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O princípio da aplicado ao poder de polícia

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E

MONOGRAFIA JURÍDICA

EGBERTO MAZARO MARTINS

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

APLICADO AO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

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EGBERTO MAZARO MARTINS

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

APLICADO AO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Germana de Oliveira Moraes.

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EGBERTO MAZARO MARTINS

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

APLICADO AO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em 18/11/2009.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profa. Dra. Germana de Oliveira Moraes (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará – UFC

_________________________________________________ Prof. José Adriano Pinto

Universidade Federal do Ceará – UFC

________________________________________________ Raimundo Frutuoso de Oliveira Júnior (Mestrando)

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RESUMO

O presente trabalho trata do poder de polícia que o Estado detém para restringir e condicionar os direitos individuais, através da lei, com o objetivo de conter o abuso desses direitos e assegurar um convívio social valioso para todos. Destaca que esta atividade estatal é submetida às normas de Direito, com o fim de serem evitados abusos no uso do poder. Analisa o princípio da proporcionalidade como uma importante garantia fundamental, capaz de conter o poder do Estado e evitar excessos que prejudiquem os direitos dos cidadãos. Analisa os meios de atuação da polícia administrativa, para depois analisar casos em que os meios devam ser proporcionais aos fins da lei. Defende a submissão de qualquer atividade estatal ao princípio da proporcionalidade, em especial a função administrativa de polícia, de modo a proteger ao máximo os direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

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ABSTRACT

This work is about the police power that the state has to restrict and constrain individual rights, by law, in order to contain the abuse of those rights and ensure a valuable social life for all. It notes that this State activity is subject to the rules of law, in order to avoid abuses of power. It analyzes the principle of proportionality as an important guarantee which is capable of containing the power of the state and avoid excesses that affects the citizens’ rights. Analyzes the means of action of the administrative police, and then analyzes when it must be proportionate with the goals reffered by law. Advocates the submission of any State activity to the principle of proportionality, in particular the administrative police power, to protect the most fundamental rights guaranteed by Constitution.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...09

2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 2.1 A evolução histórica do princípio: da aplicação administrativa à sua constitucionalização ...11

2.1.1 A Constitucionalização do Princípio ...12

2.2 Os Subprincípios da Proporcionalidade ...15

2.2.1 A Adequação ...16

2.2.2 A Necessidade ...19

2.2.3 A Proporcionalidade em Sentido Estrito ...20

2.3 O Fundamento do Princípio da Proporcionalidade ...22

2.4 A Função Protetiva (Garantia Fundamental e Limite dos Limites) do Princípio da Proporcionalidade ...23

2.5 A Função Interpretativa do Princípio da Proporcionalidade ...25

2.6 O Princípio da Proporcionalidade no Direito Brasileiro ...28

3 O PODER DE POLÍCIA ESTATAL 3.1 O Poder de Polícia em Sentido Amplo ...31

3.1.2 Limitação Administrativa e a Conformação de Direitos ...33

3.2 O Poder de Polícia em Sentido Estrito...36

3.3 Objeto do Poder de Polícia ...40

3.4 Finalidades do Poder de Polícia ...41

3.4.1 O Abandono da Finalidade Restrita à Ordem Pública ...42

3.4.2 Outras Finalidades Decorrentes do Interesse Público ...45

4 OS MEIOS DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA ADMINISTRATIVA...48

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4.2 A Atuação de Polícia por Atos Administrativos ...53

4.2.1 As Licenças e as Autorizações ...55

4.3 As Fiscalizações de Polícia ...59

4.4 As Sanções de Polícia ...60

4.4.1 A Relevante Distinção entre Medida de Polícia e Sanção de Polícia ...64

5 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE APLICADO AO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA 5.1 O Princípio da Juridicidade da Administração Pública ...69

5.2 O Executivo, O Legislativo e O Judiciário em Face do Princípio da Proporcionalidade ...70

5.3 A Discricionariedade na Função Administrativa de Polícia ...73

5.3.1 A Discricionariedade em Face do Princípio da Proporcionalidade ...75

5.4 A Proporcionalidade nas Fiscalizações de Polícia ...78

5.5 A Proporcionalidade nas Sanções de Polícia ...82

6 CONCLUSÕES ...85

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1 INTRODUÇÃO

“A proporcionalidade é conceito em plena e espetacular evolução”, como constata o insigne constitucionalista Paulo Bonavides1, crente da sua força normativa, bem como da sua extrema valia para a ciência do Direito.

Na linguagem jurídica, os termos mais usuais derivam da jurisprudência alemã, que o denomina proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) e proibição de excesso (Übermassverbot).

Com sua inevitável evolução, contudo, tem-se compreendido tratar-se de um princípio tridimensional, denominado simplesmente proporcionalidade em sentido amplo, composto dos elementos adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Dentro desse processo evolutivo, nada mais normal que a ocorrência de ambigüidades, vacilações, críticas e até mesmo repúdio ao princípio da proporcionalidade.

Tais incertezas, contudo, ao mesmo passo em que contribuem para a dialética e para o aperfeiçoamento do princípio, relembram a importância de seu estudo e da sua aplicação para o “bom funcionamento de um Estado de Direito” 2.

Assim é que, em meio a desconfianças e a venerações, o princípio da proporcionalidade cresce e desenvolve-se em diferentes ordens jurídicas, impulsionado pela necessidade permanente de preservação e efetivação dos direitos fundamentais, bem como pela busca de um direito materialmente justo.

O que importa salientar, em linhas primeiras, é que o princípio da proporcionalidade atua no problema da limitação do poder legítimo, com a função de proteger ao máximo os direitos fundamentais.

É admissível e, mesmo necessária, a atribuição de competência ao Estado para, tutelando primordialmente o interesse público, fazer o devido balizamento da esfera até aonde vão interesses particulares e comunitários, para o que, inevitavelmente, restringirá direitos fundamentais, para com isso assegurar a

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 402.

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maior eficácia deles próprios, visto não poderem todos, concretamente, serem atendidos absoluta e plenamente.

É justamente por meio de seu poder de polícia que o Estado restringe e condiciona liberdades e direitos individuais, em benefício da coletividade.

Nesse sentido, no Estado de Direito Democrático, a finalidade precípua do poder de polícia é a proteção do interesse público. Como decorrência desse escopo, busca-se adequar o exercício dos direitos individuais ao bem-estar geral, de modo a perseguir uma ordem pública capaz de viabilizar e universalizar a coexistência das liberdades.

