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Vimos, quando tratamos da classificação da prova que, quanto ao objeto, os doutrinadores costumam classificá-la em direta e indireta. As diretas indicam ao julgador, sem maiores esforços intelectuais, pois, por uma relação

direta, o fato probando; enquanto que as segundas referem-se a outro fato que não o fato probando, porém a ele relacionado, daí podendo o julgador inferir, a partir de outros fatos, o fato jurídico tributário. Nesse caso, para BONILHA36, “trata-se, assim, de conhecimento indireto, baseado no conhecimento objetivo do fato base, ‘factum probatum’, que leva à percepção do fato por provar (‘factum probandum’), por obra do raciocínio e da experiência do julgador.”

Nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO37, o que denominam-se presunções é um resultado lógico, pois, quando há uma relação material entre dois acontecimentos do mundo, por força da verificação empírica de um, nossa mente é conduzida a reconhecer a realização física do outro.

ALFREDO AUGUSTO BECKER38 também se refere às presunções como “o resultado de um processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável.”

Já o indício consiste no fato conhecido que conduzirá, por inferências, a um outro fato que se quer atingir, o fato probando, até então não conhecido. Se do fato conhecido (indício) se chegar ao fato desconhecido, ter- se-á a presunção. A doutrina, assim, refere-se à presunção como sendo a conseqüência positiva do resultado lógico do raciocínio do julgador. E, normalmente, as classifica em: presunções legais absolutas ou presunções legais relativas. As primeiras são aquelas que, mediante o raciocínio prévio do legislador, uma vez sendo verificado, pelo aplicador, o fato conhecido (fato- indício), o resultado decorrerá da lei e por isso não admitem prova em contrário (presunções absolutas ou juris et de jure); e por outro lado, as

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Op. cit., p. 92.

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“A prova no processo administrativo tributário”, Revista dialética de direito tributário nº 34, p. 109.

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presunções relativas, aquelas em que a lei estabelece o fato como verdade até prova em contrário (juris tantum).

Entretanto, com base nas premissas deste trabalho, já salientamos que a prova é indício (capítulo VI, item 6.6), portanto, marcas apreendidas do evento, sinais, a partir dos quais se chegará aos fatos jurídicos tributários. O direito nunca atingirá o evento na sua total inteireza, apenas tangencia-o para a formação da convicção do seu aplicador, que terá contato somente com as marcas por ele (evento) deixadas.

Nessa linha de raciocínio, entendemos que a prova tem como objeto fatos, que irão provar outros fatos (como visto no capítulo VII, item 7.1), isto é, fatos implicam fatos. Se conhecemos os fatos F1e F2 e F3 então, concluo, por uma operação lógica, que ocorreu o fato jurídico tributário F. Representando: (F1.F2.F3)→F. Onde houver prova haverá um vínculo de implicação entre um ou mais enunciados e outro enunciado. Esta implicação é o que se denomina presunções. Assim, as presunções enquanto operações lógicas, sempre estarão presentes na prova de um fato ou evento que constituirá outro fato. Daí porque as presunções podem ser consideradas: a) presunções comuns ou hominis e b) presunções legais. Estas últimas se subdividem em: b.1) absolutas e b.2) relativas.

As presunções hominis são aquelas implicações que ocorrem no próprio raciocínio humano, por uma inferência natural do ser humano que, no momento da aplicação do direito, conclui o fato. Porém, apenas se tornam relevantes para o direito quando o aplicador emitir a norma individual e concreta que a introduza no universo jurídico.39

Já as presunções legais são aquelas implicações que, apesar de também terem sido construídas por inferências do raciocínio do homem,

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Daí que Maria Rita Ferragut, com propriedade, conclui que todas as presunções existentes em nosso ordenamento jurídico são legais porque somente adentram no universo jurídico e produzem efeitos jurídicos se reconhecidas por normas jurídicas, mesmo as individuais e concretas (Op. cit., p. 66).

possuem o seu resultado antecipadamente previsto em lei, denominando-se absolutas aquelas que, sendo tidas como verdade, não admitem prova em contrário. Por outro lado, as presunções legais relativas, que também possuem o resultado do raciocínio humano previsto na lei, são as que admitem prova em contrário. Para a expedição do lançamento tributário, sempre o administrador deverá basear-se nas provas. No caso das presunções legais, a prova será do fato do qual se infere o fato jurídico tributário.

