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Os pontos fracos da estratégia política aprovada no Congresso de Linz e a derrota da social-democracia austríaca

Do Congresso de Linz à derrota de

G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre Milão, La Pietra, 1977, p 87.

6.3 Os pontos fracos da estratégia política aprovada no Congresso de Linz e a derrota da social-democracia austríaca

O Programa de Linz foi o mais brilhante resultado teórico obtido pelo movimento operário europeu no período de entre guerras, refletindo-se nele o ápice cultural e organizativo alcançado pelo austromarxismo em meados dos anos 20. Apesar de seu valor teórico e programático inquestionável, houve na plataforma programática aprovada no Congresso de Linz duas lacunas importantes que, em parte, influenciaram o desenvolvimento futuro do movimento operário austríaco e da democracia austríaca. Claro, o elemento decisivo da supressão violenta da Primeira República austríaca e da derrota do austromarxismo de 1934 foi o contexto social no qual o austromarxismo se inseriu.33 No plano das circunstâncias políticas internas, um forte dualismo e um exacerbado antagonismo de classe dominaram a conjuntura política austríaca daqueles anos, e nela “a burguesia austríaca, que nunca se havia resignado em aceitar a república e tinha continuado a considerá-la uma vergonha, da posição de poder econômico que ocupava, depois que as várias tentativas de restauração monárquica se demonstraram vãs, passou da democracia ao fascismo”.34 Quanto ao pano de fundo internacional, o período que se abriu com a crise econômica de 1929 foi extremamente desfavorável para as instituições e os valores da democracia política em nível global, bem como para as forças que a apoiavam.35 Aquele período se encerrou com a Segunda Guerra Mundial, que recolocou a locomotiva da sociedade mundial nos trilhos da modernidade. Naquela ocasião, porém, a preciosa tradição austromarxista já havia sido sepultada pela barbárie fascista e nazista.

32 Cfr. O. Leichter, Kiel e Linz. Apud MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra

tra le due guerre. Citado, p. 92.

33 Indubitavelmente, também o austromarxismo foi um (dentre os vários) fatores constitutivos daquele

contexto, tornando-se assim parte do mesmo. As iniciativas políticas que empreendeu e as discussões teóricas que animou foram influenciadas em ampla medida pelo próprio caráter austromarxista. Assim, seus valores, sua linguagem, sua abordagem, sua mentalidade, seus conflitos internos e também seus limites formaram, em parte, a realidade histórica em que operou, enfrentando os problemas contemporâneos.

34

LESER, N. Teoria e prassi dell’austromarxismo. Mondo operaio. Edizioni Avanti, 1979, p. 17.

O primeiro limite teórico do Programa de Linz do SDAPÖ foi a subestimação da importância da participação do partido no governo de coalizão, em uma conjuntura em que não apenas os partidos das classes médias,36 mas também os aparelhos do Estado federal intervinham no social, organizando quer o consenso católico do campesinato, quer o conformismo conservador do mundo pequeno burguês, em função antioperária. Quanto à questão da integração da base governista, a direção do SDAPÖ devia necessariamente levar em conta também os sentimentos e as expectativas existentes na base do partido. A permanência nos governos de coalizão sem a obtenção de avanços concretos no programa de socialização muito provavelmente teria provocado uma cisão no partido, levando parte significativa de seus integrantes a migrar para a causa comunista. Aquele limite, portanto, refletia a persistência do postulado da manutenção incondicional da unidade do partido, que a nova direção de Bauer e Adler havia herdado da tradição austromarxista de anteguerra.

O reflexo prático desse limite foi a confirmação, no Congresso de Linz, da recusa de acolher novos governos de coalizão, depois do naufrágio da primeira experiência deste tipo, ou seja, do governo capitaneado pelo SDAPÖ. Do ponto de vista estratégico, todas as esperanças foram postas na vitória nas urnas, que era vista como o meio que deveria solucionar o dualismo político existente na Áustria. Enquanto a conquista da maioria absoluta não se concretizasse, a classe operária se manteria afastada do Estado, constituindo-se como poder exclusivamente extraparlamentar, operante apenas na sociedade e nos municípios socialistas, sobretudo na “Viena Vermelha”. À medida que implicou o repúdio da possibilidade de participar em governos de coalizão dirigidos pelo Partido cristão-social para manter o partido unido e revolucionário, a estratégia aprovada a Linz deixou os governos conservadores totalmente à vontade para que pudessem indicar homens de confiança para os altos cargos do aparelho do Estado.37