Não se tolera que o poder de polícia seja exercido de maneira irrestrita, sob pena de até mesmo aniquilar direitos individuais. Assim, sobreleva-se a importância da aplicação do princípio da proporcionalidade, como um limite jurídico ao poder de polícia, ponderando-se a função administrativa restritiva, de um lado, e o exercício de direitos dos cidadãos, de outro.

Nesse contexto, este trabalho objetiva verificar a utilização do princípio da proporcionalidade como ferramenta metodológica no controle de validade das restrições ao exercício de direitos fundamentais, analisando seus principais aspectos doutrinários.

Uma vez que o princípio da proporcionalidade trata da relação entre a finalidade perseguida e o meio que visa implementá-la, impende, primeiramente, analisar os fins coletivos que motivam a atividade administrativa.

Em seguida, procede-se ao exame dos principais meios que a atividade de polícia utiliza para a ordenação da sociedade.

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2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

2.1 A evolução histórica do princípio: da aplicação administrativa à sua constitucionalização

A perspectiva de seu emprego e máxima efetividade no Direito Administrativo, mormente no que tange ao poder de polícia do Estado, não é novidade na ciência jurídica.

Com efeito, foi no Direito Administrativo que o princípio em comento floresceu, com utilização dirigida ao desfazimento de atos administrativos excessivos ou arbitrários, protegendo assim a liberdade individual perante o poder de polícia do Estado.

Ilustra com excelência esta fase inicial da proporcionalidade dos atos de polícia, a célebre máxima de Walter Jellinek, de que “não se abatem pardais disparando canhões”3.

Raimundo Parente de Albuquerque Júnior, em profunda e primorosa dissertação sobre a utilização da proporcionalidade pela Administração Pública, constata que este princípio, embora juridicamente tenha se desenvolvido na Europa pós 2ª Guerra Mundial, não é uma invenção do século XX.

O autor lembra que Aristóteles, no livro V de Ética a Nicômaco, “[...] conecta a idéia de proporção à noção de justiça, afirmando que o justo é uma das espécies do gênero proporcional e este é o meio termo entre ‘justiça por falta’ e ‘justiça por excesso’.” 4

Willis Santiago Guerra Filho nota a sinonímia e origem comum, na matemática, dos termos razão (latim: ratio) e proporção (latim: proportio), o que

3 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 402.

4 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Raimundo Parente de. Aplicação dos postulados da razoabilidade e

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acaba evidenciando ser o princípio da proporcionalidade uma exigência cognitiva, de elaboração racional do Direito.5

Nesse sentido, também Paulo Bonavides assinala que o princípio é “antiqüíssimo”, sendo, contudo, redescoberto nos últimos duzentos anos, com aplicação clássica e tradicional no campo do Direito Administrativo.6

Neste ramo do Direito, sua importância ganhava destaque sempre que a ação estatal investia contra o cidadão, normalmente restringindo a sua liberdade individual.

J.J. Gomes Canotilho também lembra que “a intuição da dimensão material do princípio não é nova”, bem como se iniciou em matéria administrativista. Acorde o ilustre autor,

já nos séculos XVIII e XIX [o princípio] está presente na idéia britânica de reasonabless, no conceito prussiano de

Verhältnismässigkkeit, na figura de détournement du pouvoir em França e na categoria italiana do eccesso di potere. No entanto, o alcance do princípio era mais o de revelação de sintomas de patologias administrativas – arbitrariedade, exorbitância de actos discricionários da administração- do que um princípio material de controlo das actividades dos poderes públicos7 (grifos do original).

2.1.1 A Constitucionalização do Princípio

A grande novidade na aplicação do princípio da proporcionalidade, contudo, está na sua trasladação para o Direito Constitucional, em uma verdadeira revolução ocorrida no fim do século XX.

Após a 2ª Grande Guerra, os horrores do regime nacional-socialista, praticados geralmente em obediência a determinações legais, levaram a que se pusesse em evidência a dimensão valorativa do Direito, bem como a que se buscasse em outras fontes que não apenas aquela legislativa, os critérios para a sua correta aplicação.8

5 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 85. 6 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 398.

7 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.263.

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É nesse ambiente de discussões jus-filosóficas que o velho Estado de Direito, fundado no insuficiente princípio da legalidade de fundo e inspiração liberal, seria gradativamente suplantado por uma nova concepção de Estado.

Este segundo Estado de Direito é justamente aquele fundado no princípio da constitucionalidade, “que deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica”.9

No segundo Estado de Direito, o legislador já não é mais o soberano das épocas em que o princípio da legalidade se sobrepunha. Da efetiva supremacia da Constituição sobre a lei, decorre que os atos legislativos passam a submeter-se aos valores e dispositivos da Lei Maior.10

O legislador, portanto, deixa de mover-se com inteira liberdade para atar-se aos ditames constitucionais, época em que atar-se obatar-serva um incremento e expansão sem precedentes do controle de constitucionalidade.

Assim, mesmo quando a função legislativa fizer uso de seu poder para estabelecer os fins políticos do Estado, não poderá contrariar valores e princípios constitucionais, e um destes vem a ser precisamente o da proporcionalidade.11

O princípio da proporcionalidade ganha extrema acolhida nessa nova concepção de Estado, uma vez que proporciona uma racional contenção dos poderes estatais, de modo a salvaguardar com eficiência os direitos fundamentais. Com efeito, a lesão ao princípio assume maior gravidade nos sistemas hermenêuticos oriundos da teoria material da Constituição.12

Por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça, o princípio da proporcionalidade foi erguido à categoria de princípio constitucional.

No Direito Público Alemão, até a 2ª Guerra Mundial o princípio estava atado ao Direito Administrativo. Utilizando-se o mandamento da proibição do excesso (Übermassverbot) como sinônimo de proporcionalidade, havia a visão de que seria composto apenas pelos elementos adequação e necessidade.

9 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 398. 10 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 400.

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Superadas as atrocidades do nazi-facismo, o cenário pós-Guerra foi marcado por discussões jus-filosóficas que contribuíram para o caminho da proporcionalidade para o status constitucional. A partir de então, o princípio passa lograr vasta aplicação de caráter constitucional, destacando-se a atuação do Tribunal Constitucional alemão.

