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A Proporcionalidade nas Sanções de Polícia

5 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

5.5 A Proporcionalidade nas Sanções de Polícia

Conforme assinala Fábio Medina Osório, “a relação punitiva, na qual o Estado aparece com seus poderes e o indivíduo, a pessoa, não importa se física ou jurídica, com seus direitos em jogo, há de ser proporcional” 239.

Em referência à proporcionalidade exigida no Direito Penal, o autor defende uma perspectiva humanista e unitária do Direito Punitivo Estatal. Em suas palavras:

A exigência de penas proporcionais e logo de tipos delitivos proporcionais, a partir da idéia de dignidade humana e de bens jurídicos, na linha da fragmentariedade do direito penal, traduz uma série de movimentos de índole moral, filosófica, religiosa e jurídica, em direção a um Direito Sancionador humanizado. Não resta dúvida de que, pelo próprio lócus constitucional do instituto [o “postulado da proporcionalidade”] a atividade punitiva do Estado resulta limitada, não apenas em sua vertente penalista, mas sobretudo, no campo administrativista, historicamente infenso a essas influências liberais.240

Apesar de confundi-lo, por vezes, com o princípio da razoabilidade, Fábio Medina Osório assim conclui:

O certo é que o princípio da proporcionalidade é de ser aplicado pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo na elaboração e concretização das normas de Direito Administrativo Sancionador, seja na própria tipificação do ato ilícito, deixando de fora dos tipos legais comportamentos que não se mostrem materialmente lesivos aos valores tutelados pelo legislador e pelo constituinte de 1988, seja na adequação da resposta estatal, através das sanções, a ilícitos de menor gravidade, seja, finalmente, na manutenção de uma coerência mínima entre os tipos sancionadores e os resultados objetivados com a intervenção pública repressiva.241

Para Hely Lopes Meirelles, constituem “requisitos específicos para a validade do ato de polícia”, a proporcionalidade entre a restrição imposta pela

239 OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., p. 230. 240 Idem. Ibidem, p. 228.

Administração e o benefício social que se tem em vista, bem como a proporcionalidade da sanção e da legalidade dos meios empregados.242

Em suas palavras:

Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida. Desproporcional é também o ato de polícia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicionar o uso do bem ou de regular a profissão.243

Verificada a ocorrência do ilícito administrativo, em desrespeito aos ditames legais da norma de polícia, será devida a sanção. A proporcionalidade exige, contudo, que se aplique apenas a sanção adequada à infração, assim entendida aquela que contribua, de alguma forma, para alcançar a finalidade pública expressa ou implícita na lei.

A sanção de polícia será necessária se, dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não houver outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados.

Hely Lopes salienta que o poder de polícia autoriza limitações, restrições ou condicionamentos, mas nunca a supressão total do direito individual, o que só poderá ser feito através de desapropriação. 244

Sem mencionar que na realidade se trata do subprincípio necessidade, o autor então atenta para o excesso na medida ou na sanção de polícia:

A demolição de obras, a destruição de bens particulares, o emprego da força física, só se justificam como expedientes extremos do Poder Público. Enquanto houver outros modos de realizar a medida de polícia e outras sanções menos violentas não se autorizam os atos destrutivos da propriedade, nem as interdições sumárias de atividades, nem a coação física para impedir o exercício de profissões regulamentadas.

Só a resistência do particular a ordens e proibições legais legitima o emprego moderado da força pública para removê-la, como último recurso contra o capricho do administrado ao poder de polícia da Administração.245

O subprincípio da necessidade deve parametrizar a graduação da sanção, sempre que a lei ou o regulamento respectivo permitam ao agente de

242 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 141. 243 Idem. Ibidem, p. 139.

244 Idem. Ibidem, p. 139. 245

polícia uma avaliação subjetiva acerca de qual resposta será a mais efetiva e proporcional ao interesse público, em face do dano social causado pelo administrado.

Nesse sentido se o administrador se defronta com um fato que pode ser punível por outra sanção, menos onerosa ao particular, deverá necessariamente escolhê-la. Deve ter em vista que a sanção é ato acusatório, aflitivo e punitivo que certamente afeta direitos, em maior ou menor escala.

Apesar de existir ilícito e ser devida sanção, a proporcionalidade exige que a imposição estatal seja aquela mais ajustada ao caso concreto, aos fins que a lei busca proteger e aos direitos fundamentais que a Constituição alberga, de tal modo que “o cidadão tenha direito à menor desvantagem possível”.

