• Nenhum resultado encontrado

A Relevante Distinção entre Medida de Polícia e Sanção de

4 OS MEIOS DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA ADMINISTRATIVA

4.4 As Sanções de Polícia

4.4.1 A Relevante Distinção entre Medida de Polícia e Sanção de

Por se tratar de institutos afins, medidas de polícia e sanções administrativas muitas vezes são consideradas, pela doutrina pátria, com o mesmo sentido. Considerações importantes, entretanto, vêm sendo tecidas por autores modernos, com vistas inclusive para a relevância prática da referida distinção.

Aproveitando-se dos estudos de Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, a sanção, em sentido amplo, tem como pressuposto um ilícito186. Este, por sua vez, é um comportamento contrário ao devido, ou seja, uma conduta contrária ao comando da norma. Assim, a sanção pode ser entendida como a conseqüência jurídica imputada ao ilícito.

Para Régis Fernandes De Oliveira, o ilícito administrativo, ou infração, é um comportamento típico e antijurídico que possui a mesma essência do ilícito civil ou penal. Sua peculiaridade reside em sua conseqüência repressiva. Dessa forma, entende o autor que:

“[...] estamos diante de sanção administrativa se a apuração da infração resultar de procedimento administrativo, perante autoridade administrativa, funcionando a Administração como parte interessada em uma relação jurídica, deflagrada sob a lei e em que o ato sancionador não tenha força própria de ato jurisdicional, possuindo presunção de legalidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade (quando não vedada por lei).” 187

Na mesma linha de pensamento, José Dos Santos Carvalho Filho considera sanção administrativa “o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração.”188

Em consonância com os autores supracitados, Eduardo García de Enterría, Tomás-Ramón Fernández189 e Luis Manuel Fonseca Pires190 consideram que o traço peculiar da sanção administrativa é seu elemento subjetivo. Em critério

186 KELSEN, Hans apud. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas.

São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 3.

187 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Op. cit., p. 7. 188 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 75.

189 ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo.

São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 876.

190 PIRES, Luiz Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e à propriedade. São

puramente formal, estas se distinguem das sanções penais e civis pela autoridade que as impõe, vale dizer, são aplicadas pela própria Administração, não pelo Judiciário191.

Importa salientar que o gênero sanção administrativa, disciplinada pelo Direito Administrativo, contém as espécies sanção de polícia, sanção disciplinar e sanção contratual.

A sanção de polícia é aquela decorrente do exercício do poder de polícia, inconfundível com as demais espécies de sanção administrativa, uma vez que se trata de uma sanção externa (extroversa) e unilateral, como destaca Diogo de Figueiredo Moreira Neto192.

Os administrativistas brasileiros clássicos193, contudo, tratam a sanção administrativa como um aspecto do poder de polícia, sem atentar para o fato de que uma conduta administrativa de polícia pode ser facilmente confundida com uma sanção, na realidade concreta.

Nesse sentido, as medidas de polícia são uma reação imediata do Poder Público, diante de uma situação de urgência e perigo ao interesse social. Têm a finalidade apenas de resguardar o interesse público e de restaurar a legalidade, não a de impor uma sanção. Podem também ser denominadas medidas administrativas ou medidas cautelares de polícia.

José dos Santos Carvalho Filho entende que as medidas de polícia são providências administrativas que, embora não representem punição direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Segundo o

191 Importa consignar a posição minoritária defendida por Fábio Medina Osório, para quem “não se

pode descartar a existência de sanções de Direito Administrativo aplicadas pelo Judiciário, mormente quando a norma invocada possui em um de seus pólos a figura da Administração Pública, direita, indireta ou descentralizada, como lesada pela ação de agentes públicos ou particulares, desafiando o Direito Punitivo”. Defende que isso será possível quando ocorrer que a Administração não disponha de titularidade para determinado processo punitivo, não obstante seja a parte lesada em seus interesses ou interesses da sociedade. Esta seria, para ele, uma deliberação do legislador, discricionária e soberana, de outorgar instrumentos sancionatórios disciplinados pelo Direito Administrativo ao Estado-Juiz. O autor cita como respaldo de sua tese o que ocorre no Direito brasileiro, a exemplo da Lei 8.069/1990 ( Estatuto da Criança e do Adolescente) em que se estabelecem competências ao Judiciário para imposição de sanções de natureza administrativa. OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., pp. 85-92.