Em profunda análise histórico-evolutiva, Paulo Bonavides assinala que, conquanto a proporcionalidade tenha desempenhado um extraordinário papel no Tribunal Constitucional, este, de início, vacilou durante muitos anos quanto à fixação de um conteúdo teórico, bem como quanto à terminologia utilizada.13

O ilustre autor destaca que o princípio da proporcionalidade não entrou formalmente no texto da Constituição da República Federal da Alemanha, promulgada no dia 23 de maio de 1949 e também conhecida como Lei Fundamental de Bonn, por ter sido nesta cidade alemã publicada. Contudo, verifica que se tornou, indubitavelmente, um dos princípios cardeais do Direito Constitucional daquele país.14

A propósito, a despeito do inegável prestígio que o princípio da proporcionalidade assume no Direito contemporâneo, grande parte dos textos constitucionais não o mencionam expressamente.

Uma feliz exceção é o exemplo da Constituição de Portugal, a partir de uma revisão constitucional de 1997, com preceitos que fazem menção expressa à proporcionalidade e suas dimensões de adequação e necessidade, sendo importante sua transcrição:

Artigo 18.2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

[...]

Artigo 19.4. A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

[...]

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Artigo 266.2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.15

Quanto à função de polícia, a Constituição portuguesa fortemente destaca o princípio da proporcionalidade, ainda que implicitamente, ao abordar o elemento parcial da necessidade em seu artigo 272, inciso 2º, conforme se percebe, in verbis:

Artigo 272.º - Polícia

1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.

2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

[...] (Grifo nosso). 16

A consagração do princípio da proporcionalidade no direito brasileiro será abordada em seção posterior, após análise das funções que princípio em comento desempenha.

2.2 Os Subprincípios da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido como princípio da vedação de excesso, constitui-se de três elementos parciais ou subprincípios, observando-se sempre a relação entre os meios empregados e os fins buscados.

De acordo com a doutrina majoritária brasileira, sob a influência do direito público alemão, em sentido amplo a proporcionalidade é assentada no tripé adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu, ao que alguns falam tratar-se de um princípio tridimensional.

15 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976. Disponível em

<http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx> Acesso em: 04 novembro 2009.

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Uma análise pormenorizada destes elementos é de importância fundamental para o objetivo deste trabalho, voltado à atuação administrativa em sua função de polícia.

2.2.1 A Adequação

De acordo com o subprincípio da adequação, exige-se que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos17, ou seja, que mediante o seu auxílio se possa alcançar o fim desejado18.

Paulo Bonavides19 e Gilmar Mendes20 citam a decisão histórica em que o Tribunal Constitucional da Federação Alemã, após vacilar por muitos anos quanto à terminologia e à fixação de um conteúdo teórico do princípio da proporcionalidade, em decisão de março de 1971, pela primeira vez logrou defini-lo com clareza quanto a sua essência.

Esta decisão, que pode ser encontrada em BVerfGE 30, 292 (316), contém excerto que merece ser transcrito:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental. (Grifo nosso).

A importância histórica refere-se a uma clara manifestação da constitucionalização do princípio na Alemanha pós 2ª Guerra Mundial, ao fazer com que seja também imposto ao legislador.

Em que pese a indiscutível valia da definição, Virgílio Afonso da Silva insurge-se contra a tradução para o português do verbo alemão fördern. Consoante

17 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 332. 18 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 397.

19 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 409-410.

20 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit.,

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o autor, “o verbo fördern não pode ser traduzido por alcançar. Fördern significa fomentar, promover.” 21

Desse modo, Virgílio Afonso da Silva entende que “uma medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que ‘o objetivo legítimo pretendido seja alcançado ou pelo menos fomentado’.” 22

A par dessas considerações, importa examinar o grau de eficácia do meio utilizado para realizar a finalidade almejada, vale dizer, quanto se exige da idoneidade (termo utilizado como sinônimo de aptidão e de adequação) do meio.

Nesse sentido, autores modernos, a exemplo de Albuquerque Júnior e Jane Reis Pereira, examinam a concepção ampla e a estrita de idoneidade, bem como sua aceitação pela doutrina e jurisprudência.23

Em uma concepção débil ou estrita de idoneidade, é suficiente que a medida contribua, ainda que minimamente, para a materialização do fim pretendido.

A concepção forte ou ampla de idoneidade, por sua vez, diz respeito à exigência de que o meio seja totalmente eficaz para alcançar o fim pretendido.

Albuquerque Júnior conclui que a doutrina e jurisprudência, nacionais e estrangeiras, preferem prestigiar os princípios democrático e da separação dos poderes, ao acolher a concepção débil de idoneidade.

Assim, segundo o autor em sua dissertação, para que o meio seja considerado adequado (ou idôneo), basta que contribua, de alguma maneira, para a realização da finalidade. Explica que, “em sentido negativo, uma medida restritiva a direito fundamental não é idônea quando não contribui, de nenhum modo, para a obtenção do fim perseguido (controle de evidência)” 24, com fulcro nas observações de Carlos Bernal Pulido.

21 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. São Paulo: Ed. RT, vol. 798, 1991, p. 36.

22 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 37.

23 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Raimundo Parente de. Op. cit., ff. 124 e 125 e PEREIRA, Jane Reis

Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 329-336.

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À mesma conclusão chega Jane Reis Pereira, de que a maior parte da doutrina inclina-se em adotar a concepção débil de idoneidade.25

Como bem assinala a autora, esta postura liga-se à necessidade de conferir certo espaço de manobra ao Legislativo, pois, não raro, é impossível determinar com segurança absoluta se o meio é ou não totalmente adequado, já que muitas vezes a escolha se assenta num “prognóstico” do legislador.26

O legislador democrático deve dispor de uma margem de apreciação (ou margem de discricionariedade) quando se trata de determinar se uma medida é adequada. Este espaço de decisão só poderá ser examinado pelo Tribunal de forma limitada, devendo o Judiciário proclamar a inaptidão da escolha legislativa com total segurança, com fulcro no conhecimento técnico-empírico vigente.27

Deflui dos princípios democrático e da separação dos poderes, portanto, que os Tribunais só devem declarar a inconstitucionalidade de uma decisão legislativa quando se possa atestar com total clareza e objetividade que a medida não contribui de forma alguma para a obtenção do fim, ou seja, quando haja inidoneidade, ou inaptidão, manifesta.

