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O problema da economia

8.1 Uma utopia democrática

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, nos anos da revolução na Europa, a possibilidade e as esperanças de passar do capitalismo ao socialismo alcançavam nível nunca mais atingido naquele continente. Em Viena, Polanyi, em sintonia não apenas com o austromarxismo, mas também com o Guild Socialism britânico, defendia então que a realização plena da liberdade moderna exigia a superação da racionalidade econômica inerente ao mercado capitalista e a transição rumo a uma democracia industrial.1

Em Polanyi, durante os primeiros anos 20, o problema da liberdade moderna se entrelaçava com a questão da produtividade social da economia. Quanto à forma da organização da economia capaz de possibilitar o uso mais eficiente dos recursos disponíveis, a contraposição com os economistas liberais da escola austríaca era total. Em “A contabilidade econômica em uma sociedade socialista”, publicado em 1920 na importante revista Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik,2 Ludwig Von Mises, declarando que “apenas num mercado livre é possível um cálculo dos custos tal que possa permitir uma distribuição ótima de recursos limitados entre os empregos possíveis em vista da satisfação das necessidades individuais”,3 sustentara a tese de que somente a ação econômica independente de cada indivíduo e o sistema dos preços decorrente de tal ação podiam garantir a racionalidade do sistema econômico. Dois anos mais tarde, em um ensaio em que sustentava a plausibilidade e a eficácia da “contabilidade socialista” de uma economia dirigida democraticamente e

1 Quanto à afinidade da posição defendida por Polanyi no começo dos anos 20 com as ideias utópicas

dos socialistas guildistas britânicos e especialmente de G.D.H. Cole ver: Polanyi, K., Il “guild socialism” (uomini e idee), (1922). In: La libertà in una società complessa, a cura di A. Salsano, Turim: Bollati- Boringhieri, 1987, pp. 3-6; e também Polanyi, K., “Guild” e Stato, (1923). In: La libertà in una società

complessa, ob. cit., pp. 7-9.

2 Mises, Ludwig von, 1920, Die Wirtschaftsrechnung im sozialistischen Gemeinwesen, Archiv für

Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, XLVII.

3 Citado por: Cangiani, Michele, Karl Polanyi, idee per il nostro tempo, Rivista Inchiesta, n. 117-118,

organizada de forma descentralizada,4 Polanyi confutava as teses de Mises, abordando o problema da racionalidade econômica de outro ponto de vista. Para Polanyi, era preciso assegurar a “produtividade” da economia – compreendida como “um processo de trabalho, isto é, um processo de luta e adaptação entre ser humano e natureza, que visa a satisfação das necessidades materiais humanas” – não apenas do ponto de vista (limitado) da racionalidade econômica formal, mas também daquele político da utilidade pública da produção e da justa distribuição, para que o processo econômico pudesse responder de forma ótima às demandas sociais e ambientais. O rendimento social da economia capitalista, de fato, era reduzido. A economia capitalista, “por sua natureza”, não podia ser orientada à utilidade pública, não podia garantir a realização da “produtividade social”. A organização capitalista da produção, tendo o lucro como seu fim, não era capaz de entender as “avaliações sociais”, pois era privada até mesmo do “órgão” necessário para percebê-las. E isso não era tudo. O processo de produção tinha um “retroefeito sobre a vida da comunidade” e sobre as necessidades individuais, as quais eram alteradas ou até mesmo criadas ilusoriamente.5 Não só os produtores e consumidores não podiam controlar os fins e os meios do processo econômico, mas, ao contrário, era o processo econômico que, organizado de forma autônoma pelo mercado capitalista, condicionava permanentemente a vida dos indivíduos e vinculava as instituições sociais.

Em Viena, nos anos em que a força do movimento operário havia alcançado seu clímax, Polanyi apoiava o programa político austromarxista de democratização da esfera econômica. Para ele, uma economia democraticamente organizada e regulada através de ação político-democrática permitiria não apenas a otimização no uso dos recursos disponíveis, mas também a realização de uma liberdade individual plena. Como Otto Bauer, ele afirmava que numa sociedade democrática e funcional seria possível endereçar livremente quer o desenvolvimento político da sociedade, quer a produção social. Tal tipo de organização social, do ponto de vista econômico, permitiria satisfazer da melhor forma possível as necessidades humanas reais mediante o emprego mais completo possível dos meios de produção mais aperfeiçoados, mas tendo em vista, ao mesmo tempo, a minimização da fadiga do trabalho.6 Isto porque a organização democrático-funcional da economia garantiria a máxima

4 Polanyi, K., Sozialistische Rechnungslegung, Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, 49

(1922), n. 2, pp. 377-420, atualmente editado, em tradução italiana, como La contabilità socialista in: La libertà

in una società complessa, ob. cit., pp. 10-41.