Após a sanção de polícia ter passado pelos testes de idoneidade e necessidade, é preciso determinar se o atendimento à finalidade buscada por essa medida restritiva compensa os prejuízos que desta advenham para os direitos fundamentais.

À guisa de exemplo, Luis Manuel Fonseca Pires menciona a situação em que a Administração Pública percebe, em fiscalização de rotina, que certo prédio foi construído com a invasão de meio metro do limite do recuo. Nesse caso, de um lado está o direito à propriedade e à moradia dos proprietários das unidades que não obraram com má-fé, para conseguir mais centímetros para a construção, sendo que fica constatado que houve um equívoco cometido pelo construtor. De outro lado, não se percebem prejuízos à circulação de pessoas e de veículos nem prejuízo algum à vizinhança.

No caso, ponderando-se os interesses, a balança parece inclinar-se a favor dos administrados, sob pena de desproporcionalidade da sanção de polícia que decidir pela demolição do prédio.

6 CONCLUSÕES

Observa-se que, no Brasil, o princípio da proporcionalidade não mereceu o acesso devido ao Direito Constitucional ou mesmo ao Direito Administrativo. Não se pode admitir que, em plena vivência do período pós-positivista, a força cogente de normatividade desse princípio cardeal seja alijada em virtude de uma mera ausência de norma escrita.

Conclui-se que o princípio da proporcionalidade é princípio não escrito, mas sua observância independe de explicitação em texto constitucional, porquanto pertence à natureza e essência mesma do Estado de Direito.

Não obstante se trate de um princípio “aberto”, extremamente formal, não há obstáculos que justifiquem o não reconhecimento de sua aplicação a qualquer atividade estatal.

O que merece ser ressaltado é a sua dupla função de proteger a esfera de liberdade individual contra medidas estatais arbitrárias e de viabilizar a concretização ótima dos direitos fundamentais.

O princípio deve ser respeitado em todas as esferas materiais de intervenção do Estado nos direitos dos cidadãos, vinculando o legislador, a administração e a jurisdição.

Aqui se defende, portanto, que o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser concretizado tanto na formulação do Direito como na sua aplicação, de modo que sua observância seja obrigatória para toda e qualquer atividade estatal que limite direitos fundamentais, na vigência do Estado Democrático de Direito.

Em outros termos, a atividade limitadora do Estado deve ser, também, uma atividade limitada, e o princípio da proporcionalidade vem sendo citado como um dos mais importantes para esse fim de proteção dos cidadãos.

A idéia de proporcionalidade é inerente a qualquer conceito jurídico possível de poder em um Estado Democrático de Direito. Não se concebe que o poder, ali, seja exercido sem limites. A atividade dos poderes constituídos sempre

deverá estar voltada à realização de determinados valores, que, explícita ou implicitamente, fundamentam a sua própria existência como sociedade política.

Quanto ao legislador, o princípio da proporcionalidade pode ser compreendido como um dos “limites dos limites”, ou seja, uma restrição que a ordem constitucional prescreve como condição de legitimidade da atividade legislativa restritiva na seara dos direitos fundamentais.

Ao Judiciário, a supremacia da Constituição fez com que se valorizasse uma jurisdição constitucional, possibilitando um controle de constitucionalidade tanto de atos legislativos como de atos administrativos. Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade é um importante parâmetro de controle jurisdicional que corporifica idéias racionalistas, pelas quais se apregoa a utilização do Direito como instrumento de racionalização do poder, ou seja, de submissão do Estado e do poder à razão, e não da razão ao poder.

Em relação à Administração, conclui-se ser inquestionável sua submissão ao Direito, este composto por normas-regras e normas-princípios. Assim, uma vez considerado princípio de ordem constitucional, abre-se caminho para que o princípio da proporcionalidade tenha força normativa suficiente para impor ao administrador um dever de sua observância.

Em consonância com os notáveis doutrinadores citados, defende-se que o intérprete não pode optar se atende ou não atende ao princípio da proporcionalidade, mas, pelo contrário, é seu dever concretizá-lo, sob pena de inconstitucionalidade da decisão jurídica.

Ao se acatar o predomínio do princípio da juridicidade da Administração, permite-se um novo olhar sobre o poder de polícia. Conforme a doutrina já assinalava, o Estado-Legislador, é o único capaz de criar as limitações à propriedade e à liberdade, pois apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo, com fulcro no princípio constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CRFB).