Jane Reis Pereira então discorda da concepção forte de adequação, sustentando que esta “subtrai do legislador uma parte substancial de seu poder de conformação dos direitos fundamentais [...]” 28.

Ademais, diz não ser razoável que, “no quadro da Separação dos Poderes, o Judiciário imponha sua concepção acerca dos meios mais eficientes para o atingimento dos fins estatais. Essa é tarefa que, essencialmente, cabe aos órgãos democráticos” 29.

Fundando-se nesses argumentos, em síntese pode-se concluir que, para considerar-se atendido o subprincípio da idoneidade, basta que o meio empregado pela lei colabore, de alguma forma, para alcançar o objetivo a que visa.

25 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit., p. 329. 26Idem. Op. cit., p. 330 e 331.

27 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit., pp. 331 e 332. 28Idem. Ibidem, p.333.

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2.2.2 A Necessidade

O segundo elemento parcial concerne à necessidade, também denominada de indispensabilidade, de exigibilidade, de princípio da menor ingerência possível e de princípio do meio mais suave.

Ante essa vasta quantidade de sinônimos para o mesmo subprincípio, pelo menos duas acepções importantes podem ser destacadas.

O primeiro sentido da necessidade é correlato ao que seja considerado indispensável (estritamente necessário) para obter-se o fim, ou seja, exige-se a justa medida do meio utilizado. Assim, a “medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que almeja” 30, acepção do termo necessidade que muito a aproxima da noção de vedação do excesso, com a proibição para além do necessário.

O segundo sentido da necessidade diz respeito à exigência de que a medida escolhida seja aquela menos onerosa ou “invasiva” 31, acarretando a menor desvantagem possível ao direito fundamental do cidadão. Em outras palavras, meio necessário “significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.” 32

Esse é o significado da escolha do meio mais suave ao cidadão, ilustrado pela máxima “de dois males, faz-se mister escolher o menor” 33.

Nesse sentido, Jane Reis Pereira entende que o intérprete deve aferir o atendimento da necessidade em duas etapas.

A primeira etapa do exame é comparativa hipotética, na medida em que se investigam meios alternativos que podem contribuir para a consecução do fim (adequação) ao menos na mesma escala que a medida empregada.34

Neste exame, a autora destaca que devem ser excluídos da comparação aqueles meios alternativos que, embora dotados de grau equivalente ou superior de

30 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 397.

31 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit.,

pp. 332 e 333 passim.

32 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 89. 33 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 397.

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idoneidade ao meio empregado analisado, sejam de difícil efetivação, bem como os que demandem custos muito elevados para serem implementados.35

Na segunda etapa de exame da necessidade, o intérprete deve verificar se o meio alternativo igualmente ou mais idôneo é, paralelamente, menos oneroso que o meio empregado.

Tal como no subprincípio da adequação, Jane Reis defende que a apreciação do Judiciário quanto ao elemento necessidade também deve observar a margem de discricionariedade do legislador, devendo sua escolha legislativa ser afastada apenas quando for possível constatar, de forma segura mediante um “juízo de evidência”, que existe um meio alternativo igualmente eficaz e menos invasivo.36

Destarte, deve-se optar pela presunção de constitucionalidade quando não for possível identificar um meio menos oneroso segundo todos os critérios possíveis, caso em que deve prevalecer a escolha do legislador democrático.37

Portanto, diante do meio escolhido pelo Poder Público, o intérprete deverá analisar se, dentre os vários meios igualmente ou mais eficazes, foi eleito aquele menos invasivo ao direito fundamental. Sob outra ótica, pode-se dizer que “o cidadão tem direito à menor desvantagem possível” 38.

2.2.3 A Proporcionalidade em Sentido Estrito

Mesmo que uma medida limitativa de um direito fundamental seja adequada e necessária para promover um fim legítimo, isso não significa, por si só, que ela deve ser considerada como proporcional.

Necessário é ainda um terceiro exame, o exame da proporcionalidade em sentido estrito, segundo a qual a escolha deve recair sobre o meio que, no caso específico, levar mais em conta o conjunto de interesses em jogo, segundo observação de Pierre Müller citada por Paulo Bonavides39.

35Idem. Ibidem, p.341. 36Idem. Ibidem, p.342. 37Idem. Ibidem, p.342.

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Nesse mesmo sentido de se considerar o conjunto de interesses envolvido na questão específica, Willis S.G. Filho de modo profícuo elucida que, na proporcionalidade em sentido estrito:

[...] mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.40

Além disso, para o mencionado autor, o subprincípio exige que a correspondência entre o meio empregado e o fim buscado seja juridicamente a melhor possível, de modo que “[...] não se fira o ‘conteúdo essencial’ (Wesensgehalt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana” 41, acima de tudo.

Importa salientar que a proporcionalidade stricto sensu é correlata à ponderação ou sopesamento de princípios.

Nesse sentido, J.J. Gomes Canotilho leciona:

Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.42

(Grifo nosso).

Virgílio Afonso da Silva expressa-se no sentido de que o exame da proporcionalidade em sentido estrito, consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.43

Em seu entendimento, para que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realização de um direito fundamental. Também não é necessário que a medida atinja o chamado núcleo essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que

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fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido.44

Jane Reis Pereira também adota a tese de que o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito expressa a estrutura lógica do raciocínio ponderativo.

Assim, após a medida restritiva ter passado pelos testes de idoneidade e necessidade, é preciso determinar se o atendimento à finalidade buscada por essa medida restritiva compensa os prejuízos que desta advenham para os direitos fundamentais.

Para a autora, a aplicação do juízo ponderativo é feita em três etapas. Em suas palavras:

Primeiramente, cabe ao intérprete identificar a intensidade da restrição ao direito fundamental. Em segundo lugar, deverá ser determinada a importância da realização do princípio antagônico ao direito, que fundamenta a restrição. E, por fim, caberá verificar se a importância da realização do fim perseguido é apta a justificar a intervenção no direito fundamental. Nessa perspectiva, o processo de ponderação pressupõe uma comparação entre os efeitos negativos e os efeitos positivos que a medida aflitiva deflagra.45

2.3 O Fundamento do Princípio da Proporcionalidade

A inexistência de preceito reconhecendo explicitamente o princípio da proporcionalidade suscita o problema de determinar seu fundamento normativo, o qual é objeto de explicações variadas.

A Corte Constitucional Alemã extrai a noção de proporcionalidade da cláusula do Estado de Direito e da própria essência dos direitos fundamentais.

Já aqueles que concebem proporcionalidade e razoabilidade como categorias equivalentes tendem a apontar sua origem na cláusula do devido processo legal substantivo, que constitui o lastro normativo do rationality test

44Idem. Ibidem, p.41.

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promovido pela Suprema Corte norte-americana. Essa linha é a adotada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme aponta Jane Reis Pereira.46

No entendimento abalizado de Paulo Bonavides, grande parte da doutrina mais recente inclina-se na direção de aceitar o princípio da proporcionalidade como um princípio geral de direito, mas o autor não despreza sua decorrência do Estado de Direito.47

Já para Willis Santiago Guerra Filho, embora não seja necessário nem correto procurar derivar o princípio da proporcionalidade de um outro qualquer, para que se lhe atribua caráter constitucional48, esse princípio

é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do Estado de Direito, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.49

Entendemos, em vista do exposto, que as mencionadas fundamentações defendidas não se excluem, pois devem ser entendidas como um reforço de justificação do princípio da proporcionalidade.

2.4 A Função Protetiva (Garantia Fundamental e Limite dos Limites) do Princípio da Proporcionalidade

A função primeira e mais evidente da proporcionalidade é aquela de defesa de direitos fundamentais perante o poder do estado. Com efeito, “a vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais”50.

É com a função de amparar os direitos fundamentais que a proporcionalidade surge como uma limitação do poder legítimo, passando a ser exigida em toda hipótese em que os direitos e as liberdades sejam lesados.

46 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit., p 321. 47 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., pp. 401 e 402. 48 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 107. 49Idem. Ibidem., p. 115.

(24)

Ligado à contenção dos poderes do Estado e à guarda eficaz dos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade não constitui um direito da liberdade, mas um direito que protege a liberdade, uma garantia fundamental.51

J.J. Gomes Canotilho utiliza o sinônimo princípio da proibição do excesso

para a proporcionalidade. Com isso, evidencia a sua função protetiva, ao escrever: “o sentido mais geral da proibição de excesso é, como acaba de se ver, este: evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares.” 52

Outra forma de proteção é o emprego da proporcionalidade como “limite dos limites”, expressão utilizada por alguns doutrinadores que alude aos limites impostos pelo Direito à ação do Estado de restringir, por atos normativos, direitos individuais.

Trata-se da aparente incoerência da possibilidade de o Estado poder limitar direitos fundamentais, os quais possuem a função justamente de conter o poder estatal.

A incoerência é resolvida pelo princípio de que a atividade limitadora do Estado deve ser, também, uma atividade limitada. O princípio da proporcionalidade é uma das barreiras destinadas a circunscrever o poder do Estado.

A expressão “limite dos limites”, adotada também por Jane Reis Pereira, difundiu-se na dogmática germânica sob a égide da Lei Fundamental de Bonn. Diz respeito, acorde a doutrina alemã, a que as limitações aos direitos fundamentais, para serem legítimas, devem atender a um conjunto de condições materiais e formais estabelecidas na Constituição.53

Os limites dos limites são, portanto, restrições que a ordem constitucional prescreve como condição de legitimidade da atividade legislativa na seara dos direitos fundamentais.

Segundo expõe Jane Reis Pereira, no constitucionalismo germânico, costumam ser apontados como limites dos limites o princípio da proporcionalidade e do respeito ao conteúdo essencial, o princípio da reserva legal, a proibição de que

51 Entendem-no como garantia fundamental, dentre outros, BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 401 e

(25)

as leis restritivas versem sobre um só caso e a menção da lei sobre o direito fundamental que esta sendo restringido.54

A autora lembra que a ordem constitucional brasileira não faz referência expressa ao regime jurídico das restrições aos direitos fundamentais, mas tais garantias defluem do caráter supremo e vinculante das disposições de direito fundamental e do princípio do Estado de Direito. Em outros termos, os limites dos limites devem ser entendidos como imanentes ao próprio imperativo de proteção jurídico-constitucional dos direitos.55

Em suma, a par da função de proteção substancial do indivíduo (eficácia normativa positiva), há a função de limitação da intervenção do Estado (eficácia normativa negativa).

2.5 A Função Interpretativa do Princípio da Proporcionalidade

Como salienta J.J. Gomes Canotilho, existe uma diferença substancial entre princípios hermenêuticos e princípios jurídicos.

Princípios hermenêuticos desempenham uma função argumentativa, ao permitir revelar a ratio legis de uma disposição normativa, e, também, a função de revelar normas que não são expressas por um enunciado legislativo, possibilitando o desenvolvimento, a integração e a complementação do direito.56 Princípios jurídicos, diferentemente, têm a qualidade de verdadeiras normas, vale dizer, são espécie do gênero norma jurídica e possuem, portanto, força normativa.

Reconhece-se, e importa aqui fazer esta referência, a função interpretativa que os princípios desempenham.

A par da função (ou dimensão, como prefere Paulo Bonavides) fundamentadora da ordem jurídica e da função supletiva em caso de insuficiência da lei (esta, a mais formal regra jurídica), os princípios desempenham a função orientadora do trabalho interpretativo.57

54Idem. Ibidem, p.298.

55Idem. Ibidem, pp. 300 e 301.

(26)

No que tange a esta função interpretativa do princípio, Willis Santiago expressamente concorda com o entendimento de Helenilson Cunha Pontes, ao defender que o princípio da proporcionalidade não pode ser reduzido a mero método ou critério de interpretação e aplicação do Direito. Isto porque “[...] o intérprete não pode optar se atende ou não atende ao princípio da proporcionalidade, mas, pelo contrário, é seu dever concretizar este princípio, sob pena de inconstitucionalidade da decisão jurídica.” 58

Ambos os doutrinadores defendem uma dupla função do princípio da proporcionalidade, como assinala Willis Santiago:

[...] o princípio da proporcionalidade consubstancia verdadeira garantia constitucional, imanente ao Estado de Direito contemporâneo, e exerce, simultaneamente, na ordem jurídica, a

dupla função de proteger a esfera de liberdade individual contra medidas estatais arbitrárias e de viabilizar a concretização ótima dos direitos fundamentais e todo o elenco de pretensões constitucionalmente reconhecidas através das diferentes regras e princípios constitucionais.59 (Grifo nosso).

Acerca desta segunda função, Willis Santiago, após sumária distinção entre a norma-regra e a norma-princípio, explica:

É exatamente numa situação em que há conflito de princípios, ou entre eles e regras, que o princípio da proporcionalidade (em sentido estrito ou próprio) mostra sua grande significação, pois pode ser usado como critério para solucionar da melhor forma tal conflito, otimizando a medida em que se acata prioritariamente um e desatende o mínimo possível o outro princípio.60 (Grifo nosso).

Para Paulo Bonavides, o princípio da proporcionalidade é indubitavelmente apropriado para servir de instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais, quando se busca nele a solução conciliatória.61

Bonavides entende que, tomado como método interpretativo, o “critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se aparenta consideravelmente com a equidade e é eficaz instrumento de decisões judiciais [...]” 62.

58 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 118. 59 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., pp. 118 e 119. 60 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 97.

(27)

Assinala o constitucionalista que o emprego do “critério de proporcionalidade” sem dúvida pode resultar no grave risco de um “reforço dos poderes do juiz, com a conseqüente diminuição do raio de competência elaborativa atribuída ao legislador.” 63

Para atenuar este risco, Paulo Bonavides então defende a conexão entre a proporcionalidade como via interpretativa e a interpretação conforme a Constituição.

Na chamada interpretação conforme a Constituição, de largo uso jurisprudencial pela Corte Constitucional Alemã, se a norma admitir várias interpretações, deverá prevalecer aquela que melhor exprima a opção de valores da Constituição.

Assim, a interpretação que se compatibiliza com a Constituição é a eleita para afastar as demais interpretações inconstitucionais, tudo sem alteração do texto legal. Com essa posição hermenêutica, “o aplicador da lei tudo faz para preservar a validade do conteúdo volitivo posto na regra normativa pelo seu respectivo autor.” 64

Buscando-se, pois, evitar o chamado “governo dos juízes”, a conexão entre a proporcionalidade como via interpretativa e a interpretação conforme a Constituição conseguiria, segundo Paulo Bonavides, manter o equilíbrio constitucional dos poderes.

Conclui-se, portanto, que o princípio da proporcionalidade não constitui um princípio hermenêutico. O intérprete não pode optar por atendê-lo ou não, pois trata-se de princípio jurídico com força normativa para criar o dever de sua observância e concretização.

Sendo norma, contudo, reconhece-se a função interpretativa do princípio, sobretudo na sua acepção estrita, ao promover, pelo sopesamento, a solução conciliatória para a colisão entre princípios, entre eles e as regras ou mesmo entre direitos fundamentais.

(28)

2.6 O Princípio da Proporcionalidade no Direito Brasileiro

Paulo Bonavides evidencia o princípio da proporcionalidade como axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de Direito, bem como regra que tolhe toda ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade.65

O impecável estudo do autor acerca do princípio da proporcionalidade é concluído pelo reconhecimento de que se faz mister proclamar a força cogente de sua normatividade.

Paulo Bonavides afirma que, não obstante o princípio da proporcionalidade não exista no Brasil como norma geral de direito escrito, existe como norma esparsa no direito constitucional, bem como faz-se mister reconhecê-lo como princípio implícito e, portanto, positivado, uma vez que se classifica como princípio geral de direito ou princípio constitucional.66

Conforme explica, embora não tenha sido ainda formulado como norma escrita, “flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o § 2º do art. 5º, o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição”67.

No mesmo sentido, Willis Santiago Guerra Filho acresce que, no Brasil, o princípio da proporcionalidade ainda não mereceu o acesso devido ao Direito Constitucional ou mesmo ao Direito Administrativo, seguindo a tradição dos países latinos de tratar a proporcionalidade “disfarçada por trás do fenômeno do desvio de poder.68

O autor afirma que a ausência de uma referência explicita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva, pois defende sua qualificação como “norma fundamental”, nos termos da Teoria Pura Kelseneana.69

65BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 436.

66Idem. Ibidem, pp.434 e 435. 67Idem. Ibidem, p.436.

68GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., pp. 104 a 106.

(29)

Adverte-se, contudo, que apesar de o princípio da proporcionalidade não ter sido expressamente escrito na Constituição Brasileira, foi positivado na Lei nº 9.784 de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Importa, antes, salientar que, no direito brasileiro, não há sistematização uniforme para o processo administrativo, como existe para o processo judicial. Algumas regras sobre aspectos do processo administrativo, como competência, prazos e requisitos espalham-se em diplomas legais e atos administrativos normativos como decretos, regulamentos, regimentos e outros.70

A mencionada Lei nº 9.784 de 1999 é um início de uniformidade normativa, mas cinge-se aos processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta, incluindo órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa (art. 1º, §1º).

Esta lei, em seu artigo 2º, caput, estabelece os princípios a que a Administração deve observância, em rol apenas exemplificativo, o qual se transcreve:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.71 (Grifo nosso).

Como se percebe, o princípio da proporcionalidade é expressamente destacado como norteador da atividade administrativa federal.

Ademais, seus subprincípios de adequação e necessidade são elencados pela lei como critérios, os quais, como explica José dos Santos Carvalho filho, “nada mais são do que padrões a serem observados pelas autoridades nos processos administrativos.”72 Vale transcrever o trecho a que se refere:

Art. 2º. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

[...]

70CARVALHO FILHO, José dos Santos.Op. cit., p. 778.

(30)

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; [...]73

A adoção do princípio da proporcionalidade no processo administrativo é um avanço indubitável para o Direito brasileiro, mormente em situações gravosas para o cidadão-administrado.

Com efeito, no Estado de Direito, os cidadãos têm a garantia não só de que o Poder Público estará, de antemão, movido unicamente pela busca dos fins estabelecidos em lei, mas também de que tais fins só poderão ser perseguidos pelos modos intencionalmente estabelecidos para tanto, através da prefixação dos meios, condições e formas a que se tem de cingir para alcançá-los.74

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello defende a importância do processo administrativo, pelo fato de este ser um meio apto a controlar o iter de formação das decisões estatais. Disciplinado-se o processo, portanto, controla-se a vontade administrativa final antes que esta possa, eventualmente, ser gravosa a alguém.75

Diante desses ensinamentos, importa analisar a aplicação do princípio da proporcionalidade à atividade administrativa de polícia, como ferramenta metodológica no controle de validade das restrições ao exercício de direitos fundamentais por ela operados.

