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As Licenças e as Autorizações

4 OS MEIOS DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA ADMINISTRATIVA

4.2 A Atuação de Polícia por Atos Administrativos

4.2.1 As Licenças e as Autorizações

Os consentimentos estatais representam a resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade que dependa do referido consentimento para que possa ser considerada legítima.156

São, portanto, atos administrativos de anuência necessários nas hipóteses em que o legislador tenha exigido controle prévio, por parte da Administração, para a finalidade de compatibilização do uso do bem ou do exercício da atividade com o interesse público.157

O alvará é o instrumento formal deste ato de anuência, que pode conter materialmente uma licença ou uma autorização, daí porque se falar em alvará de licença e alvará de autorização.

José dos Santos Carvalho Filho observa que a autorização, a licença e a permissão enquadram-se, por suas peculiaridades, na categoria dos atos de consentimento estatal. Segundo o autor, esses atos têm três pontos em comum:

1º) todos decorrem de anuência do Poder Público para que o interessado desempenhe a atividade; 2º) nunca são conferidos ex

officio: dependem sempre de pedido dos interessados ; 3º) são

sempre necessários para legitimar a atividade a ser executada pelo interessado.158

Importa salientar que a permissão é ato discricionário ou vinculado, mas precário, pelo qual o Poder Público consente que o particular execute serviço de utilidade pública ou utilize privativamente bem público. A permissão não se inclui, por conseguinte, no controle prévio que a polícia administrativa opera com seu consentimento.

A licença é o ato administrativo vinculado, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos.

156 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 69. 157 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 399. 158

Nas situações em que a lei exige um controle prévio, ao Poder Público, exercendo seu poder de polícia fiscalizatório, cabe tão-somente verificar, em cada caso, se existem ou não óbices legais para o desempenho da atividade reivindicada.

Luis Manuel Fonseca Pires159 observa que a “licença é ato vinculado, logo, não há espaço à Administração de apreciar o momento mais oportuno para a sua prática, de sopesar os motivos ou escolher o objeto da licença.”

No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho assinala que “se o interessado preenche os requisitos legais para a concessão da licença, tem ele direito a obtê-la, e, se houver denegação, admissível será até mesmo mandado de segurança para superar o abuso”160.

Por ser ato vinculado, e não de competência discricionária, a licença não admite revogação e se torna definitiva, ou seja, a Administração não poderá, em princípio, retirar unilateralmente a licença do titular.

Essa definitividade, como diz Luis Manuel Fonseca Pires, não deve ser confundida com a hipótese de a própria lei estabelecer prazo para a sua eficácia, como ocorre, por exemplo, com a licença para dirigir veículos automotores, o que é perfeitamente válido.161

O ponto fundamental de distinção entre licenças e autorizações, conforme ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto, é que, “no caso da licença, há um direito preexistente, embora não exeqüível, à atividade ou ao uso do bem.” 162

O direito preexistente, contudo, é condicionado no seu exercício. Para que seu uso seja legítimo, torna-se necessário satisfazer as condições exaustivas da lei. Uma vez satisfeitas, o interessado tem o “direito subjetivo”163 à expedição da

licença.

159 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime jurídico das licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006,

p.20.

160 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 119. 161 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 20.

162 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 399.

A doutrina majoritária164 entende ser a licença ato de natureza

declaratória, uma vez que o direito preexiste à licença, sendo que a Administração apenas o declara existente e exeqüível.

Citam-se como exemplo, as licenças edilícias (para construir, reformar, reconstruir e até demolir); as licenças para localização e funcionamento de atividades comerciais, industriais e institucionais (em que, além de requisitos específicos para cada caso, verifica-se a compatibilidade da atividade com o zoneamento local); as licenças para realização de espetáculos, parques de diversão e atividades congêneres; as licenças ambientais (composta das licenças prévia, de instalação e de operação).

Conclui-se, portanto, que a licença é ato-condição para o exercício de um direito preexistente, sendo obrigação da Administração expedi-la quando estiverem satisfeitos os requisitos exaustivamente estipulados na lei.

De modo oposto, se concedida a licença, mas o seu titular descumprir as suas obrigações, a Administração poderá cassá-la. A cassação é ato sancionatório que pune aquele que deixou de cumprir as condições que permitem a manutenção do ato e de seus efeitos.165

Luis Manuel Fonseca Pires entende que a cassação, como sanção que é, só pode ser imposta após o devido processo legal com a efetiva participação do titular da licença.O prévio processo legal, com ampla defesa e contraditório, portanto, é condição de validade da cassação.

A autorização é o ato administrativo de competência discricionária, precário e por meio do qual o Poder Público faculta o uso de um bem público ou o exercício de uma atividade material.

Certas formas de exercício de atividades e de uso da propriedade privadas são vedadas, apenas em princípio, exigindo a lei que Administração, prévia e expressamente, avalie casuisticamente as circunstâncias de fato e externe seu

164 Assim concordam, e.g., MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 400; CARVALHO

FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 120; PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 22; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 121. Em sentido contrário, defendendo ser ato constitutivo de direito, SUNDFLED, Carlos Ari. Apud. PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 21

consentimento. É o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto denominou preceito

negativo com reserva de consentimento.166

A autorização é de competência discricionária porque as condições para o consentimento estatal não estão totalmente previstas na norma legal, ficando a decisão aberta à apreciação subjetiva da Administração.

À Administração Pública, portanto, cabe o poder discricionário de avaliar se o que se postula é ou não compatível com o interesse público, bem como de escolher a oportunidade e examinar a conveniência do ato de consentimento. Assim, a postulação satisfatória do particular apenas facultará a outorga de uma autorização, ou seja, se a Administração concordar com as razões apresentadas, poderá concedê-la.167

A atividade pretendida pelo particular é, em princípio, vedada, existindo mera expectativa de exceção a ser considerada administrativamente. Inexiste qualquer direito preexistente à atividade privada ou ao uso do bem pelo particular.168

Novamente, como entende a maior parte da doutrina, ao passo em que a licença é de natureza declaratória, a autorização é ato constitutivo. Cria, portanto, um direito novo e precário.

À guisa de exemplo, podem ser citadas as autorizações para estacionamento de veículos em terreno público, para o fechamento de rua por uma noite para a realização de festa comunitária, para a instalação de um circo em área pública, para o porte de armas, dentre vários outros.

A clássica e multicitada autorização para o porte de armas, contudo, merece um novo cuidado com o advento da Lei 10.826, de 22/12/2003 (Estatuto do Desarmamento). José dos Santos Carvalho Filho lembra que vários requisitos para o porte são elencados na lei como vinculados para a Administração.

Entretanto, o autor conclui que a outorga de autorização ainda assim será ato discricionário, porquanto não existe prévio direito subjetivo à posse e ao porte de

166 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 398.

167 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., pp. 399 e 400. 168 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 399.

arma, a não ser nos casos expressamente listados na lei, em seu art.6º, quanto ao porte pelos agentes públicos.169

Perceba-se, então, que a discricionariedade ou a vinculação não são critérios adequados para a distinção material entre licença e autorização. Assiste, pois, razão àqueles que defendem o critério da pré-existência de direito subjetivo como o fundamental para a diferenciação.