O segundo limite teórico fundamental do Programa de Linz foi o deslocamento da eventual necessidade do uso da “violência defensiva” para uma situação histórica indefinida, enquanto o próprio programa confirmava a responsabilidade da classe operária pela defesa da república e da Constituição. A observação da evolução (tendencialmente fascista) de pelo menos uma parte da burguesia austríaca engendrava na direção austromarxista justificados temores acerca do futuro das instituições democráticas. Por outro lado, os expoentes da

36 Sobretudo o Partido social cristão, que havia surgido no começo do século como uma organização

integrada por pequenos burgueses animados por sentimentos anticapitalistas, havia se tornado um partido da grande burguesia e da alta finança.

37

Cfr. MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Milão, La Pietra, 1977, pp. 92-93.

direção austromarxista eram animados pela esperança de que uma conjuntura de crise que exigisse a insurreição armada em defesa das instituições republicanas nunca se tornaria realidade. Assim, no Congresso de Linz, as circunstâncias exatas nas quais a Liga de Defesa Republicana (Republikanischer Schutzbund) deveria ter entrado em ação não foram precisadas, não obstante sua existência como força armada proletária tenha sido confirmada.

A consequência política desse segundo limite foi que, não obstante a aprovação no Congresso de Linz da cláusula da “violência defensiva”, o partido nunca se empenhou a fundo na preparação prática da eventual guerra civil. Nos momentos decisivos do embate político, a social-democracia limitou-se a ameaçar o uso da violência, enquanto a decisão de utilizar efetivamente a Liga de defesa republicana foi adiada permanentemente. A iniciativa política efetiva, relativa ao uso da força organizada como instrumento de luta, portanto, foi deixada à burguesia, às suas considerações, avaliações e aos seus planos estratégicos.38

Inicialmente, a iniciativa política da burguesia austríaca foi levada adiante pelo Partido cristão-social de Ignaz Seipel. O governo capitaneado pelo Partido cristão-social, apoiado amplamente pelos aparelhos do Estado, conseguiu implementar com sucesso sua estratégia política, baseada na combinação de ações institucionais e ativismo extraparlamentar. No plano das ações institucionais, o governo dos cristãos-sociais atuou visando principalmente afetar a dimensão democrática das estruturas do Estado – por exemplo, expulsando gradualmente do exército todos os oficiais e suboficiais social- democratas – bem como enfraquecer a Liga de defesa republicana – por exemplo, confiscando seus depósitos de armamento. Quanto ao segundo aspecto da estratégia dos cristãos-sociais, seus instrumentos fundamentais foram a organização de extrema direita Combatentes do Fronte (Frontkämpfer) e a formação paramilitar de inspiração fascista Defesa da Pátria (Heimwehr), que “se havia constituído como «braço armado do Partido cristão-social no campo», em contraposição à milícia operária do ‘Schutzbund’, «braço armado da social- democracia nas cidades»”.39

A primeira evidente manifestação do sucesso da iniciativa política burguesa foram os célebres e trágicos acontecimentos de 15 de julho de 1927, que mostraram claramente que o governo cristão-social podia enfim dispor plenamente do aparelho de repressão do Estado. Em 30 de janeiro de 1927, em Schattendorf, que era um pequeno núcleo urbano provinciano,

38 Cfr. MEHRAV, P. Social-democracia e austromarxismo. In: Hobsbawm, Eric. História do

marxismo, vol 5. Citado, pp. 272-273.

39

MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Milão, La Pietra, 1977, pp. 95-96.

dois fascistas haviam disparado contra uma passeata, organizada pela Liga de defesa republicana em resposta a uma iniciativa local dos Frontkämpfer, matando dois militantes: um velho deficiente e uma criança. No processo, que ocorreu de 5 a 14 de julho, a justiça, reconhecendo várias atenuantes, absolveu os assassinos, manifestando assim abertamente sua parcialidade de classe. Motivadas pela indignação em face daquele veredito, a população proletária vienense foi às ruas e incendiou o Palácio da Justiça. A repressão policial ao protesto popular contra a absolvição dos assassinos fascistas foi violenta e sangrenta: provocou 90 mortos e mais de 2000 feridos.40

