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O Executivo, O Legislativo e O Judiciário em Face do Princípio

5 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

5.2 O Executivo, O Legislativo e O Judiciário em Face do Princípio

Aqui se defende, portanto, que o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser concretizado tanto na formulação do Direito como na sua aplicação, de modo que sua observância seja obrigatória para toda e qualquer atividade estatal que limite direitos fundamentais, na vigência do Estado Democrático de Direito.

Em outros termos, a atividade limitadora do Estado deve ser, também, uma atividade limitada, e o princípio da proporcionalidade vem sendo citado como um dos mais importantes para esse fim de proteção dos cidadãos.

A idéia de proporcionalidade é inerente a qualquer conceito jurídico possível de poder em um Estado Democrático de Direito. Não se concebe que o poder, ali, seja exercido sem limites. A atividade dos poderes constituídos sempre deverá estar voltada à realização de determinados valores, que, explícita ou implicitamente, fundamentam a sua própria existência como sociedade política.

Toda atividade do Estado se dá sob os auspícios de uma Constituição que abarca diversos direitos e que protege os mais variados interesses, devendo estar todos em relação de proporcionalidade.

A Constituição de Portugal destaca o princípio da proporcionalidade expressamente, o que certamente inspirou J.J. Gomes Canotilho a observar que “o princípio da proibição do excesso aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição.”208

A esse respeito, observa-se o reconhecimento, pela doutrina e jurisprudência suíça, de que o princípio da proporcionalidade é um princípio de Direito Constitucional não escrito, constatação de Arthur Wolffers, hoje percebida pela ordem jurídica de diversos países209.

Mas o que importa menção é a constatação de Wolffers sobre fenômeno da expansão do princípio da proporcionalidade, cunhando a fórmula do "alargamento horizontal" (horizontale Ausbreitung), mediante a qual se conduz o princípio desde o Direito Administrativo ao Direito Constitucional, bem como aos demais ramos da Ciência Jurídica. Nas palavras de Wolffers:

É doutrina imperante que o princípio seja respeitado em todas as esferas materiais de intervenção do Estado nos direitos dos cidadãos. Não importa em absoluto que a correspondente

atividade do Estado se exercite debaixo da forma de administração, jurisdição ou legislação.210 (Grifo nosso).

Em relação ao Poder Legislativo, conforme os ensinamentos de Paulo Bonavides aqui já reproduzidos, percebe-se, no final do século XX, uma revolução no Estado de Direito, marcada pela preponderância sólida do princípio da constitucionalidade sobre o velho e já insuficiente princípio da legalidade.

Assim, o legislador perdeu sua ampla liberdade de conformação, para submeter-se aos ditames e princípios constitucionais, dentres os quais se destaca o da proporcionalidade, como instrumento de freio à liberdade legislativa, em nome da guarda eficaz dos direitos fundamentais. O princípio da proporcionalidade, então, passa a ser compreendido como um “limite do limite”, ou seja, uma restrição que a ordem constitucional prescreve como condição de legitimidade da atividade legislativa restritiva na seara dos direitos fundamentais.

Em relação ao Poder Judiciário, o princípio da supremacia da Constituição fez com que se valorizasse uma jurisdição constitucional, possibilitando

208 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 266.

209 WOLFFERS, Arthur. apud. BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 412 210

um controle de constitucionalidade tanto de atos legislativos como de atos administrativos.

O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, como observa Germana de Oliveira Moraes, são emergentes parâmetros de controle jurisdicional adotados pelas Cortes européias, que corporificam idéias racionalistas, pelas quais se apregoa a utilização do Direito como instrumento de racionalização do poder, ou seja, de submissão do Estado e do poder à razão, e não da razão ao poder.211

Adverte J.J. Gomes Canotilho que o controle judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes, consoante se trate de atos legislativos, de atos da administração ou de atos de jurisdição. Explica o autor que

Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é

manifestamente inadequada.212 (Grifo do original)

Canotilho assinala que a liberdade de conformação do legislador exige das autoridades judiciais de controle uma relativa prudência quanto à aplicação do

princípio da proibição do excesso, mas elas não poderão abdicar de dar uma

específica aplicação a este princípio, sobretudo quando está em jogo a apreciação de medidas especialmente restritivas.213

Em relação à Administração Pública, como já assinalado supra, o princípio da juridicidade impõe que esta observe não só a Lei, mas também o Direito, consoante uma nova concepção de direito por princípios.

Assim, a atividade administrativa de concretização da lei não poderá abandonar princípio constitucional de relevância suprema como o princípio da proporcionalidade.

A função administrativa de polícia, destinada à imposição de limites à conduta individual, com base na supremacia do interesse público, é atividade que

211 MORAES, Germana de Oliveira. Op. cit., p. 82. 212 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 267. 213 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 429.

invariavelmente afeta direitos. Esses limites impostos aos administrados deverão ser parametrizados pelo princípio da proporcionalidade, de modo a guardar a devida adequação, necessidade e proporcionalidade estrita.

O princípio da proporcionalidade pode ser considerado um limite jurídico ao poder de polícia, em sua feição legislativa ou administrativa, realçando a existência de uma linha insuscetível de ser ignorada e que demonstra até que ponto poderá ser legitimamente exercido. Constitui, com efeito, uma valiosa ferramenta metodológica no controle de validade das restrições ao exercício de direitos fundamentais.

A Administração Pública, no exercício de sua atribuição de polícia, possui os atributos clássicos de discricionariedade, auto-executoriedade e coercibiliade. Destas características (que poderão ou não existir em determinadas situações), cumpre destacar o importante papel desempenhado pela discricionariedade, bem como a incidência do princípio da proporcionalidade como meio de contenção dos poderes administrativos e de salvaguarda de direitos fundamentais.