5 Polanyi, K., La libertà in una società complessa, a cura di A. Salsano, ob. cit., pp. 18-19. 6

Polanyi, K., Nuove considerazioni sulla nostra teoria e pratica (1925). In: La libertà in una società

“capacidade de ver”, possibilitando seja a “visão interna” – relativa à compreensão dos aspectos qualitativos do processo econômico, a saber, das necessidades reais e da pena do trabalho – seja a “visão externa” – concernente ao conhecimento dos elementos quantificáveis de tal processo, ou seja, dos fatores da produção, inclusive a força de trabalho. Ao contrário, tanto a administração burocrática apoiada num planejamento centralizado quanto o mercado fundado nas relações capitalistas tinham “capacidade de ver” reduzida, limitada à mera compreensão externa e quantitativa do processo econômico. Por isso, tais formas de organização social eram menos eficientes do ponto de vista social, ficando fora de seu alcance a melhor utilização dos recursos sociais e naturais disponíveis.7

Durante os anos 30, na Inglaterra, onde a democracia não havia sido completamente abolida como em alguns países do continente europeu, Polanyi continuava a buscar maneiras de realizar plenamente a liberdade moderna. De fato, ele trabalhava na educação dos adultos e colaborava com iniciativas devotadas à ampliação da reflexão pública sobre os problemas sociais contemporâneos, na convicção de que era preciso dotar as pessoas dos conhecimentos necessários ao exercício do autogoverno. Em um breve artigo8 escrito em 1934 de Londres para o hebdomadário austríaco Der Österreichischer Volkswirt, Polanyi não apenas reafirmava sua convicção de que a formação “capilar” e autônoma da “opinião pública” era o fundamento substancial da democracia, mas também observava que estavam então sendo redefinidas questões sociais assaz importantes, tais como “uma nova relação recíproca entre as esferas política e econômica da sociedade” e a possibilidade de combinar “a democracia política com o princípio corporativo em economia”. Segundo ele, América e Rússia, Alemanha e Itália, Japão e uns cinquenta Estados menores experimentavam “transformações internas” mediante as quais a separação rígida entre economia e política, característica do sistema liberal, havia sido abandonada. A Inglaterra era mais refratária à mudança, porque o capitalismo liberal lhe havia permitido uma duradoura hegemonia mundial.

7 Segundo Polanyi a capacidade de visão de uma organização, isto é, sua capacidade de compreender e

solucionar os problemas depende “dos princípios a ela subjacentes”. Em sua opinião, existe uma correlação direta entre o grau de democracia presente numa organização e o nível em que a otimização social no uso dos recursos disponíveis pode ser definida e alcançada. A democracia é, ao mesmo tempo, o tipo de organização que permite a “máxima capacidade de visão” e o único princípio de organização capaz de produzir resultados ótimos do ponto de vista social. Em tal sentido, referindo-se mais especificamente a instituições tais como os partidos ou os sindicatos, o autor escreve que: “...a capacidade que tais organizações têm de cumprir sua função depende da quantidade de democracia viva que se realiza na vida cotidiana”. Polanyi, K. La libertà in una società

complessa, a cura di A. Salsano, Turim: Bollati-Boringhieri, 1987, p. 56 e p. 60.

8 Polanyi, K., L’Inghilterra riflette, (1934). In: Cronache della grande trasformazione, a cura di M.

Em um artigo de 1936, escrito depois de ter proferido, nos Estados Unidos, uma série de palestras como convidado do Institute for International Affairs de Nova Iorque, Polanyi saudava a Tennessee Valley Authority como exemplo de controle democrático da economia. Criada por Roosevelt em 1933, no âmbito de seu programa de reforma do capitalismo norte-americano e de superação do laissez-faire, a Tennessee Valley Authority teria permitido um emprego ótimo dos recursos naturais do ponto de vista do bem-estar social e do equilíbrio ecológico. A Tennessee Valley Authority, ele observava, era um “experimento” no terreno das “public utilities”, que tentava combinar “exploração econômica das fontes de energia autenticamente coletiva” com a “preocupação de salvaguardar o ambiente humano- natural”. A esta “tentativa de economia pública em grande estilo no campo da energia elétrica” se opunham firmemente as “holdings” do setor, que o Estado não conseguia mais controlar eficazmente, pois sua capacidade de influência não mais se coadunava com o sistema de livre concorrência. De fato, os “interesses puramente especulativos e alheios à indústria” das holdings contrastavam abertamente com o controle público democrático da produção e do preço da energia elétrica.9