192 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 401. 193

autor, é a lei que prevê quando uma certa conduta administrativa será medida ou sanção no caso concreto.194

Observa Fábio Medina Osório que “as medidas de polícia podem estar ligadas ao cometimento ou ao perigo de cometimento de um fato ilícito, mas tal circunstância não lhes confere um caráter punitivo, um enquadramento de sanções administrativas” 195.

O mencionado autor entende que a sanção administrativa possui um efeito aflitivo e uma finalidade punitiva, o que significa uma privação de direitos preexistentes ou imposição de obrigações originais aos imputados. Assim, quando o Estado veda ao indivíduo um exercício de um direito para o qual não estava habilitado, não há falar-se propriamente em sanção administrativa.196

É o que ocorre quando a polícia administrativa interdita uma atividade iniciada pelo particular sem a necessária autorização o Poder Público, defendendo o autor que não se trata de sanção administrativa, mas, na realidade, de “uma medida adotada para o restabelecimento da legalidade, como poder legítimo da Administração”.197

Diante do caso concreto, a medida de polícia muito se assemelha a uma sanção, uma vez que possuem efeitos semelhantes. A apreensão de bens e a suspensão de atividade, por exemplo, serão medidas de polícia quando indispensáveis para evitar o dano social, ou impedir que este se amplie.

Diferentemente das medidas de polícia, que podem decorrer de ato lícito (finalidade preventiva) ou de ato ilícito (finalidade repressiva), as sanções de polícia sempre decorrem de um ilícito, com finalidade punitiva e não preventiva.

Carlos Ari Sundfled também considera relevante a distinção, pois entende que sanção e medida cautelar administrativa, embora gerem efeitos imediatos semelhantes, têm fins e requisitos procedimentais diversos. Para o autor,

a finalidade do ato sancionador é subjetiva: impor conseqüência desfavorável ao infrator, para com isso puni-lo. Sua prática exige o procedimento com garantia de ampla defesa. A medida cautelar tem

194CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p.76. 195 OSÓRIO, Fábio Medina. Op. cit., p. 105.

196 Idem. Ibidem, pp. 106 e 107. 197 Idem. Ibidem, p. 107.

finalidade objetiva: eliminar o perigo, presente ou iminente. Daí dispensar prévio procedimento.198

Fábio Medina Osório entende como um critério adequado, para o reconhecimento de uma medida de polícia, o seu objetivo acautelatório. Assim, quando a medida é aplicada “para preservar direitos ou provas, certamente estaremos diante do poder de polícia, que se reveste de uma dimensão processual direcionada à legitimação da tutela urgente de interesses difusos ou coletivos, através da atuação do Poder Público”.199

Nesse caso, por acarretarem conseqüências desfavoráveis ao administrado, embora não sejam sanções de polícia, admite-se a postergação do contraditório e da ampla defesa, uma vez que são praticadas diante de extrema urgência para a manutenção da ordem pública.200

A efetiva imposição da sanção e sua exigibilidade “sempre e necessariamente dependem, como condição de validade, do prévio processo legal”201. Assim, por tratar-se de uma acusação da Administração de que existiu a prática de um ilícito, com a possibilidade de se aplicar uma sanção, torna-se impositivo o estabelecimento do contraditório e da ampla defesa, em cumprimento da garantia constitucional esculpida no art. 5º, LIV e LV, da CRFB/88.

José dos Santos Carvalho Filho ressalta que as sanções devem ser aplicadas em observância ao devido processo legal, para que se observe o princípio da garantia de defesa aos acusados, inscrito na Constituição Federal. Caso o ato sancionatório não oferte ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir as provas necessárias às suas alegações, haverá vício de legalidade a ser corrigido pela via administrativa ou judicial.202

Além do aspecto conceitual e da já descrita possibilidade de postergação do contraditório e da ampla defesa, defendendo a relevância da diferenciação, Luis Manuel Fonseca Pires assinala a definição da competência do ente estatal, na

198 SUNDFLED, Carlos Ari. Apud. PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., pp. 302 e 303. 199 Idem. Ibidem, p. 108.

200 VITA, Heraldo Garcia. Apud. PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 302. 201 PIRES, Luiz Manuel Fonseca. Op. cit., pp. 301 e 302.

medida em que a competência para a imposição da sanção não se confunde com aquela para o exercício da limitação administrativa203.

Ainda segundo o autor, em matéria tributária, apenas as limitações administrativas podem dar ensejo à tributação por taxas, e nunca as sanções administrativas204. Apenas o desempenho efetivo da atividade de polícia dirigida ao administrado, não à coletividade, possibilita a exigência do tributo.

203 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 303. 204Idem. Ibidem, p. 303.

5 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE