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A proposta austromarxista de transição ao socialismo para a Áustria

A concepção austromarxista de transição ao socialismo

3.3 A proposta austromarxista de transição ao socialismo para a Áustria

Durante os anos de 1919 e 1920, Bauer defendeu uma concepção de transição própria,35 que se colocava entre a visão acriticamente democrática, defendida por Kautsky, e a

34 O. Bauer, Bolchevismo ou social-democracia? In: MARRAMAO, G. Austromarxismo e

socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, p. 180.

35 É preciso destacar aqui que, naqueles anos, a ideia de transição defendida por Max Adler era muito

parecida com aquela baueriana, embora Adler tendesse a salientar muito mais fortemente que Bauer a importância dos conselhos operários no debate sobre a socialização. As concepções adleriana e baueriana de transição ao socialismo formavam o eixo da visão de transição predominante no SDAPÖ, que, por sua vez, quanto aos objetivos e aos modos da socialização, não diferia nem sequer das posições sustentadas por Renner. Segundo os intelectuais austromarxistas, o objetivo da luta de classes do movimento operário continuava sendo uma aproximação progressiva das formas de organização vigentes nas diversas fontes do poder social ao ideal de democracia. Tal aproximação implicava na construção progressiva de uma esfera de liberdades individuais invioláveis. No final do século XVIII, a luta pela democracia havia sido iniciada pela burguesia, que afirmara as liberdades individuais negativas contra o poder absoluto dos monarcas. Depois, ao longo do século XIX o movimento operário avançou na mesma direção, lutando com sucesso pela extensão das liberdades civis e políticas– inicialmente restritas às elites– para toda a sociedade. A aproximação ulterior ao ideal de democracia exigiria, no século XX, uma transformação social capaz de garantir a autonomia da pessoa também no

proposta leninista de ditadura do proletariado. Em polêmica não apenas com o campo comunista, que pretendia aplicar o esquema bolchevique a todos os outros países, mas também com a social-democracia alemã, que – teorizando abstratamente o governo de coalizão e a Constituição de Weimar como fase de transição ao socialismo – tendia a excluir a priori qualquer outra possibilidade de transformação social progressista, ele enfatizou a pluralidade e o polimorfismo do processo revolucionário. Prosseguindo naquela mesma trajetória teórica, ele destacou explicitamente, distanciando-se assim da posição defendida por Kautsky, que o alcance do modelo de transição por ele proposto era limitado aos países da Europa Central e Ocidental, onde as condições de luta da classe operária eram semelhantes, enquanto em países caracterizados por contextos sociais diferentes a transformação revolucionária deveria trilhar caminhos distintos.36 E argumentou, afastando-se claramente das teses sustentadas pelos comunistas, que a revolução socialista na Áustria, para vencer, exigiria tanto uma compacta adesão da maioria do proletariado à transformação revolucionária, quanto à adesão global das demais frações de trabalhadores ao projeto revolucionário da classe operária. Em suma: tal revolução deveria assumir um caráter profundamente diferente do processo revolucionário que ocorria na Rússia37.

Na conjuntura do pós-guerra e dos primeiros anos 20, o eixo da visão terceiro internacionalista do processo revolucionário era a previsão de uma iminente precipitação da crise do capitalismo, o que significava que o movimento operário devia deixar de lutar por reivindicações parciais e se preparar para o choque final. Partindo de uma interpretação –

desempenho de suas funções econômicas. A realização da democracia em patamar mais alto tornava necessária a transição ao socialismo, concebido como a forma de organização econômica capaz de garantir ao mesmo tempo ordem e liberdade econômicas. O fim da luta de classes, portanto, deveria ser, naquele momento, a extensão da democracia também à esfera econômica, extensão que, possibilitando o controle dos trabalhadores sobre os meios de produção por eles utilizados, viabilizaria a realização da autonomia da pessoa também em suas funções econômicas.

36 A propósito da análise baueriana das condições sociais da revolução social na Áustria e nos demais

países da Europa central e ocidental e das consequências políticas que o autor dela traz, cujos traços fundamentais apresento abaixo, ver: O. Bauer, Bolchevismo ou social-democracia? In: MARRAMAO, G.

Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, pp. 181-230.

37 No ensaio “Der Weg zum Sozialismus”, publicado em Viena em 1919, Bauer esclarece a tal

propósito que: “Paz e trabalho são apenas as condições objetivas necessárias à nossa tarefa. A condição subjetiva é que o povo, as grandes massas trabalhadoras das cidades e do campo, queiram esta transformação social. Alguns pensam que bastariam uns poucos milhares de elementos decididos para se apropriar do poder do Estado com um golpe. Este é um erro. Como poderia uma pequena minoria, que obrigasse com o terror a maioria da população a se submeter à sua vontade, gerir o enorme aparelho produtivo da sociedade? Certamente, tal minoria poderia expropriar os capitalistas com o terror e controlar o aparelho produtivo através de um órgão revolucionário central. Mas assim teríamos um socialismo burocrático, não democrático: o órgão central da revolução, de fato, não poderia dirigir as fábricas, as minas, as propriedades agrícolas senão criando um aparelho burocrático, cujas ordens forçariam à obediência ao exército dos trabalhadores. Nós, porém, não queremos um socialismo burocrático, que significa o domínio de uma pequena minoria sobre todo o povo. Nós queremos um socialismo democrático, ou seja, a autogestão econômica baseada na participação de toda a população”. LESER, N. Teoria e prassi dell’austromarxismo. Citado, p. 147.

oposta àquela da Internacional Comunista – segundo a qual uma nova fase do capitalismo estava se consolidando através de um processo acelerado de cartelização e “trustificação” da economia,38 Bauer sustentou que as economias dos países da Europa central e ocidental, que a Primeira guerra mundial havia tornado altamente dependentes das trocas internacionais, tornavam inviável uma transição ao socialismo entendida como interrupção dos processos sociais. Segundo ele, naqueles países a revolução proletária deveria ocorrer dentro de um quadro geral de continuidade institucional. A revolução social só teria êxito se o movimento operário soubesse organizar a passagem para o socialismo sem barrar o funcionamento da máquina estatal e sem bloquear a atividade econômica. Como mostrava o trágico desfecho das repúblicas dos conselhos da Hungria e da Baviera, a revolução, feita sob a forma de uma ruptura violenta e total da organização social burguesa, resultaria em retrocessos de cunho reacionário.

Segundo Bauer, nos países capitalistas caracterizados por altos níveis de racionalização econômica, de complexidade social e de urbanização, a revolução proletária deveria ocorrer sob a forma de democratização gradual e seletiva da economia,39 e não de sua brusca estatização geral.40 A socialização deveria inicialmente afetar apenas grandes empresas

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Como destaca Giacomo Marramao, neste aspecto, a reflexão baueriana convergia com as conclusões às quais, naquele momento, chegava a pesquisa realizada por Hilferding sobre as características do “capitalismo organizado”, pesquisa que também se enraizava teoricamente na interpretação antimecanicista com a qual a escola marxiana de Viena havia enfrentado o problema da relação entre desenvolvimento capitalista e estratégia do movimento operário. Além dessa convergência, porém, os dois autores, como veremos mais adiante, se distanciavam substancialmente em seus respectivos juízos acerca da interação existente entre dinâmica social e esfera político-institucional. MARRAMAO, G. Entre bolchevismo e social-democracia: Otto Bauer e a cultura política do austromarxismo. In: HOBSBAWM, E. J. História do marxismo. Citado, p. 314.

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A tal propósito, em uma conferência sobre economia política em que reconhecia que nunca a construção do socialismo teria significado a completa socialização de todos os meios de produção, Bauer escreveu que: “O modelo ideal de sociedade socialista seria uma ordem social em que tudo é de propriedade coletiva, em que todos os meios de produção são socializados. Neste sentido, nunca existirá uma sociedade socialista, da mesma forma em que, no passado, nunca existiu o modelo ideal da sociedade feudal e, no presente, não existe aquele da sociedade capitalista (...). No futuro, o modelo ideal não será o da sociedade socialista, mas a forma socialista será predominante. Os órgãos de controle superior da economia, a indústria, as grandes empresas agrícolas, o comércio no atacado, o sistema bancário, todos estes setores da economia serão organizados democraticamente. Ao seu lado, continuarão existindo os artesãos e milhões de camponeses. Otto Bauer, Einführung in die Volkswirtschaftslehre. Apud LESER, N. Teoria e prassi dell’austromarxismo. Citado, p. 176.