Naquele momento, sob forte pressão da base do partido, Julius Deutsch, que então comandava a Liga de defesa republicana, pediu autorização para mobilizar a milícia operária e distribuir as armas, para contra-atacar. A resposta dada pelo comitê central do SDAPÖ foi negativa: na opinião da direção, a luta armada devia ser evitada enquanto fosse possível, especialmente naquele momento em que as forças armadas haviam demonstrado sua fidelidade completa ao governo dos cristãos-sociais.41 A reação do SDAPÖ se limitou a um

40 A propósito dos acontecimentos públicos que arrebataram o proletariado vienense em 15 de julho

de 1927 e de suas trágicas consequências, Elias Canetti escreveu: “Na manhã de 15 de julho de 1927 eu não estava no instituto de químicada Währingerstrasse, como de costume; encontrava-me em casa. Li o jornal da manhã no café de Ober-St. Veit. Ainda sinto a indignação de que foi acometido quando tomei na mão o Reichspost. Lá estava a manchete em letras garrafais : “Uma sentença justa”. Em Burgenland, houvera um tiroteio; operários haviam sido mortos. A corte inocentara os assassinos. Essa absolvição foi designada, aliás, propalada como “sentença justa” no órgão do partido do governo. Foi esse escárno a todo sentimento de justiça, mais do que a própria absolvição, o que provocou uma enorme agitação entre os trabalhadores de Viena. Os trabalhadores marcharam em formação cerrada, de todos os distritos de Viena para o Palácio da Justiça, cujo mero nome para eles representava a injustiça. Foi uma reação totalmente espontânea. Senti em mim próprio essa espontaneidade. Apressei-me a ir à cidade em minha bicicleta, e me juntei a um dos cortejos.

O operariado, que costumava ser disciplinado, que tinha confiança em seus líderes social-democratas, e convencido de que a Municipalidade de Viena era por eles administrada de forma exemplar, nesse dia agiu sem seus líderes. Quando os trabalhadores quiseram atear fogo ao Palácio da Justiça, o prefeito Seitz, no alto de um carro de bombeiros, com a mão direita erguida, tentou impedir. Seu gesto foi inútil. O Palácio da Justíça ardeu em chamas. A polícia recebeu ordens de atirar. Houve 90 mortos.

Isso foi há 53 anos, e ainda hoje sinto nos ossos a excitação daquele dia. . Foi o mais próximo de uma revolução que experimentei pessoalmente. Desde então sei perfeitamente, sem precisar ter lido uma linha a respeito, como ocorreu o assalto à Bastilha. Tornei-me parte da massa, dissolvi-me completamente nela, sem sentir a mais leve resistência àquilo que ela empreendia. Admiro-me que, naquelas condições, eu tivesse a capacidade de apreender todas as cenas individuais concretas que se desenrolaram diante dos meus olhos. Quero mencionar uma delas.

Numa rua lateral, não longe do Palácio da Justiça em chamas, logo ao lado, destacando-se nitidamente da massa, estava um homem de braços erguidos, que juntava as mãos por cima da cabeça em desespero, e bradava em tom lamentoso uma vez após a outra: os arquivos estão queimando, todos os arquivos. Antes os arquivos do que as pessoas, disse eu, mas isso não o interessou,. Só tinha os arquivos na cabeça. Ocorreu-me que ele próprio talvez tivesse a ver com aqueles altos, fosse funcionário do arquivo, pois estava inconsolável, e, apesar daquela situação, o achei um tanto cômico. Mas também fiquei irritado. “ Acabaram de matar gente a tiros!” disse eu zangado, e o senhor fica aí, falando dos arquivos. Ele olhou para mim como se eu não estivesse presente, e repetiu aflito: “os arquivos estão queimando! todos os arquivos!” (...). (Elias CANETTI,

Uma luz em meu ouvido. São Paulo: Companhia das letras, 2010, p 244).

41 A proposta, avançada por Julius Deutsch, de mobilizar a Republikanischer Schutzbund dividiu a

direção do SDAPÖ. Na escolha de não utilizar a força, decisiva foi a posição defendida por Bauer, que, referindo-se à situação de turbulência revolucionária existente na Áustria em 1919, para justificar sua decisão,

artigo publicado nas páginas da «Arbeiter Zeitung» por Friedrich Austerlitz e a um discurso de protesto proferido por Bauer no parlamento, em 26 de julho.42 Aquela reação, expressão coerente do Programa de Linz, demonstrou-se não apenas inadequada diante da articulada e decidida ofensiva burguesa, mas também profundamente prejudicial ao futuro do movimento operário austríaco, significando o abalo do mito da Liga de defesa republicana como fator de autodefesa da classe operária, sobre o qual se havia fundado a estratégia social-democrata.43

Com a crise econômica iniciada em 1929, cujos efeitos foram agravados na Áustria pela brusca retirada dos capitais estrangeiros que sustentavam sua frágil economia, a iniciativa política burguesa se deslocou decididamente para direita.44 A política do Partido social cristão, agora dirigido por Engelbert Dollfuss, tomou o rumo de uma transformação em sentido autoritário do Estado.45 Dollfuss se tornou chanceler em maio de 1932, começando logo uma aproximação política com a Itália fascista. Em março de 1933, aproveitando da demissão dos três presidentes do Parlamento, Dollfuss dissolveu o legislativo. Daí em diante,

explicou: "O que não pudemos ousar num período de agudas tensões revolucionárias, sem correr o risco de um provável suicídio, ousá-lo agora, que a reação na Europa é muito mais forte, teria sido seguramente um suicídio". O. Bauer, A condição política e econômica austríaca (Die politische und wirtschaftliche Lage Osterreichs), Viena, 1927. Apud MEHRAV, P. Social-democracia e austromarxismo. In: Hobsbawm, Eric. História do

marxismo, vol 5. Citado, p. 263.

As profundas dúvidas e perplexidade que essa resposta suscitou numa parte da direção do SDAPÖ foram manifestadas, anos mais tarde, por Otto Leichter, nas seguintes palavras: "Teria sido mesmo um suicídio se os trabalhadores tivessem oposto resistência aos seiscentos policiais prontos para disparar, e tivessem assim acabado com o pesadelo dessas fuzilarias? É verdade que, em 1927, não havia na Europa uma situação revolucionária. Mas teria sido suicídio empreender a luta naquele momento, quando o movimento operário austríaco alcançara seu apogeu, enquanto mais tarde, em 1934, espremido entre uma Itália solidamente fascista e a Alemanha hitleriana, depois de quatro anos de desemprego generalizado, o partido teve de ousar sua luta última e decisiva?" O. Leichter, Riquezas e misérias da Primeira República. (Glanz und Elend der Ersten Republik). Viena, 1964. Apud Ibid, p. 263.

42 Quanto à greve geral proclamada na ocasião pelo sindicato, sua eficácia foi fortemente reduzida

pela ação das ‘Heimwehren’, que, fazendo funcionar os trens, demonstraram de terem assimilado perfeitamente a técnica de sabotagem das greves dos fascistas italianos.

43 Cfr. MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Milão, La

Pietra, 1977, p. 96.

44

Apesar disso, a SDAPÖ recusou, em19 de junho de 1931, a última oferta de coalizão feita por Seipel, confirmando assim mais uma vez a linha política aprovada a Linz. A estratégia da SPD de participar a qualquer custo da coalizão, baseada na ilusória hipótese avançada por Hilferding de que a dinâmica social modificada pela racionalização econômica dos anos 20 poderia ser totalmente integrada na luta parlamentar, não obstante fosse praticamente oposta àquela seguida pela social-democracia austríaca, levou às mesmas consequências trágicas. Apesar da fatal subavaliação por parte de Hilferding e da social-democracia alemã do perigo nacional socialista durante os anos da crise econômica (como recorda Franz Neumann no livro Behemoth), sem dúvida a maior responsável pelo processo que resultou na instituição da ditadura de Hitler, na completa subordinação da classe operária alemã e finalmente na Segunda guerra mundial e em todos os horrores inauditos que dela surgiram foi a burguesia alemã, enquanto parte constitutiva do difícil contexto histórico da época. Desse ponto de vista, como mostrarei melhor abaixo, na medida em que a responsabilidade principal pelo fim da democracia austríaca, pela guerra civil e pela derrota da classe operária austríaca foi da burguesia austríaca, as vicissitudes da República de Weimar e da primeira república austríaca não diferiram. NEUMANN, F. Behemoth: Struttura e pratica del nazional-socialismo, (1942). Milão, Mondadori, 1999, pp. 39-40.