73BRASIL. Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Ibidem. 74 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 445.

(31)

3 O PODER DE POLÍCIA ESTATAL

3.1 O Poder de Polícia em Sentido Amplo

A simples expressão, poder de polícia, não pode ser bem compreendida em um só sentido, uma vez que esta particular forma de manifestação do poder estatal ocorre em dois planos, um legislativo e outro administrativo. Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o poder de polícia reparte-se entre Legislativo e Executivo” 76.

Di Pietro inclui o Poder Legislativo no sentido amplo, na medida em que, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, é o Legislativo quem cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.77

Em um primeiro momento, portanto, o poder de polícia é exercido pelo Estado-Legislador, o único capaz de criar as limitações à propriedade e à liberdade.

Como bem salienta José dos Santos Carvalho Filho, “apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo” 78, com fulcro no princípio constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 79.

Celso Antônio Bandeira de Mello é outra voz respeitada que acata o sentido amplo. Para ele, a expressão abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo, referindo-se ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade do cidadão.80

Celso Antônio menciona ainda a observação de Caio Tácito de que, nos Estados Unidos, a expressão “police power” reporta-se sobretudo às normas

76 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 111. 77 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 111.

78 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14.ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005, p. 61 e 62.

79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 04 novembro 2009, art. 5º, II.

(32)

legislativas em que o Estado regula os direitos privados em proveito dos interesses coletivos.81

Mesmo sem mencionar a expressão “poder de polícia em sentido amplo”, Diogo de Figueiredo Moreira Neto imprime o destaque necessário ao papel legislativo. Para o autor, ao legislador compete a tarefa nada simples de instituir

normas de polícia, para alterar e adequar os direitos individuais ao convívio social.82 Isso ocorre porquanto, no sistema jurídico brasileiro, “o emprego do poder estatal para restringir e condicionar liberdades e direitos individuais é uma exceção às suas correspectivas afirmações constitucionais, daí porque somente possa ser exercido sob reserva legal (art. 5º, II, CF).” 83

Com sua proficiência e poder de síntese, conclui Diogo de Figueiredo Moreira Neto que “o poder de polícia é exercido pelo Estado enquanto legislador, pois apenas por lei se pode limitar e condicionar liberdades e direitos, enquanto que a função de polícia, como aplicação da lei, é exercida pelo Estado como administrador.” 84

Em sentido amplo, poder de polícia é o poder do Estado de conformar o conteúdo do direito de propriedade e de liberdade, com o escopo de adequá-los ao interesse público. Abrange, portanto, qualquer ação do Estado que restrinja o exercício de direitos individuais, seja pela função legislativa, seja pela função administrativa.

Após a conformação jurídica dos direitos (assunto posteriormente discorrido neste trabalho), incumbe à Administração Pública que o exercício desses direitos seja adequado ao perfil jurídico traçado, para isso utilizando seus próprios meios, em atividade subjacente à lei e ao Direito (princípio da juridicidade, assunto também posteriormente discorrido neste trabalho).

O sentido amplo, conclui-se, envolve o poder do Estado de criar normas e de impor seu cumprimento, compreendendo as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade e os atos administrativos que objetivam a sua concreção. Em outras

81Idem. Ibidem, p.709.

82 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória,

parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 396. 83 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 396.

(33)

palavras, corresponde à atuação do Estado que impõe limites à conduta individual, com base na supremacia do interesse público.

3.1.2 Limitação Administrativa e a Conformação de Direitos

O assunto relativo à conformação de direitos não tem recebido o merecido destaque na doutrina administrativista brasileira. Ao tratarem do poder de polícia e da limitação administrativa à propriedade, nossos doutrinadores freqüentemente utilizam expressões como limitações, restrições ou condicionamentos de direitos individuais, o que não condiz com a tese aqui tratada.

A nosso ver, conferir importância à noção de conformação dos direitos é compreender as limitações administrativas e o poder de polícia sob uma nova ótica, mais vinculada ao princípio da legalidade, levando-nos à inevitável conclusão de que a Administração Pública nunca poderá limitar ou restringir direitos individuais.

Isto, apenas a lei, constitucionalmente adequada, poderá realizar, justamente por meio da conformação do próprio direito. Poderá sim (apenas por lei) haver restrição aos valores liberdade e propriedade, não do direito. É o que buscaremos demonstrar.

O sentido do verbo “conformar”, segundo o dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, é equivalente ao do verbo “configurar”, este entendido como a ação de “dar ou tomar forma, feitio; desenhar, esculpir” 85

É exatamente esta acepção de dar forma ou de desenhar que vem sido utilizada pela doutrina jurídica. Conformar um direito, portanto, é dar-lhe forma, desenhar seu perfil, dar sua fisionomia normativa86, delinear seu contorno, dentre outras expressões utilizadas com o mesmo objetivo.

Nesse sentido, ao iniciar suas ensinanças sobre o poder de polícia, Celso Antônio Bandeira de Mello logo afirma:

[...] rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao

direito de liberdade e ao direito de propriedade – é a brilhante

85 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 2.0 a. Abril de

2007.

(34)

observação de Alessi -, uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há isto sim, limitações à liberdade e à propriedade.87 (grifos do original)

Ao discorrer sobre as limitações administrativas à propriedade, José dos Santos Carvalho Filho lembra que alguns doutrinadores fazem distinção sobre limitação e restrição de direito. Assim se manifesta o ilustre autor:

A restrição refere-se ao exercício em si das faculdades inerentes ao conteúdo do direito; a limitação, ao revés, já integra o conteúdo do direito, ou, em outras palavras, o próprio direito de propriedade tem

sua dimensão jurídica condicionada pelas várias limitações

impostas no ordenamento jurídico. Assim, o conteúdo do direito já teria reduções relativas às limitações administrativas, aos direitos de vizinhança etc.88 (Grifo nosso)

Em seguida, conclui:

Portanto, se quisermos caracterizar a natureza jurídica das limitações, poderíamos dizer que se trata de atos legislativos ou

administrativos de caráter geral, que dão o contorno do próprio

direito de propriedade. É nesse sentido que os autores as colocam entre as formas de intervenção do Estado na propriedade.89 (Grifo

nosso)

Carvalho Filho, como se infere dos excertos acima, fala em “dimensão jurídica do direito” e em “contorno do próprio direito”. Com isso, claramente se percebe que o autor está tratando da conformação do direito de propriedade, na acepção de dar forma a algo, em que a limitação “já integra o conteúdo do direito”.