Quanto às empresas de médio porte, nas quais os empresários ainda não são figuras totalmente supérfluas no processo de produção não sendo suas rendas, portanto, meros privilégios, Bauer, em Der Weg zum Sozialismus, complementa o argumento acima, sustentando que: “Enquanto são ainda os empresários e não os dirigentes a desempenhar pessoalmente as funções técnicas e comerciais na empresa, não é possível eliminar os empresários sem que o desaparecimento de uma direção qualificada acarrete prejuízo à produção. A maior parte dos setores da indústria não poderá, portanto, ser socializada imediatamente, mas deverá antes ser organizada para que possa ser preparada conscientemente a futura socialização”. LESER, N. Teoria e prassi

dell’austromarxismo. Citado, p. 194.

40 Quanto à estatização dos meios de produção, ou seja, à mera expropriação dos capitalistas e à

transferência da propriedade das empresas das mãos dos acionistas para aquelas do Estado – que Bauer considerava apenas como condição necessária, mas não suficiente, da democracia industrial, a qual deveria ter

operantes nos setores chave da economia, cujos acionistas seriam expropriados e cujos funcionários assumiriam a responsabilidade e desempenhariam democraticamente a função de direção.41 A socialização deveria ocorrer de acordo com as condições materiais já postas pelo desenvolvimento histórico, partindo, portanto, da nova configuração da economia capitalista, surgida das transformações ocorridas tanto a nível macroeconômico quanto no interior das unidades produtivas.42 O modelo dos conselhos, que atribuía a gestão das empresas diretamente ao “controle operário”, seria impróprio.43 Sua inadequação se relacionava ao fato de que o governo das unidades produtivas pelos conselhos operários, à medida que tornava impossível sua administração econômica, engendrava ao mesmo tempo profundas tensões interempresariais e ampla insubordinação interna, cuja superação exigiria a ação de um Estado “onipotente”, altamente coercitivo e autoritário. A democracia industrial, ao contrário, permitiria a realização plena, política e econômica, da liberdade social individual44.

reestabelecido, em qualquer escala da produção, o controle dos meios de produção pelos trabalhadores – em Der Weg zum Sozialismus ele escreveu: “Mas quem deverá gerir a indústria socializada? O governo? Absolutamente não! Se o governo controlasse todas as firmas, se tornaria poderoso demais com relação ao povo e aos representantes do povo, e isto representaria um perigo para a democracia. Além disso, o governo administraria mal a indústria socializada; não há ninguém que saiba administrar as indústrias pior que o Estado. Por isto nós, social-democratas, reivindicamos sempre que a indústria seja socializada, e não estatizada”. Apud LESER, N.

Teoria e prassi dell’austromarxismo. Citado, p. 176.

41 A propósito dos detalhes do projeto de socialização proposto por Bauer, cuja origem ele mesmo

indica explicitamente ser o “Guild Socialism” britânico, ver também: O. Bauer, Bolchevismo ou social- democracia? In: MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, pp. 198-209.

42 A tal propósito, por exemplo, em uma conferência sobre economia política, Bauer sustentou que:

“Tão logo o proletariado dispuser das capacidades intelectuais e dos conhecimentos técnicos necessários, e tiver asseguradas as competências especializadas pela integração dos técnicos e dos funcionários, se tornará possível excluir os capitalistas. Visto que o desenvolvimento do capitalismo subtrai aos capitalistas qualquer função e os torna supérfluos, cria-se uma situação na qual o fato que os meios de produção se concentram nas mãos de uns poucos capitalistas torna-se insuportável. Finalmente o povo afirma: se tiver que surgir uma direção centralizada da economia, não poderão ser duas ou três pessoas que tomam as decisões, mas deverá ser todo o povo. Chegou o momento de eliminar a propriedade capitalista dos meios de produção, e de transferi-los para a propriedade comum. Se o socialismo inicialmente era apenas o sonho de uma sociedade melhor, agora sabemos que na própria sociedade capitalista operam tendências que ultrapassam necessariamente os limites do desenvolvimento capitalista”. Otto Bauer, Einführung in die Volkswirtschaftslehre. Apud LESER, N. Teoria e prassi

dell’austromarxismo. Citado, p. 193.

43 Também quanto a esta questão, as reflexões de Bauer e Adler convergiam, formando assim a

proposta de transição ao socialismo predominante no interior do SDAPÖ. Não diferentemente de Bauer, Max Adler rejeitava claramente para a Áustria a reivindicação comunista de transferir imediatamente todo o poder aos conselhos. Os conselhos eram para ele órgãos de representação da vontade dos trabalhadores nascidos na experiência revolucionária russa, e na Áustria deveriam ser orientados em um sentido socialista e desenvolvidos em uma estrutura de base local e de vértice nacional, para poderem se tornar finalmente órgãos da sociedade de transição. Cfr. a tal propósito: ADLER, M. Democrazia e Consigli operai. Citado, pp. 53-110.

44 Como destaca Giacomo Marramao, o tema da transição ao socialismo, já presente em Bolchevismo

ou social-democracia?, foi ulteriormente desenvolvido por Bauer no Congresso di Linz, de 1926, nos seguintes termos: “Estamos entrando em um longo período de transição, que durará por gerações, no qual as fábricas capitalistas e aquelas socialistas coexistirão umas ao lado das outras. Como se afirmará o socialismo neste período de transição? Vencerá somente se realizada uma condição: somente quando a própria experiência mostrar que as fábricas socializadas produzem melhor e a menor custo e conseguem, ao mesmo tempo, utilizar os operários e os trabalhadores de colarinho branco melhor que as fábricas capitalistas. Até o momento em que os homens não virem isso com os próprios olhos, não optarão de jeito nenhum pelo socialismo, pela socialização

A forma política adequada para o processo revolucionário de transformação social nos países ocidentais era a democracia. O proletariado deveria agir democraticamente, disputando eleições para alcançar a maioria parlamentar, que garantiria a legitimidade do processo de socialização. Uma vez alcançada a maioria no Parlamento, o proletariado poderia iniciar o processo de democratização da economia, que deveria ser levado adiante legalmente. O período de transição seria longo e necessariamente lento, até porque o aparelho do Estado burguês demoraria bastante tempo para se adaptar, e não sem atritos, às novas funções a ele impostas pela classe operária hegemônica. Mas, em compensação, o método democrático permitiria realizar uma transformação social “planejada e sistemática” que, nos países de capitalismo avançado, constituía a condição necessária para que o processo de transição não fracassasse.

O sucesso do processo de transição ao socialismo dependia, outrossim, da capacidade do proletariado de obter o apoio político das classes médias que, nos países da Europa central e ocidental, defendiam tenazmente a ordem social vigente. Naqueles países – onde, diferentemente dos Estados Unidos, a guerra mundial havia produzido no proletariado as condições psicológicas da revolução social – a luta de classes do proletariado ocorria numa sociedade com estratificação cada vez mais complexa, em que as novas classes médias – dos executivos, dos técnicos, dos trabalhadores de colarinho branco do setor público e privado, dos profissionais liberais e dos intelectuais – desempenhavam papel sempre mais decisivo no processo de reprodução social. Sem a colaboração duradoura das novas classes médias, o exercício do domínio de classe do proletariado, sob a forma de uma ditadura de minoria, fatalmente malograria. A cooperação política das classes médias exigia, naquela conjuntura, que seus direitos – inclusive, e em primeiro lugar, o direito de propriedade sobre os meios de produção utilizados por seus membros – fossem respeitados pela revolução proletária, bem como que lhes fosse garantida a possibilidade de influenciar o processo político, de influir na dinâmica do Estado. O domínio de classe do proletariado sobre toda a sociedade, pois, deveria ser exercido no terreno e com os meios da democracia política, na qual os trabalhadores da classe operária e das classes médias, aliando-se, teriam certamente formado a maioria.

