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6. Análise da Literatura dos Componentes do Modelo de Investigação

6.2. Crenças no Contexto do Trabalho

6.2.2. A Produção Internacional em Crenças

As buscas nas bases de dados internacionais, de acordo com os critérios de busca mencionados anteriormente, retornaram um total de 31 artigos sobre o estudo das crenças situadas no âmbito do trabalho. As publicações se concentram em periódicos internacionais da área de administração (71%), a partir da década de 1970. O survey é o método de investigação preferencial (90,32%), porém foram, também, localizados três

estudos com desenho quasi-experimental (Ehrhart, 2006; Laurin, Fitzsimons, & Kay, 2011; van Knippenberg, Haslam, & Platow, 2007).

Predomina a coleta de dados em mais de uma organização (97%), pública e privada, do setor terciário da economia. A maioria das pesquisas utiliza a abordagem quantitativa (90,32%) com a aplicação de questionários (autorrelatos).

Foram localizados três estudos de caráter qualitativo, nos quais as entrevistas semi-estruturadas são utilizadas como instrumento preferencial e a análise de conteúdo como procedimento típico para a análise de dados. Esses estudos indicaram que as crenças de indivíduos têm papel determinante na tomada de decisões (Binkley, 1997; Eversole, Gloeckner, & Banning, 2007) e nas estratégias de ação que estes utilizam em seus contextos de trabalho (Owen, 2009).

No que se refere à análise de dados, há amplo predomínio de técnicas descritivas e inferenciais, com preponderância de análises multivariadas e destaque para a utilização de modelagem por equações estruturais (e.g. Katou, Budhwar, Woldu, & Al-Hamadi, 2010; Schaufeli & Salanova, 2007).

Outra característica que se destaca é a testagem de relações indiretas com a utilização do construto crenças como variável mediadora ou moderadora nas relações hipotetizadas. Tal estratégia foi utilizada em 45% dos estudos, isto é, em 14 das 31 pesquisas localizadas.

Por exemplo, o efeito indireto das crenças negativas a respeito da reciprocidade foi testado sobre o relacionamento entre a supervisão abusiva e o desvio de comportamento de funcionários. Os resultados sugerem que esta relação é mais forte quando os indivíduos têm crenças mais negativas sobre reciprocidade (Mitchell & Ambrose, 2007). Em outro exemplo, a relação mais forte entre o contato intergrupal e a redução de preconceito foi encontrada no caso de indivíduos que detêm crenças sobre diversidade menos favoráveis, em comparação com aqueles com crenças em diversidade mais positivas (Adesokan, Ullrich, van Dick, & Tropp, 2011).

No que se refere aos temas, as crenças no âmbito do trabalho são associadas à ética (e.g., Tabachnick, Keith-Spiegel, & Pope, 1991), ao comprometimento e cinismo organizacional (e.g., Deng, Guan, Bond, Zhang, &

Hu, 2011), à diversidade (e.g., Adesokan et al., 2011), ao próprio desempenho (e.g., Harris & Daniels, 2005), ao conhecimento (e.g., Harteis, Gruber, & Hertramph, 2010), à justiça (Adoric & Kvartuc, 2007), a grupos (e.g., Cannon & Edmondson, 2001) e à reciprocidade (e.g., Mitchell & Ambrose, 2007). Ainda foram pesquisadas em estudos transculturais que visavam observar a influência da cultura no desenvolvimento de crenças. Foram encontradas diferenças significativas no desenvolvimento de crenças epistemológicas, na comparação entre alemães e ingleses (Sulimma, 2009). Os cingaleses endossam a crença de comprometimento com o trabalho mais acentuadamente que os australianos (Niles, 1999).

São encontrados também relatos empíricos sobre as crenças em relação a aceitação da tecnologia e a intenção comportamental de participar em treinamentos a distância. Esses estudos são, em sua maioria, baseados no Modelo de Aceitação de Tecnologia (MAT) que é uma adaptação realizada por Davis (1993) da Teoria da Ação Planejada (Fishbein & Ajzen, 1975).

De acordo com o MAT, as atitudes em relação à tecnologia são o fator determinante para a aceitação ou para a rejeição de determinada tecnologia. As atitudes são influenciadas por duas crenças: utilidade e usabilidade, sendo que essa última teria efeito direto sobre a percepção de utilidade. A percepção de utilidade é definida como o grau em que o indivíduo acredita que a utilização de determinada tecnologia pode melhorar seu desempenho no trabalho. A usabilidade é o grau em que um indivíduo acredita que a utilização de determinada tecnologia prescinde de esforços físicos e mentais (Davis, 1993).

Esse autor desenvolveu dois instrumentos para testar as crenças sobre a utilidade e sobre a usabilidade. Ambas as escalas propostas por Davis (1993) apresentam bons índices psicométricos e foram utilizadas em outros estudos com variações no que se refere ao tipo de tecnologia ou sistema avaliado (e.g., e-mail, programas de bases de dados, treinamento a distância). Por exemplo, MAT, Ong, Lai e Wang (2004) analisaram a relação entre autoeficácia, percepção de utilidade, percepção de usabilidade e a intenção comportamental de utilização de treinamentos a distância. Acrescentaram ao MAT a variável credibilidade percebida, operacionalizada como o grau em que um indivíduo

supõe que o uso de um sistema de treinamento a distância estaria livre de ameaças à privacidade e à segurança.

