• Nenhum resultado encontrado

A prova e o problema da subsunção

6.5. A interpretação da norma jurídica e a prova

6.5.1. A prova e o problema da subsunção

Já vimos, no capítulo III, quando tratamos da fenomenologia da incidência tributária, que o aplicador do direito faz incidir a norma jurídica no fato social, juridicizando-o.

A partir da norma jurídica geral e abstrata, pela subsunção, são elaborados juízos jurídicos concretos, normas individuais e concretas. Subsumir é, nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO31, uma inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta,

31

A LINGUAGEM JURÍDICA DAS PROVAS – CONSIDERAÇÕES GERAIS • 120

localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata.

Bem, o Direito estatui o modo como in concreto as pessoas devem se conduzir. Indica, hic et nunc, como devemos ou não devemos agir. É efetivamente a norma jurídica geral e abstrata que, em primeira linha, nos informa sobre o concreto dever-ser jurídico. Em outros termos: é o princípio da legalidade (já salientado no capítulo IV, item 4.7.1), corolário do Estado de Direito, irradiando efeitos por todo o sistema jurídico.

Porém, ensina-nos KARL ENGISCH32, que a lei será apenas um dos elementos entre os vários que concorrem para fixar o conteúdo do dever- ser concreto, porquanto são as operações lógicas reveladas que farão parte dos processos de pensamento para a efetiva aplicação da lei. E se utiliza do direito penal para exemplificar como se dá a aplicação da norma jurídica geral e abstrata e a subsunção do fato à norma. São suas as palavras:

“Ninguém pode ser punido simplesmente por ser merecedor da pena de acordo com as nossas convicções morais ou mesmo a ‘sã consciência do povo’ porque praticou uma ‘ordinarice’ ou um ‘facto repugnante’, porque é um canalha, ou um ‘patife’ – mas só o pode ser quando tenha preenchido os requisitos daquela punição descritos no ‘tipo (hipótese) legal’ de uma lei penal,…”

E, a partir daí, narra o caso em que o Tribunal de Reich achou-se impedido de qualificar e punir como furto o desvio de energia elétrica porque não pode subsumir a energia elétrica ao conceito de ‘coisa’. Nessa linha de raciocínio, conclui que, com base numa premissa maior deve ser extraída a

32

premissa menor. A partir das implicações gerais com conteúdo normativo, são obtidas, por via dedutiva, as proposições normativas concretas. 33

Na denominada premissa menor se acha, contudo, a mencionada subsunção, conexa com uma verificação dos fatos que são subsumidos. A esta verificação dos fatos está atrelada a produção das provas.

6.5.1.2. As dificuldades da subsunção

As dificuldades da subsunção se assentam nas imprecisões dos conceitos dos vocábulos trazidos pelas normas jurídicas. Por exemplo: a Lei Complementar nº 87/96 estatuiu, no art. 2º, I que o imposto (ICMS) incide sobre: “I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;”

Então, indaga o aplicador do direito, qual é o conceito de mercadoria? Estamos aí diante de um problema semântico da linguagem. Questiona-se o que deve ser subsumido ao conceito de ‘mercadorias’? Qual a abrangência da Lei Complementar nº 87/96 e Lei do Estado de São Paulo nº 6.374/89, instituidora do ICMS nesse estado? Quais os objetos que devem ser incluídos na subclasse denominada mercadorias? Os softwares são mercadorias? A Jurisprudência se depara com a dificuldade da questão da subsunção.

A norma jurídica para a descrição do tipo legal se serve de conceitos. Já vimos e não podemos deixar de, mais uma vez, mencionar: o direito é texto e contexto. É linguagem e expressa-se em linguagem.34

33

Karl Engisch., op. cit., pp. 83-84.

34

Por isso, nesta linha de raciocínio, GREGORIO ROBLES entende o direito como um sistema de comunicação, e não apenas como uma ordem coativa da conduta humana, um meio de controle social ou um ideal de justiça. O texto jurídico é, assim, organizador-regulador. “Cada ordenamento jurídico é um texto gerado por atos de fala, que denominamos decisões jurídicas”. As unidades elementares do texto jurídico são as normas jurídicas. (O direito como texto, p. 1)

A LINGUAGEM JURÍDICA DAS PROVAS – CONSIDERAÇÕES GERAIS • 122

ENGISCH nos alerta para os seguintes aspectos a respeito da subsunção: “Havemos de ter em mente duas coisas. Na subsunção, tal como agora a encaramos, trata-se primariamente da sotoposição de um caso individual à hipótese ou tipo legal e não directamente da subordinação ou enquadramento de um grupo de casos ou de uma espécie de casos. Em segundo lugar, devemos ter presente que, como já acentuamos, nos representamos a subsunção como uma subsunção nova, uma subsunção a fazer pela primeira vez, e não, portanto, como simples repetição rotineira de subsunções que já muitas vezes foram feitas para casos do mesmo tipo.”(Sic)

Em síntese, a subsunção ocorre por um enquadramento de uma situação, fato (enunciado lingüístico) a uma classe35de conceitos jurídicos.

Será que o elemento (objeto) software pertence à classe do conceito jurídico geral denominado mercadoria designado pela hipótese abstrata, antecedente da regra jurídica que institui o ICMS?

Para ENGISCH36, a interpretação do conceito jurídico é pressuposto lógico da subsunção, pertencendo o problema aos domínios da hermenêutica.

Na concepção de que interpretar é atribuir valores aos símbolos, adjudicando-lhes significações, PAULO DE BARROS CARVALHO37 oferece um modelo de interpretação que pode ser aplicado em qualquer segmento do direito posto. A partir da análise do discurso, elaborou o percurso na construção do sentido, baseado na leitura, interpretação e compreensão do texto. É o que veremos a seguir.

35

Classe aqui significa um grupo de objetos equivalentes entre si, devido a características essenciais como pontos de referência para a comparação.

36

Op. cit., p.96.

37