Durante a Segunda guerra mundial, em A grande transformação10 – para explicar a crise final do sistema liberal, a transformação social da década de 1930 e a vitória do fascismo em alguns países da Europa – Polanyi começava a usar o conceito de “mercado autorregulável”. Tal conceito tinha para ele significado e função opostos ao modelo de mercado livre utilizado pela economia burguesa. Em contraste com a imagem liberal do mercado de concorrência perfeita formado por produtores absolutamente livres e consumidores completamente soberanos, para Polanyi o “mercado autorregulável” indicava um contexto social povoado por indivíduos dotados de liberdade ilusória, os quais, em sua grande maioria, haviam sido privados da possibilidade de definir suas condições econômicas de existência. Para ele, o “mercado autorregulável” remetia criticamente a uma forma historicamente específica de organização social, ao capitalismo, e não a um modelo econômico normativo de equilíbrio dos preços. O modelo econômico liberal era uma construção ideológica surgida durante a Revolução industrial, como tentativa de dar resposta programática aos problemas da fase inicial do capitalismo. Tal modelo havia sido realizado,

9

Polanyi, K., La TVA: un esperimento economico americano, (1936). In: Cronache della grande

trasformazione, a cura di M. Cangiani, Turim: Giulio Einaudi, 1993. pp. 207-216.

10

Polanyi, K., La grande trasformazione: le origini politiche e economiche della nostra epoca. Turim: Giulio Einaudi, 1974.

de forma atenuada, no sistema institucional do capitalismo liberal, cuja expressão política havia sido o Estado liberal.11

Visando combater a tentativa de F. A. Von Hayek e de L. Von Mises de reafirmar o valor da ideologia liberal, Polanyi sustentava que uma sociedade em que a economia fosse organizada pelo “mercado autorregulável” era uma “utopia”. Para ele, a ideia de uma economia organizada exclusivamente pelo mecanismo de mercado, que havia surgido durante a Revolução industrial, era um projeto político irrealizável, cuja implementação significaria a aniquilação da substância humana e natural da sociedade, bem como a subutilização de sua organização produtiva. Não obstante fosse utópica, tal ideia havia sido efetivada parcialmente nas instituições fundamentais do sistema liberal, produzindo assim um inevitável “contramovimento” de defesa e proteção da sociedade. Durante um século, o duplo movimento de expansão e restrição da organização de mercado da economia havia caracterizado a dinâmica política do sistema liberal, até seu desmoronamento final, desencadeado pela crise econômica mundial de 1929. Concomitantemente, o próprio desenvolvimento do processo de concentração capitalista havia superado de fato a economia de concorrência perfeita, tornando assim não apenas utópica, mas também obsoleta a ideologia liberal. Nas novas condições econômicas dos anos 30, certo grau de planejamento e de regulação da economia havia se tornado inevitável. O que permanecia ainda em aberto era a definição dos sujeitos, dos meios e dos fins de tais regulação e planejamento. Assim, a proposta de controle político e democrático da economia continuava atual. Tal proposta foi lançada por Polanyi no último capítulo de A grande transformação, no qual, portanto, refletindo sobre o significado da “liberdade numa sociedade complexa” e sobre “poder e valor econômico” quais “paradigmas da realidade da sociedade”, ele voltava a propor novamente o programa político democrático que vinte anos antes havia compartilhado com o austromarxismo e com o Guild Socialism britânico.12

Em um artigo de 1947, em que criticava a persistente “mentalidade de mercado” citando explicitamente como seu exemplo as ideias de F. A. Von Hayek,13 Polanyi observava que, após a superação do capitalismo do século XIX, o problema de “como organizar a vida

11 A propósito da função do conceito de “mercado autorregulável” no pensamento de Polanyi ver:

CANGIANI, M., The continuing crisis of democracy. In: K. Mc Robbie K., Karl Polanyi in Viena - The contempory significance of The great transformation. Ed. Black Rose Books, 2006, p. 33.