Os resultados encontrados por esses autores mostraram que a autoeficácia teve um efeito positivo e significativo sobre utilidade percebida e sobre a percepção de usabilidade e um efeito negativo sobre a credibilidade percebida. A utilidade percebida teve um efeito positivo e significativo sobre a intenção comportamental de participar de outros treinamentos a distância. A usabilidade foi um preditor significativo da utilidade percebida, da intenção comportamental de participar de outros treinamentos a distância e na credibilidade percebida. A credibilidade percebida teve um efeito positivo sobre a intenção comportamental de participar de outros treinamentos a distância.

Foi testada a hipótese de que a influência de características individuais (lócus de controle, autoeficácia, crenças, idade e nível de interação no curso) e do treinamento (sincronicidade e presença social) sobre os resultados do treinamento a distância é parcialmente mediada pelos processos metacognitivos de aprendizagem (Johnson et al., 2009). Os resultados encontrados por eles sugerem que idade, presença social, crenças em relação ao sistema de treinamento a distância, encontros síncronos e atividade metacognitiva estão relacionadas com a satisfação com o curso e com os níveis de julgamento de utilidade do treinamento. Além disso, a idade, a atividade metacognitiva e as crenças estão relacionadas com o desempenho no curso e com a satisfação. A atividade metacognitiva mediou parcialmente a relação entre satisfação e julgamento de utilidade.

As crenças em relação ao treinamento a distância também foram analisadas por Cavanaugh et al. (2000). Esses autores testaram a hipótese de que essa variável teria influência direta e indireta sobre a percepção dos participantes em relação a efetividade do treinamento (percepção de utilidade; percepção de ganho de conhecimentos). Os resultados encontrados mostraram que a variável crenças explicou uma quantidade significativa, ou marginalmente significativa, da variância das medidas de efetividade do treinamento, depois de controlado o efeito da autoeficácia.

Outros estudos têm ratificado a relevância das crenças sobre a usabilidade e sobre utilidade de treinamentos a distância em relação à intenção

comportamental de participação futura (e.g., Chong, Martinsons, & Wong, 2004; Fenner & Renn, 2010; Hashim, 2008).

Enfatiza-se que não foram localizados estudos em perióidicos internacionais que verificassem a influência direta ou indireta de crenças sobre o impacto do treinamento no trabalho ou sobre a evasão. Nos modelos teóricos aqui citados as crenças foram avaliadas como antecedentes ou mediadores somente das variáveis percepção de utilidade, usabilidade e intenção de participação futura em treinamentos oferecidos com essa modalidade.

Sobre o estudo das crenças dentro do contexto do trabalho ainda se pode mencionar que, dentre os instrumentos desenvolvidos para o estudo dessa variável, destaca-se, além do MAT, o trabalho de Buchholz (1978). Esse autor elaborou um modelo teórico sobre as crenças em relação ao trabalho baseado em cinco dimensões ortogonais: (i) ética no trabalho; (ii) crenças organizacionais; (iii) crenças marxistas; (iv) crenças humanistas; e (v) ética do lazer. Este modelo foi operacionalizado e testado empiricamente por meio de análise fatorial, cujos resultados confirmaram as cinco dimensões teóricas propostas. A escala conta com 41 itens avaliados em escala de concordância de cinco pontos e foi utilizada em cinco outros estudos internacionais (Barling, Kelloway, & Bremermann, 1991; Kirkcaldy, Trimpop, Fischer, & Furnham, 1997; Nicholson & Wong, 2001; Pesek, Raehsler, & Balough, 2006; Sidani & Jamali, 2009). No Brasil, esse instrumento foi utilizado por Borges (2001), conforme anteriormente descrito.

Para concluir a caracterização das pesquisas publicadas fora do Brasil com a variável crenças, observou-se que predominam os estudos de corte transversal realizados no nível do indivíduo (83,3%). O estudo de Jex e Bliese (1999) foi o único relato de caráter multinível localizado nesta revisão. Os resultados encontrados por esses autores revelaram que as crenças em eficácia, medidas no nível grupal, moderaram a relação entre a sobrecarga de trabalho e a satisfação no trabalho, e entre o significado da tarefa e o comprometimento organizacional.

Por fim, enfatiza-se uma recomendação que é recorrente nesses estudos sobre as crenças. Diversos autores sugerem aprofundar o conhecimento sobre o papel das crenças individuais e de grupos no contexto

do trabalho (e.g., Harteis et al., 2010; Schaufeli & Salanova, 2007). As evidências que se têm até o momento indicam que as crenças influenciam, por exemplo, os níveis de comprometimento do indivíduo com o trabalho e a intenção de participação em treinamentos a distância.

No que concerne ao interesse específico desta tese, consideradas as características das pesquisas empreendidas com a variável crenças, analisar- se-á o efeito da interação entre as crenças sobre o sistema de treinamento a distância e a orientação cultural para a aprendizagem. Supõe-se que a influência da cultura de aprendizagem é mais positiva quando os níveis de crenças sobre o sistema de treinamento são mais elevados do que quando são mais baixos. Investigar-se-á, também, o papel moderador da variável orientação cultural para a aprendizagem, julgando-se que a relação entre as características individuais e a decisão de persistência/evasão pode ser alterada pelas concepções sobre a cultura de aprendizagem.