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Evento, fato jurídico e suporte fáctico

O

conceito de fato jurídico é conceito jurídico básico e fundamental. Não é conceito específico de um ramo do direito, por isso o seu estudo pertence à Teoria Geral do Direito. É conceito básico do Direito Civil, Comercial, Penal e Tributário. O universo jurídico é composto, também, por fatos jurídicos, uma vez que estes ocupam a posição de antecedente da norma jurídica concreta1.

Porém, antes de adentrarmos no estudo dos fatos jurídicos, na esteira de PAULO DE BARROS CARVALHO2 e TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR3, faz-se necessário distinguirmos fato de evento.

O fato não é algo concreto, mas um elemento lingüístico que organiza uma situação existencial como realidade. É elucidador o exemplo dado pelo ilustre jusfilósofo:4

1

A norma jurídica abstrata não é composta, no seu antecedente, por um fato jurídico, porém apresenta na hipótese os critérios para o seu reconhecimento, como veremos adiante.

2

Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência, pp. 85-86.

3

Introdução ao estudo do direito, p. 253.

4

“A travessia de Rubicão por César é um evento. Mas ‘César atravessou o Rubicão’ é um fato. Quando, pois, dizemos que ‘é um fato que César atravessou o Rubicão’, conferimos realidade

ao evento”.

O fato constitui em realidade o evento que ele afirma ter ocorrido e, pois, assume o status de um enunciado verdadeiro. Isso em função do uso competente da língua. Fato, é, portanto, um enunciado lingüístico de uma dada realidade, seja ela no camposocial, histórico, político e, até mesmo, jurídico. Já o evento é a própria realidade sem revestimento lingüístico5.

A norma jurídica, significação constituída pela bimembridade: antecedente/conseqüente, no seu primeiro membro, descreve um fato de possível ocorrência no mundo (fato esse da classe dos sociais). Se esse fato ocorrer no mundo físico, concreto e após um ato humano de aplicação, dará ensejo ao fato jurídico. Da norma geral e abstrata, pelo ato de aplicação humano, se chega à norma individual e concreta, realizando-se o denominado processo de positivação do direito. O fato social é o suporte do fato jurídico estatuído pela norma. Enquanto não houver uma norma que regule o fato social, manterá ele a sua qualidade de social, nunca vindo a penetrar o universo jurídico. Porém, uma vez previsto na norma, e ocorrido no mundo fenomênico, após sua constituição em linguagem jurídica, torna-se relevante para o campo jurídico, vindo a compor o antecedente da norma individual e concreta. O fato jurídico constitui, pois, o elemento fundamental de toda a juridicidade.

Nesse sentido, afirma LOURIVAL VILANOVA6, “O conceito de fato jurídico é conceito-limite. Fora do conjunto de fatos jurídicos, ali onde

5

No campo jurídico, o termo evento será utilizado referindo-se aos fatos da realidade social sem revestimento de linguagem jurídica, ou seja, enquanto não forem constituídos na linguagem admitida pelo direito.

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nenhuma norma alcance o fato para relacioná-lo com efeitos jurídicos, há fato juridicamente neutro, juridicamente irrelevante”.

MARCOS BERNARDES DE MELLO, percebendo a abrangência e a importância do assunto, escreveu a obra Teoria do fato jurídico, sob o enfoque de diversos planos: da existência, da validade e da eficácia.7 Nas palavras do mestre:

“O mundo é uma sucessão permanente de fatos. Sempre que fatos, sejam eventos, condutas, interferem de modo relevante nas relações inter-humanas, gerando a possibilidade de entrechoques de interesses, a comunidade jurídica, através de normas jurídicas, os erige à categoria de fatos jurídicos, regulando-os e atribuindo-lhes consequências jurídicas que dizem respeito a essas relações.

No mundo jurídico, por essa razão, somente são admitidos os fatos que as normas jurídicas qualificam como jurídicos. A juridicização do fato cria fato novo no mundo (o fato jurídico), distinto do fato que constituiu seu suporte fáctico.”

Porém, o enunciado lingüístico de uma dada realidade só se torna relevante juridicamente se, uma vez previsto em norma jurídica geral e abstrata, for produto de um ato de aplicação. Em outras palavras, o enunciado não será reconhecido no campo jurídico enquanto não for relatado em linguagem própria do direito. É o relato em linguagem própria do direito que dá ao fato o status de jurídico. Fato jurídico será, portanto, o enunciado lingüístico produto de um ato de aplicação do processo de positivação do direito.

7

Cada um destes planos: existência, validade e eficácia deu ensejo a uma obra. Teoria do fato jurídico – plano da eficácia, pp. 5-7.

No campo tributário, MARCOS BERNARDES DE MELLO8 ressalta que o impropriamente denominado fato gerador da obrigação tributária é o fato jurídico, portanto, o suporte fáctico depois da incidência, já juridicizado, e não o suporte fáctico apenas.

Daí, fato jurídico tributário será, neste trabalho, tomado no sentido ressaltado por PAULO DE BARROS CARVALHO9, como um enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito. E evento, como os fatos da realidade social, enquanto não forem constituídos em linguagem jurídica própria.

Por sua vez, o suporte fáctico é um conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, porquanto somente depois de se concretizarem no mundo os seus elementos é que pelo ato de aplicação a norma incidirá e fará nascer o fato jurídico; daí sim, este pertencente ao campo do direito.É, pois, suporte fáctico a referência que fazemos a um evento, fato ou conduta que poderão ocorrer no mundo (dados esses, pois, da realidade) e que, por terem sido considerados relevantes, tornaram-se objetos da normatividade jurídica. “O fato jamais entra em suporte fático em sua simplicidade de fato puro. A norma jurídica o toma sempre em certo sentido que, no mínimo, consiste na sua referência utilitária à vida humanana em interferência intersubjetiva”. Suporte fáctico=fato + valoração.10

Com base nestes conceitos, vamos analisar o fenômeno da incidência da norma jurídica tributária.

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Teoria do fato jurídico, p. 34. O autor, ao tratar do suporte fáctico, faz alusão a duas conotações, a saber: a) suporte fáctico hipotético e b) suporte fáctico concreto; o primeiro refere-se à hipótese prevista pela norma sobre a qual, se ocorrer, dará a sua incidência e, o segundo, aquele fato previsto na hipótese já concretizado no mundo.

9

Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência, p. 105.

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