12 Polanyi, K., La grande trasformazione: le origini politiche e economiche della nostra epoca.

Turim: Giulio Einaudi, 1974, pp. 311-320.

13 Polanyi, K., La nostra obsoleta mentalità di mercato (1947). In: Economie primitive, arcaiche e

moderne: ricerca storica e antropologia economica (a cura di G. Dalton), Turim: Giulio Einaudi, 1980, pp.

humana na sociedade das máquinas” continuava vivo. Segundo o autor, a sociedade poderia permanecer à mercê de “elites”, de “aristocracias”, e da “grande empresa”: em tal caso ela teria que ser “ajustada mais intimamente ao sistema econômico”, que continuaria existindo inalterado. Alternativamente, a sociedade poderia tomar a via de uma consciente e responsável “intervenção programada dos produtores e dos consumidores”, no âmbito de uma democracia plena. Polanyi naturalmente continuava partidário desta última opção política.14 Referindo-se a ela, ele escrevia significativamente que “esta ação consciente e responsável é um dos modos em que a liberdade se concretiza em uma sociedade complexa”.15

Pelo menos desde o começo da década de 20, portanto, a proposta de intensificar a democracia política e estendê-la também à esfera da economia havia se tornado uma constante na obra de Polanyi. Pode-se assim afirmar que aquela proposta foi sua utopia democrática. Entretanto, a utopia democrática não era absolutamente exclusividade deste autor. De fato, o apelo e a influência daquela utopia eram consideráveis na Europa, durante os primeiros três quartéis do século XX. As principais ideias relacionadas com ela impregnavam então uma corrente de pensamento bastante difusa, cujos expoentes eram, além de Polanyi, intelectuais socialistas de alto nível como G. D. H. Cole, H. J. Laski, R. H. Tawney, O. Bauer, M. Adler, J. L. Fischer, K. Mannheim, dentre outros.

A corrente de pensamento democrático e socialista, com a qual se articulava a posição defendida por Polanyi ao longo de toda sua obra, se caracterizava pelo fato de colocar e relacionar duas exigências fundamentais: a democratização gradual e progressiva da economia e o restabelecimento da primazia da política e da cultura sobre a função econômica

14 Em 1947, Polanyi foi nomeado Visiting professor da Columbia University de Nova Iorque. Junto à

Columbia University, por mais de uma década ele continuou a dedicar-se à análise do capitalismo como forma social histórico-específica de organização da economia, deslocando porém o foco principal da análise presente em A grande transformação da crítica de tal forma social para o estudo das economias primitivas e arcaicas e do problema do método de uma teoria geral comparativa dos sistemas econômicos. Mediante o estudo comparado dos sistemas econômicos, o autor encontrou confirmação da excepcionalidade histórica da sociedade de mercado e capitalista, desvendando ao mesmo tempo a falácia das generalizações da Teoria econômica. Concomitantemente com as pesquisas concernentes às sociedades primitivas e arcaicas, ele continuou a sua incessante procura da maneira através da qual garantir a liberdade numa sociedade industrial. São deste período: Polanyi, K. Jean-Jacques Rousseau, or Is a Free Society Possible?, escrito não datado, possivelmente de 1953, Freedom and Technology, escrito não datado, mas provavelmente de 1953, The Machine and the Discovery of Society, escrito datado de 24 de abril de 1957, Freedom in a Complex Society, escrito datado de 24 de abril de 1957 e Aristotle on an Affluent Society, escrito datado de 13 de março de 1959, todos publicados mais hodiernamente, em versão italiana, na coletânea de textos de Polanyi intitulada La libertà in una società

complessa, ob. cit., de p. 161 a p. 195. Embora importantes para nossa argumentação pois manifestam a

continuidade da utopia democrática na obra de Polanyi, Tais artigos não serão comentados diretamente no presente capítulo, evitando-se assim a extrapolação dos limites temporais fixados metodologicamente para o presente trabalho, que abrange as décadas de 1920, 1930 e 1940.

