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Capítulo IV O desenvolvimento sociomoral e a sua promoção em contexto educativo

4.2 A promoção do desenvolvimento sociomoral no contexto educativo

De acordo com Lima (1978), é impossível ensinar ‘moral’, mas é possível criar as condições necessárias e adequadas para que ela ocorra e, segundo Lourenço (2006), o desenvolvimento sociomoral pode ser fomentado. Nesta linha de pensamento, interessa ter em consideração como fomentá-lo no contexto educativo e o papel que o educador/professor tem nesse processo.

Lourenço (2002) menciona que “(…) o desenvolvimento sócio-moral requer tempo, interacção e experiências de vida, em qualidade e em quantidade, relativamente enriquecedoras” (p. 159), defende que um dos fatores de desenvolvimento sociomoral é

a promoção do desenvolvimento cognitivo e a tomada de perspetiva social bem como que é crucial na promoção do desenvolvimento sociomoral que seja tido em conta no dia-a- dia das famílias, das escolas e da sociedade em geral, tanto no discurso como na ação, os sentidos sociomorais fundamentais: o sentido da diferença, o sentido dos outros e o sentido dos princípios.

DeVries e Zan (1998) descrevem um ambiente sociomoral como “toda a rede de relações interpessoais que forma a experiência escolar da criança. Essa experiência inclui o relacionamento da criança com o professor, com as outras crianças, com os estudos e com as regras” (p.17). Segundo as mesmas autoras, a base para a promoção de uma atmosfera sociomoral no contexto educativo encontra-se no respeito à criança, aos seus interesses, valores, ideias e sentimentos. As mesmas autoras (1994) consideram que a criança, através da cooperação, consciencializa-se dos sentimentos, ideias, comportamentos do outro e aprende conceitos como justiça e equidade, que são pontos críticos no desenvolvimento moral.

Oliveira-Formosinho e Araújo (2008) mencionam como aspetos cruciais na construção de um ambiente promotor do desenvolvimento moral: a regulação do uso do espaço e dos materiais; o uso da rotina diária; a organização das interações fomentando a partilha e a cooperação; bem como, a aprendizagem de estratégias de resolução de conflitos, tendo em conta que os mesmos são inevitáveis e poderão constituir oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento.

A escola desempenha um papel importante na educação moral e cívica dos seus membros e é na vida escolar e na participação democrática dos estudantes que essa educação se faz (Carita, 2005, p.13). De acordo com Oliveira-Formosinho (2003), “A escola como contexto organizacional, logo socialmente construído, desenvolve estruturas, cria regras e normas relativas à vivência nessa sociedade organizada que, explícita e implicitamente, veiculam princípios e crenças sócio-morais.” (p.5). É na escola que as crianças reorganizam os seus comportamentos e se apropriam de outros, que irão construir o seu projeto de vida. (Dias, 2004). Assim sendo, é possível constatar que o contexto educativo constitui um espaço excecional para a promoção do desenvolvimento sociomoral da criança e que a ação do educador/professor tem influência na promoção do mesmo.

Atendendo às referências ao desenvolvimento sociomoral no Sistema Educativo Português é de mencionar que, de acordo com Marques (1993), os artigos 47.º e 48.º da

Lei de Bases do Sistema Educativo reconhecem explicitamente a intenção de uma vertente da educação pessoal e social na escola. Essa intenção foi regulamentada, em 1989, pelo Governo e a área de Formação Pessoal e Social tem como ponto de partida “a capacidade para a resolução dos problemas de vida, a promoção do desenvolvimento psicológico e a educação para os valores” (Campos, 1997, p.7).