Maiores considerações sobre este tema são realizadas por Luis Manuel Fonseca Pires. Segundo o autor:

[...] as limitações administrativas à liberdade e à propriedade são a conformação do próprio direito a estes valores (liberdade e propriedade), de modo que não há de se falar em qualquer restrição de direitos, mas sim à própria liberdade e à propriedade que recebem a configuração jurídica necessária à convivência pacífica em sociedade.90

Para o citado autor, na conformação de direitos “se traceja e com isto se desenha o conceito e a definição de determinado valor (liberdade ou propriedade) para o direito positivo”91. Em outras palavras, há a construção, pelo legislador, do

87Idem. Ibidem, p.705.

88 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 629. 89Idem. Ibidem, p. 629.

(35)

perfil do direito, traçando “o sentido e o alcance da liberdade e da propriedade dos administrados.” 92

Mas, para o titular do direito, sempre resta um sentimento de que seu direito está sendo reduzido, quando se está diante de uma limitação administrativa, ao que o autor parece responder:

Sem dúvida alguma a “propriedade”, em algum sentido metajurídico, pode ser brandida como desrespeitada, mas para a determinação jurídico-positiva a propriedade é identificada com o sentido que lhe é definido pela norma jurídica, isto é, a propriedade recebe sua

conformação no ordenamento jurídico que pode não coincidir com o que outras ciências do conhecimento reconhecem pela mesma palavra. Esta conformação do direito é a limitação administrativa à propriedade.93 (grifos do original)

Em notável consonância com o até agora exposto, Diogo de Figueiredo Moreira Neto define a limitação administrativa como “a modalidade de intervenção ordinatória, abstrata e geral do Estado na propriedade e na atividade privadas, limitativa do exercício de liberdade e de direitos, gratuita, permanente e indelegável” 94 (grifo nosso).

Imediatamente após seu conceito, Moreira Neto observa:

Este tipo de intervenção visa a dimensionar e condicionar a amplitude hipotética que possa ser dada ao exercício de liberdades, de direitos e de garantias individuais, notadamente, no caso, o exercício do direito de propriedade, relativamente às exigências do interesse social e, por isso, o atendimento à ordem contida na

limitação vem a ser a conditio juris do exercício do próprio direito, assim limitado.95

De todos esses inspiradores ensinamentos, retiramos a conclusão de que os bens jurídicos liberdade e propriedade adquirem sua dimensão jurídica (sentido, alcance, condições) a partir da norma jurídica, ou seja, a norma é quem confere a estes valores o status de direito.

Em outras palavras, a liberdade e a propriedade somente podem ser tidas como direito no preciso sentido que a norma jurídica lhe confere. Não obstante aceitemos como verdade que o “ter”, a vida e a liberdade preexistam a qualquer disciplina jurídica, é a norma que concede a determinação jurídico-positiva destes valores.

92Idem. Ibidem, p.314. 93Idem. Ibidem, p.315.

(36)

Celso Antônio Bandeira de Mello conclui que “[...] descaberia falar em limitação a direitos, pois os atos restritivos, legais ou administrativos, nada mais significam senão a formulação jurídica do âmbito do Direito.” 96

Adiante, continua o notável doutrinador: “portanto, as limitações ao exercício da liberdade e da propriedade correspondem à configuração de sua área de manifestação legítima, isto é, da esfera jurídica da liberdade e da propriedade tuteladas pelo sistema” 97.

Assim sendo, não se pode falar em limitação ou restrição administrativa de direitos, somente sendo aceitável cogitar-se de uma limitação à liberdade ou à

propriedade enquanto valores e bens jurídicos. Adequada a esse pensamento, portanto, as expressões que mencionam ser o poder de polícia uma limitação ou restrição ao exercício dos direitos individuais.

Cumpre lembrar, nesse ponto, que o poder de conformar os direitos é privativo do Legislativo, que institui as chamadas limitações administrativas (as quais integram o conteúdo do próprio direito, como visto supra).

À polícia administrativa, uma vez que função subjacente à lei, cabe o encargo de regular e de aplicar as limitações administrativas ao caso concreto. Em virtude deste conceito básico, no qual a Administração desempenha função de aplicação da lei preexistente (princípio da legalidade), defendemos que somente pode se falar em restrição ao exercício da liberdade e da propriedade, com o fim de adequá-lo à sua conformação jurídica.

3.2 O Poder de Polícia em Sentido Estrito

O sentido restrito, por sua vez, corresponde apenas à atividade administrativa. Com sua sagacidade particular, Diogo de Figueiredo Moreira Neto aponta que o Legislador, “ [...] depois de assentar as bases legais amplas do exercício da polícia, lança mão da discricionariedade para cometer ao administrador

(37)

público o encargo de regulá-lo e de aplicá-lo aos casos concretos, enquanto funções de polícia.”98

Maria Sylvia Zanella Di Pietro muito bem assinala:

A Administração Pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças e autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas corecitivas).99

Hely Lopes Meirelles, o qual destina mais atenção ao poder de polícia como função administrativa, evitando grandes considerações sobre o sentido amplo, assim resume:

Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.100

Os citados ensinamentos permitem-nos concluir que incumbe ao poder de polícia administrativa a prevenção, a verificação e a repressão do exercício irregular (abuso) dos direitos individuais, com o objetivo maior de assegurar a livre fruição dos direitos de cada um, zelando pelo convívio social harmonioso.

É imperioso destacar que a utilização do poder de polícia pela Administração Pública deve sujeitar-se aos parâmetros legais. Nunca é demais lembrar que se trata sempre de atividade subjacente à lei. O princípio da legalidade, mormente quando se trata de limitação de direitos, é um limite insuperável pela função administrativa.

Nesse sentido de subordinação à lei, irrepreensível o conceito estrito construído por Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Denomina-se polícia à função administrativa que tem por objeto aplicar concreta, direta e imediatamente as limitações e os condicionamentos legais ao exercício de direitos fundamentais, compatibilizando-os com interesses públicos, também legalmente definidos, com a finalidade de possibilitar uma convivência ordeira e valiosa.101

98 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 396. 99 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 111. 100 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 131.

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