15

Polanyi, K., Economie primitive, arcaiche e moderne: ricerca storica e antropologia economica (a cura di G. Dalton), Turim: Giulio Einaudi, 1980, p. 75.

da sociedade. Assim, por exemplo, R. H. Tawney, em 1920, havia proposto normativamente tal restabelecimento, também criticando duramente a inversão da ordem das funções sociais e a superioridade da função econômica na sociedade vigente.16 Alguns anos mais tarde, tal inversão foi pensada como a principal causa da “crise da democracia” por J. L. Fischer, filósofo e sociólogo tchecoslovaco, cuja crítica da tendência à “quantificação” convergia com aquela de Polanyi17. Segundo Fischer, para superar a crise vivida pela democracia política, os indivíduos deveriam se apropriar do controle de todos os meios relevantes para a definição de sua existência. A democracia deveria estender-se igualmente à economia, o que permitiria o exercício da autonomia individual também na definição dos fins e dos meios da atividade econômica, garantindo assim o fortalecimento da dimensão “qualitativa” do processo social. O desenvolvimento da democracia implicava a superação da autonomia da economia, que paradoxalmente dominava as “qualitativamente” mais altas funções sociais da política e da cultura. Caso contrário, a democracia continuaria limitada, reduzindo-se, na melhor das hipóteses, ao direito formal de voto e ao conflito entre grupos de interesse concernente à distribuição da produção social.18

Após a Primeira guerra mundial, em anos de turbulência revolucionária na Europa, o debate sobre a democracia e seus pressupostos sociais era muito intenso. Na Áustria, a constituição da República, a conquista do sufrágio universal e a participação dos socialistas no governo tornaram palpável a solução do problema moderno da liberdade individual. Não só para Polanyi, mas também para M. Adler e O. Bauer, a democracia recém- conquistada pela classe operária na esfera política poderia e deveria ser estendida também à economia. As fundadas esperanças de desenvolvimento da democracia, porém, rapidamente deixaram lugar à desilusão, acarretada pelo efetivo incremento da luta de classes durante os anos 20. Na esteira da depressão econômica prolongada, no começo dos anos 30, as forças conservadoras e fascistas conquistaram finalmente o poder político. Refletindo sobre a vitória do fascismo na Áustria e na Alemanha, em 1933, no opúsculo “O Socialismo de esquerda”19, Max Adler afirmava polemicamente a necessidade e a urgência do movimento operário voltar

16

Cfr. Tawney, R. H. The Acquisitive Society. New York: Harcourt, Brace & Co., 1920.Trad. It: Tawney, R. H. La società acquisitiva, OPERE, a cura di Franco Ferrarotti, Turim: UTET, 1975.

17 Josef Ludwig Fischer foi professor de sociologia e de filosofia junto às universidades de Brno e de

Olomouc, onde tornou-se reitor de 1946 a 1949. “Sua atividade cultural e política, escreve Sergio Corduas, foi sempre orientada, antes e após a Segunda guerra mundial, em sentido democrático e socialista”. Ver: Corduas, S. Prefazione, em: Fischer, J. L., La crisi della democrazia, Turim: Giulio Einaudi, 1977, p. IX.

18 Cfr. Fischer, J. L. (1933), La crisi della democrazia, Turim: Einaudi, 1977.

19 Max ADLER, Linksozialismus. Viena ,setembro 1933. Trad. It.: Max ADLER, O socialismo de

esquerda. (Necessárias observações a propósito do reformismo e do socialismo revolucionário). In: MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, pp. 258-286.

a se unir em torno do tradicional programa político democrático da classe operária. O movimento operário deveria responder ao fascismo lutando por uma nova e mais alta forma democrática da sociedade, que tendesse a superar os limites da mera “democracia política” com a progressiva introdução de elementos de “democracia social”. Por sua vez, em 1936, em sua última grande obra,20 Otto Bauer fundava a reproposição do programa político austromarxista dos anos 20 em uma sólida análise das principais transformações econômicas, políticas e sociais contemporâneas. Para ele, a contradição existente entre a constituição política da sociedade e sua organização social capitalista, ou seja, entre a igualdade subjacente aos direitos proclamados pela política democrática e o domínio capitalista da economia, havia produzido a “crise da democracia”. Por trás daquela contradição, estava a luta de classes, que da situação inicial de equilíbrio das forças havia evoluído, na segunda metade dos anos 20, de forma cada vez mais desfavorável à classe operária e à democracia. Com a depressão