A transição ao socialismo deveria ocorrer no contexto do Estado de Direito democrático também por uma razão histórica: embora o Estado continuasse sendo órgão do

(...); vence apenas aquela forma de produção na qual os operários e os técnicos desempenham melhor seu trabalho (...). Somente quando os operários e os técnicos tiverem a clara sensação de participar e de cogestir, de não serem mais como estranhos em fábrica, somente então se desenvolverá um espírito novo”. MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, p. 66.

domínio de uma classe, a forma do domínio de classe teria mudado. Já durante a última geração antes da guerra, o domínio de classe da burguesia não se fundava mais na aberta exclusão do proletariado do poder político. A burguesia exercia seu domínio de classe concedendo à classe operária dominada a possibilidade de formar a opinião pública e de definir a vontade política do Estado. Para não provocar um retrocesso a patamar de desenvolvimento histórico mais primitivo, também o exercício do domínio de classe do proletariado deveria ser atuado nas formas da democracia.

Refletindo acerca dos modos pelos quais o proletariado poderia tomar o poder nas sociedades mais desenvolvidas, Bauer começou a enfrentar teoricamente a espinhosa questão da relação existente entre o poder político e as classes sociais.45 Segundo ele, a democracia era aquela forma política na qual as funções do Estado eram determinadas exclusivamente por “fatores sociais de poder”. Os fatores sociais de poder de uma classe se relacionavam principalmente com a força numérica e organizativa da mesma, com seus instrumentos econômicos de poder (decorrentes da posição ocupada no processo econômico), bem como com sua capacidade de atração ideológica, não apenas dos membros da própria classe, mas também dos membros de outras classes sociais. No Estado de Direito democrático, a vontade política refletia os fatores sociais de poder, sem que o emprego dos “instrumentos materiais de poder de uma classe” – a saber, da organização armada de uma classe – alterasse a correlação existente entre o equilíbrio de poder das classes e as funções desempenhadas pelo Estado. Como qualquer outra forma política, também o Estado de Direito democrático utilizava sistematicamente a força organizada, embora seu uso não fosse destinado a modificar o conteúdo do Direito, mas sim a impor a lei às minorias eventualmente relutantes em aceitá-la. A democracia permanecia instrumento de dominação de classe, mas esse instrumento podia – dependendo dos fatores sociais de poder predominantes – mudar das mãos de uma classe para as de outra. Em todos os países industrializados, entretanto, o proletariado tinha alcançado, de por si só ou junto com os outros trabalhadores, a maioria numérica da população sem que o poder do Estado tivesse passado das mãos da burguesia para seu controle. A razão disso repousava no fato de que a luta pela conquista da alma dos proletários ainda era vencida, muitas vezes, pela burguesia. A tomada do poder, portanto, antes de tudo, exigia um grande

45 A propósito da reflexão baueriana acerca dessa questão e da estratégia que o movimento operário

deveria seguir para conquistar o poder no âmbito do Estado de Direito democrático ver: O. Bauer, Bolchevismo ou social-democracia? In: MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, pp. 219-227.

esforço dos intelectuais social-democratas para fortalecer ulteriormente a organização política do proletariado e para subtraí-lo ainda mais à influência espiritual da burguesia46.

Nos países onde a democracia política já tivesse sido historicamente alcançada, a tomada do poder do proletariado mediante uma ação insurrecional e violenta seria ilegítima. Lá, o uso da violência na disputa pelo poder do Estado seria admissível apenas em dois casos. A primeira hipótese era aquela em que, mesmo com a conquista do poder político pelo proletariado por meios democráticos, a burguesia resistisse ao seu domínio, recusando-se a obedecer às leis promulgadas pelo Estado de Direito democrático proletário. O Parlamento daquele Estado deveria, então, utilizar meios ditatoriais de poder para quebrar a resistência passiva (e talvez até mesmo ativa) da burguesia. A adoção de meios ditatoriais seria, nessa hipótese, justa, pois não teria a finalidade de alterar o equilíbrio político espontâneo, decorrente dos fatores sociais de poder, mas sim de afirmar tal equilíbrio contra uma minoria