Em sentido amplo, poder de polícia é o poder do Estado de conformar o conteúdo do direito de propriedade e de liberdade, com o escopo de adequá-los ao interesse público.

A nosso ver, conferir importância à noção de conformação dos direitos é compreender as limitações administrativas e o poder de polícia sob uma nova ótica, mais vinculada ao princípio da legalidade, levando-nos à inevitável conclusão de que a Administração Pública nunca poderá limitar ou restringir direitos individuais.

Isto, apenas a lei, constitucionalmente adequada, poderá realizar, justamente por meio da conformação do próprio direito. Poderá sim (apenas por lei) haver restrição aos valores liberdade e propriedade, não do direito. Assim, o que o poder de polícia administrativa realiza é a aplicação da lei, é exercida pelo Estado como administrador.

Conformar um direito é dar-lhe forma, desenhar seu perfil, dar sua fisionomia normativa. As limitações administrativas à liberdade e à propriedade são a conformação do próprio direito a estes valores (liberdade e propriedade), de modo que não há de se falar em qualquer restrição de direitos, mas sim à própria liberdade e à propriedade que recebem a configuração jurídica necessária à convivência pacífica em sociedade. O atendimento à ordem contida na limitação vem a ser a

conditio juris do exercício do próprio direito, assim limitado.

Assim sendo, não se pode falar em limitação ou restrição administrativa de direitos, somente sendo aceitável cogitar-se de uma limitação à liberdade ou à

propriedade enquanto valores e bens jurídicos. Adequada a esse pensamento,

portanto, as expressões que mencionam ser o poder de polícia uma limitação ou restrição ao exercício dos direitos individuais.

Indubitavelmente, o princípio da legalidade foi um marco importantíssimo de limitação à polícia administrativa, contudo, restou insuficiente.

Impõe-se, nessa atual fase de Direito por princípios, o respeito ao princípio da proporcionalidade.

Ao se analisar os mais importantes meios de atuação da polícia administrativa, conclui-se que, em cada um deles, o princípio da proporcionalidade pode ser aplicado sem embargos, ressaltando que o poder de polícia autoriza limitações, restrições ou condicionamentos, mas nunca a supressão total do direito individual.

A fiscalização deve restringir-se à verificação da normalidade do uso do bem ou da atividade policiada. A atuação da Administração Pública há de ficar

restrita aos atos indispensáveis à eficácia da fiscalização, voltada aos interesses da sociedade.

Mormente nos caos de utilização de meios coativos, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela. A vedação do excesso tem por objetivo uma racional contenção dos poderes estatais, de modo a salvaguardar com eficiência os direitos fundamentais.

Além de adequado e necessário, o meio de fiscalização de polícia deve ser proporcional em sentido estrito, de modo que, ponderados todos os interesses em questão, a utilização desse meio traga mais vantagens para o interesse público do que desvantagens para o cidadão.

Na perspectiva de um Direito Sancionador humanizado, a relação punitiva, na qual o Estado aparece com seus poderes e o indivíduo com seus direitos em jogo. há de ser proporcional.

Verificada a ocorrência do ilícito administrativo, em desrespeito aos ditames legais da norma de polícia, será devida a sanção. A proporcionalidade exige, contudo, que se aplique apenas a sanção adequada à infração, assim entendida aquela que contribua, de alguma forma, para alcançar a finalidade pública expressa ou implícita na lei.

A sanção de polícia será necessária se, dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não houver outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados.

Assim, o subprincípio da necessidade deve parametrizar a graduação da sanção, sempre que a lei ou o regulamento respectivo permitam ao agente de polícia uma avaliação subjetiva acerca de qual resposta será a mais efetiva e proporcional ao interesse público, em face do dano social causado pelo administrado.

Nesse sentido se o administrador se defronta com um fato que pode ser punível por outra sanção, menos onerosa ao particular, deverá necessariamente escolhê-la.

Por fim, após a sanção de polícia adequada e necessária será proporcional se o atendimento à finalidade buscada por essa medida restritiva compensa os prejuízos que desta advenham para os direitos fundamentais.

Apesar de existir ilícito e ser devida sanção, a proporcionalidade exige que a imposição estatal seja aquela mais ajustada ao caso concreto, aos fins que a lei busca proteger e aos direitos fundamentais que a Constituição alberga, de tal modo que “o cidadão tenha direito à menor desvantagem possível”.

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