estados Unidos.

A área da Comunicação era a mais forte evidência da presença cultural norte- americana. Usada de forma pedagógica, assegurava o processo de envolvimento ideológico através dos filmes, da educação, da ciência e da imprensa como um todo, principalmente com o rádio, pela massificação da informação. "O rádio ajudou a criar uma opinião pública dinâmica no hemisfério ocidental, apoiando de forma contínua o esforço de guerra das repúblicas americanas" (TOTA, 2000, p.73).

A imprensa paulista divergia, desde os anos 20, sobre as ações dos Estados Unidos, procurando preservar uma identidade latino-americana, mas queria ver o Brasil como grande potência.

“Após a eclosão da guerra, proliferou a idéia de que o continente de riqueza e liberdade sairia preservado do conflito (...). A proposta de solidariedade americana foi retomada e sustentou a crença de que a união de todos os países do continente beneficiaria os não desenvolvidos, especialmente o Brasil, por contar com maiores recursos a serem explorados (...). A América, continente da liberdade, do direito, do trabalho e da prosperidade, era contraponto à Europa” (CAPELATO, 1989, p.67).

No início da Segunda Guerra Mundial, as notícias internacionais eram recebidas principalmente pelas agências italianas e alemãs. A política do Birô Internacional passou a combatê-las e não poupou esforços para negociar o envio de informações pelas agências United Press e Associated Press. O intercâmbio de notícias interessava não só aos Estados Unidos, pois difundia no Brasil a visão norte-americana sobre os acontecimentos mundiais, mas também à América Latina, que podia encaminhar notícias para a imprensa norte- americana, promovendo nesse sentido a política de intercâmbio cultural.

O acordo possibilitou ao Rio de Janeiro a obtenção do primeiro aparelho de recepção e transmissão de radiofotos. Assim, a primeira foto transmitida do Brasil para os Estados Unidos mostrou Getúlio Vargas com o embaixador americano Jefferson Caffery (MOURA, 1993, p.34). O intercâmbio se consagrava com o convite para que jornalistas brasileiros pudessem aprender as técnicas norte-americanas de fazer Jornalismo e tivessem acesso aos

progressos editoriais dos Estados Unidos, ganhando, conseqüentemente, fortes adeptos da ideologia pragmática.

Uma performance que conseguiu reunir nomes importantes da história do Brasil, entre eles os jornalistas Orígenes Lessa, Júlio Barata e Raimundo Magalhães Júnior, Monteiro Lobato, Pompeu de Sousa, Danton Jobim, Samuel Wainer e Alberto Dines. Eles participaram do intercâmbio promovido pelos EUA, que operavam sua dominação cultural no continente, refletida na imprensa brasileira. Uma ação que visava manter o controle com subsídios para a os jornais e revistas, verbas publicitárias para a propaganda de produtos americanos e facilidades para obtenção da licença de exportação de papel dos EUA, políticas que asseguravam a reserva de mercado no continente após a Segunda Guerra Mundial (MOURA, 1993, p.35).

Nessa bem urdida estratégia ideológica entrou o cinema, que, com a aparência de entretenimento, visava introduzir no Brasil os costumes norte-americanos. “Os tipos cinematográficos daquela época correspondiam, cada qual a seu modo, ao herói norte- americano, encarnação dos valores da cultura e concretização viva de seus anseios e aspirações” (CICCO, 1979, p.49).

À semelhança do que ocorrera com a imprensa, foi adotado o modelo de intercâmbio entre artistas dos dois países, a exemplo de Carmem Miranda, que acabou permanecendo nos Estados Unidos. Hollywood levava para as salas de cinema produções comerciais representativas da vida norte-americana. Nos documentários, imagens mostravam as riquezas naturais brasileiras e, do outro lado, a capacidade industrial e bélica dos EUA. Os temas relacionados à política interamericana eram dirigidos a escolas, clubes, igrejas, empresas, sindicatos e organização rural (TOTA, 2000). O cinema tinha como função cumprir o papel de difusor das idéias americanas, tendo os astros de Hollywood como mensageiros que projetavam os ideais de seu país.

“O conflito cultural foi particularmente perceptível entre a geração nova e a geração velha nos anos 40, pois, com a repercussão do cinema norte- americano nos gostos dos brasileiros e a reinterpretação dos valores de sua cultura no Brasil, a juventude adotava uma maneira de ver as coisas inteiramente nova, enquanto a geração velha se apegava a seus padrões costumeiros e tradicionais. Na vida de cada dia, dentro das famílias se defrontavam duas concepções diversas, com inevitáveis conflitos” (CICCO, 1979, p.101).

Trabalhar com a nova geração era o artifício necessário para que os Estados Unidos pudessem implantar novos valores, pregando a tese de mudanças, aliada ao conceito de

modernidade. Alceu Amoroso Lima explica que “o americano apreciava a mudança pela mudança”, por acreditar que “como o tempo está na base de toda a sua cultura de adaptação e de oportunismo, tudo evolui com ele e o moderno é necessariamente superior ao antigo, porque vem depois dele, o que é um dos dogmas invisíveis de todo o sociologismo norte- americano” (LIMA, 1955, p.276).

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