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6. Análise da Literatura dos Componentes do Modelo de Investigação

6.2. Crenças no Contexto do Trabalho

6.2.1. A Produção Nacional em Crenças

As publicações nacionais sobre crenças, estudadas no âmbito do trabalho, estão concentradas em periódicos científicos da área de psicologia (80%) e apareceram a partir de 2001. Nos estudos brasileiros, os autores adotaram o survey como método de investigação preferencial (100%), com coleta de dados realizada, predominantemente, em mais de uma organização, pública e privada, do setor terciário da economia (71,43%). Em todas as pesquisas foi adotada a abordagem quantitativa com a aplicação de escalas de medidas perceptuais (autorrelatos) para mensurar os construtos de interesse. Em decorrência disso, as análises de dados são descritivas e inferenciais, com predomínio de técnicas multivariadas. O nível de investigação predominante é o indivíduo (83,3%) em estudos de corte transversal, que tiveram como finalidade principal gerar conhecimento sobre quatro objetos de crenças: o trabalho, o sistema de T&D, o próprio desempenho e a efetividade de equipes. Esses objetos, definidos a posteriori com base no conteúdo de cada estudo analisado, organizam a apresentação que se segue.

O primeiro estudo brasileiro sobre crenças situadas no âmbito do trabalho buscou diagnosticar os sistemas de crenças mais valorizados no contexto do trabalho dentro do Brasil (Borges, 2001). Essa autora usou como instrumento de medida a escala de Buchholz (1978). Os resultados obtidos, além de confirmarem a estrutura fatorial desse instrumento para o Brasil, sugeriram uma tendência marcadamente humanista e forte rejeição à ética do lazer. Esses resultados foram associados, pela autora, ao caráter coletivista da cultura nacional.

O segundo objeto a que as crenças foram associadas foi ao sistema de T&D (Freitas & Borges-Andrade, 2004). Inspirados pela necessidade de identificar preditores de impacto de treinamento nas organizações, estes autores propuseram, definiram e operacionalizaram o construto. A avaliação estatística da escala de crenças sobre o sistema T&D resultou em um instrumento com um total de 35 itens, organizados em três fatores: Fator 1 - Crenças sobre as contribuições do T&D (α = 0,94); Fator 2 - Crenças sobre o processo de levantamento de necessidades de T&D (α = 0,84); Fator 3 -

Crenças sobre os resultados e o processo de T&D (α = 0,82). Do ponto de vista prático, os autores destacam que a aplicação dessa escala poderá permitir aos gestores administrar os sistemas de crenças em T&D, visando à manutenção de crenças positivas e intervenções para mudar crenças negativas. Esse mesmo instrumento foi utilizado em quatro outros estudos descritos a seguir.

O relacionamento entre as crenças em sistema de treinamento e o impacto do treinamento no trabalho foi verificado por Freitas (2005). Os resultados mostraram que crenças sobre as contribuições de treinamento (Fator 1 da escala) predizem o impacto. Isto é, os funcionários que acreditam na efetividade do sistema de T&D de sua organização tendem a aplicar o que aprenderam e aperfeiçoar o seu trabalho.

A escala de crenças em sistema de treinamento foi reavaliada e foram obtidos os mesmos três fatores, com bons índices psicométricos, porém os itens se agruparam de maneira um pouco diferente no estudo de Vasconcelos (2007). A autora não encontrou diferenças significativas de percepções de crenças em relação ao sistema de treinamento entre os funcionários de duas organizações. Entretanto, objetivos do treinamento e a modalidade de entrega influenciaram crenças mais ou menos favoráveis sobre o sistema de treinamento. Informações mais recentes influenciaram as crenças positivas.

O relacionamento entre as características individuais (idade, tempo de serviço, experiência prévia em treinamento e salário) e as crenças sobre o sistema T&D foi testado por Lopes e Mourão (2010). Os resultados encontrados mostraram que as características individuais predizem as crenças sobre o sistema de T&D. Em outro estudo, os três fatores de crenças sobre o sistema de T&D emergiram como preditores da motivação para aprender (Mourão e Marins (2010). Ambos os estudos utilizaram dados de uma mesma amostra, coletados para o desenvolvimento da dissertação de mestrado de Lopes (2008). Estas autoras encontraram índices psicométricos e estrutura fatorial semelhantes aos de Freitas e Borges-Andrade (2004). A mencionada dissertação não foi considerada nos resultados da presente revisão, para evitar que os seus achados fossem inflados.

