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Atuação de Polícia por Atos Normativos

4 OS MEIOS DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA ADMINISTRATIVA

4.1 Atuação de Polícia por Atos Normativos

A lei é o ato normativo fundamental destinado à criação das limitações administrativas. Contudo, a Administração Pública pode editar decretos, resoluções, portarias e instruções, exemplos de atos administrativos normativos destinados a disciplinar a aplicação da lei aos casos concretos.139

Na lição de Hely Lopes Meirelles, “atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei”. Mais adiante, salienta que “tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal. São leis apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei”. 140

José dos Santos Carvalho Filho entende que os “atos gerais, também denominados atos normativos, são aqueles que regulam uma quantidade indeterminada de pessoas que se encontram na mesma situação jurídica” 141.

138 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p.398. 139 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.113. 140 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.178.

Distinguem-se, pois, dos atos individuais (ou concretos) que possuem destinatários individualizados, definidos, mesmo coletivamente.

A Administração detém o chamado poder regulamentar ou normativo, por meio do qual cria normas com efeitos gerais e abstratos, hierarquicamente subordinadas à lei. O objetivo dessa prerrogativa especial é o de permitir a efetiva (e fiel) aplicação das leis, estas sim, legítimos atos normativos originários.

O poder normativo da Administração deve ser derivado, no sentido de apenas complementar lei preexistente. “Ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração” 142.

A grande regra é a impossibilidade de inovar a ordem jurídica, bem como a de se estabelecerem normas contra legem ou ultra legem. A exceção, vale lembrar, ocorre com o regulamento autônomo, que, no direito brasileiro, fica restrito à hipótese do art. 84, VI da CRFB/88. 143

Para a atuação da polícia administrativa, nem todas as espécies de atos normativos são diretamente relevantes.

Assim, os denominados atos administrativos ordinatórios (ou internos), por disciplinarem o funcionamento interno da Administração Pública, não atuam diretamente sobre o exercício dos direitos dos indivíduos. São exemplos dessa categoria as instruções, circulares, ordens de serviço, avisos, portarias, ofícios, despachos etc.

Contudo, sobre estes atos internos, Hely Lopes Meirelles adverte que “não criam, normalmente, direitos ou obrigações para os administrados, mas geram deveres e prerrogativas para os agentes administrativos a que se dirigirem.” 144

Hely Lopes Meirelles ainda realiza uma importante observação, relativa a uma falta de técnica muito vista na prática:

São atos de operatividade caseira [os atos internos], que não produzem efeitos em relação a estranhos. Entretanto, vêm sendo utilizados distorcidamente pelas altas autoridades do Executivo para impor obrigações aos administrados, especialmente aos contribuintes. É o caso das portarias e instruções ministeriais, que

142 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.87.

143 Artigo alterado com a redação da Emenda Constitucional nº 32 de 2001. 144

só deveriam dispor para seus servidores, mas contêm imposições aos cidadãos, próprias de atos externos (leis e decretos). 145

Afirmamos, por conseguinte, que ao poder de polícia muito mais importam os atos externos, com destaque aos regulamentos. Estes atos normativos derivados devem ter conteúdo genérico, abstrato e impessoal. Contudo, a sua aptidão para criar ou especificar obrigações deve ser cuidadosamente verificada.

Assim é que José dos Santos Carvalho Filho, com propriedade, defende que o exercício do poder regulamentar da Administração somente pode dar-se

secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que

esta dispuser.

Segundo o autor:

Decorre daí que não podem os atos formalizadores criar direitos

e obrigações, porque tal é vedado num dos postulados

fundamentais que norteiam nosso sistema jurídico: ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, II, CF).146 (Grifo nosso).

Carvalho Filho, no entanto, admite: “é legítima, porém, a fixação de obrigações subsidiárias (ou derivadas) – diversas das obrigações primárias (ou originárias) contidas na lei [...]” 147.

Como requisito de validade dessas obrigações subsidiárias, o autor exige a sua adequação às obrigações legais. Assim, além de amparadas na lei, devem ser pertinentes e necessárias (proporcionalidade) às obrigações originárias da lei.148

Com efeito, ao admitir-se o princípio da juridicidade da Administração, é de mais fácil compreensão essa advertência feita pelo mencionado autor. Submissa ao Direito (lei + princípios gerais), a atividade atípica de produzir normas merece uma maior atenção e controle.

Não apenas as obrigações subsidiárias impostas aos administrados, por meio de regulamentos, devem ser exceções devidamente justificáveis, como devem guardar o mesmo respeito ao princípio da proporcionalidade imposto ao Legislativo.

145 Idem. Ibidem, p. 164.

146 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 44. 147 Idem. Ibidem, p. 44.

Assim, as obrigações subsidiárias (ou derivadas) só serão legítimas se amparadas no permissivo legal, bem como só serão proporcionais se atenderem às exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade estrita.

Será desproporcional, e.g.,. uma obrigação derivada inadequada para que se alcance a finalidade expressa na lei; igualmente, será desproporcional uma obrigação derivada mais rigorosa ou excessiva que a obrigação legal.

Carvalho Filho observa que a criação de direitos ou a imposição de obrigações aos indivíduos, sob o pretexto de complementação da lei, constitui uma interferência da Administração na função legislativa, com flagrante ofensa ao princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da CRFB.149

Assim remata o ilustre doutrinador, citando o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

Por isso, de inegável acerto a afirmação de que só por lei se regula a liberdade e a propriedade; só por lei se impõem obrigações de

fazer ou não fazer, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos.150 (grifos do

original).