A importância desta área de Formação Pessoal e Social decorre da perspetiva que o ser humano se constrói em interação social. Esta é considerada uma área transversal e corresponde, de acordo com as fases do desenvolvimento, a um processo que deverá promover a aquisição de espírito crítico e a interiorização de valores espirituais, estéticos, morais e cívicos (Ministério da Educação, 1997). No que diz respeito a esta área na EPE, as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (1997) “ pretendem acentuar a sua importância e sublinhar as finalidades formativas da socialização que marcam a tradição da educação pré-escolar em Portugal, perspectivando-a como área integradora que enquadra e dá suporte a todas as outras.” (p. 51). No 1.º CEB é consagrado que a Educação para a Cidadania, com carácter transversal em todas as áreas curriculares, constitui a base sobre a qual o currículo deve ser construído.

Por tudo o que foi referido, salienta-se que a promoção do desenvolvimento sociomoral no contexto educativo é sustentada não só pela investigação de alguns estudiosos na matéria como também por documentos legisladores e orientadores da ação educativa. Verifica-se a importância deste tema e que se torna crucial a sua promoção em contexto educativo. Para tal, importa considerar que processos ocorrem na escola e que podem contribuir para a promoção do desenvolvimento sociomoral das crianças em contexto educativo.

4.2.1 Interações e conflitos como contributos para o desenvolvimento sociomoral das crianças

As interações e os conflitos são aspetos inerentes à condição humana, encontram- se com grande destaque nos contextos educativos e contribuem para o desenvolvimento sociomoral das crianças.

As interações são as relações estabelecidas pelo indivíduo com o outro e com o meio. As interações de qualidade revestem-se de extrema importância no

desenvolvimento da criança (DeVries & Zan, 1994), motivo pelo qual é crucial a criação de condições que propiciem o seu estabelecimento e desenvolvimento.

Os conflitos são, predominantemente, associados a algo negativo mas, de acordo com Silva (2003), a melhor forma de os conceptualizar é considerando-os como uma propriedade da interação. Desse modo, e de acordo com a mesma fonte, os conflitos são um processo natural, inevitável e necessário à condição humana. Segundo Gonçalves (2003), Piaget foi um dos autores que de forma mais adequada conceptualizou o conflito como um processo decisivo e indispensável para a ocorrência de desenvolvimento, sendo este um dos motivos pelo qual é crucial aprender a abordá-lo de modo positivo. Menciona-se, ainda, que as estratégias para lidar com os conflitos devem estar contextualizadas, que a negociação é a estratégia mais utilizada e que a cooperação é tida como um factor chave da resolução construtiva de conflitos.

Relativamente às contribuições das interações, é de assinalar que Piaget no seu livro Le jugement moral chez l’enfant defende que é através da interação do indivíduo

com os diversificados ambientes sociais que são construídos os valores, normas e princípios morais. Segundo o mesmo autor, as interações são essenciais para a construção dos seus valores, sentimentos sociomorais bem como da sua competência social e intelectual. Neste seguimento de ideias, as interações entre crianças são facilitadoras do desenvolvimento intelectual e sociomoral pois: proporcionam o reconhecimento da reciprocidade implícita nas relações de igualdade, que pode possibilitar a base psicológica para a adoção de perspetiva; permitem a construção da consciência e da diferenciação de si mesmas e dos outros, esquemas de reação social e cooperação no pensamento e ação (DeVries & Zan, 1998).

Quanto aos conflitos, são uma condição do desenvolvimento social e, consequentemente, do desenvolvimento moral das crianças, pois as exigências cognitivas e afetivo-emocionais que lhes coloca operam como um incentivo à diferenciação dos processos de funcionamento interpessoal. Como resultado, fomentam as competências sociocognitivas e de gestão emocional que convertem o indivíduo mais capaz de construir relações positivas com os outros (Nascimento, 2003).

É possível conferir, assim, que tanto as interações como os conflitos são aspetos intrínsecos ao ser humano. Devido ao facto de serem uma constante nos ambientes educativos e, de acordo com os autores acima referidos, contribuírem para o desenvolvimento sociomoral importa que o docente considere estes processos de um

modo positivo e seja capaz de utilizá-los em prol da promoção do desenvolvimento sociomoral das crianças.