O terceiro objeto a que as crenças foram associadas nos estudos nacionais se refere às crenças sobre o próprio desempenho. O relacionamento

entre as crenças de autoeficácia e o impacto do treinamento no trabalho foi avaliado por Meneses e Abbad (2003). Essas crenças contribuíram significativamente para a autoavaliação deste impacto, embora a variabilidade explicada tenha sido pequena (2%). Os autores sugerem que os estudos de corte longitudinal ou de múltiplos cortes transversais são os delineamentos mais adequados para o estudo desse tipo de fenômeno.

Outro estudo verificou a validação estatística da escala de crenças em autoeficácia em situações de T&D (Meneses & Abbad, 2010). Essa escala conta com 15 itens avaliados em duas dimensões: Fator 1: Autoeficácia para itens favoráveis (α = 0,91); Fator 2: Autoeficácia para itens desfavoráveis (α = 0,78). Os autores sugerem testar a validade convergente e discriminante dessa escala em relação a outros constructos que este sobrepõe (e.g., autoconceito) e, também, testar a validade preditiva da escala em relação a resultados de ações de T&D.

As crenças foram associadas à efetividade de equipes por Puente- Palacios e Borges-Andrade (2005). Em um estudo multinível, investigaram o efeito da interdependência de tarefas, da interdependência de resultados e das crenças na efetividade das equipes sobre a satisfação dos indivíduos com essas equipes. Os resultados mostraram que as crenças na efetividade das equipes agem de maneira associada à interdependência de resultados na explicação da satisfação. Constatou-se que, no caso de indivíduos que consideram as equipes de trabalho unidades efetivas, quanto maior a dependência de resultados, medida no nível de grupo, maior o nível de satisfação individual. Porém, se as crenças forem que as equipes não são efetivas, a elevada dependência de resultados está associada a menores níveis de satisfação.

O último objeto a que as crenças foram associadas foi ao treinamento a distância. Nesse caso, localizou-se somente um trabalho que tinha como objetivo avaliar a resistência ao uso do treinamento a distância, de autoria de Brauer (2008). De acordo com o modelo teórico testado, baseado na Teoria Unificada de Aceitação e Uso da Tecnologia, essa resistência pode ser influenciada simultaneamente por oito dimensões: autoeficácia, competência

em tecnologia, expectativa de desempenho, expectativa de esforço, influência social, condições facilitadoras, interatividade e comunicação interna.

Os resultados obtidos sugerem que quanto menor for a capacidade percebida para aprender sozinho e realizar o que planeja (autoeficácia), e quanto menores forem as crenças de que o sistema de treinamento a distância pode agregar valor ao trabalho (expectativa de desempenho), maior será a resistência em relação ao treinamento a distância. Esse autor ainda infere que se o indivíduo tem resistências em relação a essa modalidade, provavelmente os níveis de aprendizagem sejam aquém do esperado e, consequentemente, também outros possíveis resultados.

Nos estudos brasileiros ora analisados, observa-se a convergência dos pesquisadores brasileiros em relação à definição de crenças como uma organização lógica, flexível, estruturada cognitivamente, originada por meio de um processo de interação social e, por essa razão, passível de intervenções e ações gerenciais. Essas pesquisas sugerem a importância de se considerar o sistema de crenças dos indivíduos e indicam novas possibilidades de intervenção organizacional para a melhoria dos níveis de transferência. Não são conclusivas e precisam ser estendidas para verificar a estabilidade psicométrica das medidas desenvolvidas e o poder preditivo das crenças. O pequeno volume de publicações nacionais sobre o construto crenças, situadas no âmbito do trabalho e no contexto do treinamento a distância, evidencia a necessidade de novas investigações que procurem desvelar o seu papel de influência no contexto das organizações.