45

Já em 1930, por exemplo, o chefe da ‘Heimwehr’, Starhenberg, passou a integrar o ministério do interior (Casa Civil).

baseando-se em dois decretos de 1914, anteriores, portanto, à Constituição republicana, começou a governar por decreto.46 A bem ver, a sincronia com a qual foram desferidos os primeiros golpes mortais à ordem democrática e ao movimento operário organizado na Áustria e na Alemanha impressiona.

Passo após passo, inexoravelmente, Dollfuss, apoiado por Mussolini, suprimiu a democracia e instituiu uma ditadura clerical fascista.47 Paralelamente, no decorrer de um ano, desmantelou todos os instrumentos de contrapoder da classe operária: em 31 de março de 1933, o Republikanischer Schutzbund foi dissolvido; em 26 de maio do mesmo ano, o KPÖ foi declarado ilegal e foram instituídos campos de concentração para presos políticos; em 1 de janeiro de 1934, as direções eleitas pelas câmaras sindicais foram destituídas e, finalmente, em 23 de janeiro, as vendas do Arbeiter Zeitung foram proibidas. Contra essa virada autoritária de Dollfuss e os assaltos cada vez mais frequentes das formações paramilitares de extrema direita às organizações operárias, em fevereiro de 1934, desencadearam-se violentos protestos em Viena. A greve geral então declarada pelo SDAPÖ logo se transformou em uma verdadeira guerra civil, que se concluiu com a derrota dos trabalhadores, cujo sistema organizado de defesa já havia sido completamente desmantelado. Depois da sangrenta vitória militar das forças armadas do Estado austríaco, Dollfuss dissolveu todos os partidos políticos, com exceção do seu próprio, a Vaterländischefront, que havia fundado em 1932, e convocou um parlamento que votou a constituição que instituiu um Estado corporativo inspirado no catolicismo e no fascismo romanos, completando, desta forma, o processo de abolição da democracia iniciado no ano anterior.48

46 Em 15 de março, quando Dollfuss impediu mediante a utilização das forças armadas a reunião do

Parlamento, que havia sido convocado pelo vice presidente Straffner, a SDAPÖ optou novamente para não aplicar a cláusula da “violência defensiva”. A passividade da social-democracia em todos os momentos cruciais do embate político, que se manifestou mais uma vez nessa ocasião, foi claramente, em parte, responsável pelo trágico epílogo da democracia austríaca. Não obstante em um escrito publicado logo depois da derrota Bauer definisse essa escolha “o mais fatal de nossos erros”, na realidade ela foi apenas o resultado dos limites presentes no Programa de Linz, e mais uma manifestação de seus efeitos práticos. O. Bauer, A rebelião dos trabalhadores austríacos (Der Aufstand der österreichischen Arbeiter). Praga, 1934. Apud MARRAMAO, G. Austromarxismo

e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, p. 98.

47 “A tal propósito, – salienta justamente Marramao – é preciso lembrar aqui a diferença fundamental

que existe entre o “fascismo” austríaco e o fascismo italiano e alemão: o “fascismo” austríaco consistia, como o mesmo Bauer destacou em 1936, em uma combinação de ideologia fascista e clericalismo católico; não era portanto “o resultado natural de elementares movimentos de massa e de lutas de classe”, mas um produto artificial “imposto pelo Estado às massas populares”: não por acaso, o movimento contra revolucionário austríaco continha em si o germe da discórdia entre os fautores da anexação à Alemanha e aqueles orientados em sentido austríaco-patriótico, ou seja, entre o nacionalismo fascista financiado pela indústria pesada (controlada pelo capital alemão) e a reação amarelo e preta guiada pela grande propriedade fundiária”. Cfr. MARRAMAO, G. Austromarxismo e socialismo di sinistra tra le due guerre. Citado, p. 96.

48 Uma vez submetida a classe operária e destruída a democracia, a divisão existente na corrente

reacionária da política austríaca entre nazistas e fascistas clericais, até então latente, se impôs. Os nazistas fizeram uma primeira tentativa de golpe já em julho de 1934, na qual Dollfuss foi assassinado. Naquela ocasião,

Sem dúvida, amplos setores da burguesia austríaca, como partes constitutivas do contexto social da época, foram os maiores responsáveis pelo processo político que resultou na instituição da ditadura de Dollfuss, na guerra civil e na derrota da classe operária. Vale a