Concordamos com MARIA RITA FERRAGUT40 ao aduzir que as presunções absolutas, que não admitem prova em contrário, não são propriamente presunções. São qualificações materiais de fatos jurídicos, portanto, regras jurídicas que estabelecem a existência de fato jurídico sem que se possa provar o contrário. São veículos introdutores gerais e abstratos, estatuindo que se reconheça, sempre que provada a existência de certo fato, um outro fato. “Aí reside o problema, que desqualifica a regra como espécie de presunção: o fato jurídico que deveria ser meramente processual transforma-se em fato jurídico material, deixando a ‘presunção’, com isso, de contemplar uma probabilidade para veicular uma verdade jurídica necessária.” E conclui reconhecendo que embora as regras de presunções absolutas se utilizem de um raciocínio presuntivo pré-jurídico, tendo em vista que não admitem prova em contrário, não podem ser consideradas como instrumentos de prova.

LUIS CÉSAR SOUZA DE QUEIROZ41 também comunga do mesmo pensamento, para quem: “a denominada ‘presunção juris tantum (ou presunção relativa)’ é verdadeira presunção; enquanto a denominada ‘presunção jure et de juris (ou presunção absoluta)’ não é uma presunção. Esta última, segundo os tratadistas, é a que não comporta prova em contrário, é

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Presunções no direito tributário, p. 64.

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uma ‘verdade jurídica’. Em rigor, a presunção absoluta refere-se a algo que, independentemente de existir, não interfere com os efeitos juridicamente previstos; ou seja, o Direito atribui determinados efeitos, sem depender da realização de um certo fato, o qual é irrelevante juridicamente para tais fins”.

Portanto, nessa linha de raciocínio, entendemos que no campo do direito tributário, as presunções absolutas são inadmissíveis para determinar a ocorrência de fato jurídico tributário e constituir a relação jurídica que a partir dele se instaura. Se assim não fosse, estariam sendo violados os princípios constitucionais tributários, especialmente da tipicidade e da estrita legalidade, da ampla defesa e do contraditório, que devem ser acima de tudo preservados. O princípio da tipicidade requer a constituição do fato jurídico tributário com todos os elementos do tipo, tal qual previsto em lei. Nesse sentido, o fato jurídico tributário é um fato típico, o qual, para produzir seus efeitos, deve corresponder, em todos os seus elementos ao tipo abstrato previsto na lei. A tipicidade exige que a formulação da lei tributária seja pautada: a) na proibição de cláusulas gerais, sendo a imposição realizada seletivamente; b) na completude e exclusividade dos comandos, com a proibição de normas de reenvio; c) em expedição de comandos claros e determinados, sendo o mais expresso possível; d) na conseqüente proibição da analogia.42

Entretanto, no campo das presunções legais relativas (juris tantum, que admitem prova em contrário), considerando que visam suprir dificultades da produção da prova, reconhecemos a possibilidade de sua utilização pelo legislador pátrio. MISABEL DERZI43, ao tratar do Tipo no Direito Tributário, ressaltou a praticabilidade. Esta, segundo a autora, é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis. Essas técnicas têm como objetivo primordial a dispensa da

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Para a realização do ato administrativo de lançamento tributário o agente fiscal deve pautar-se na legalidade e na tipicidade. Vide, a respeito da tipicidade o capítulo IV, item 4.6.1 deste trabalho.

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colheita de provas difíceis ou mesmo impossíveis no caso em concreto. Assim, as presunções legais são meios a que recorre o legislador para atingir a praticabilidade.

Portanto, conciliando o princípio da tipicidade com a praticabilidade, entendemos que ambos, conjuntamente, contrabalaçam, na dose certa, o sistema tributário, dando, pois, a possibilidade de utilização das presunções relativas restritamente aos casos estipulados expressamente em lei.

Sobre o assunto PAULO DE BARROS CARVALHO44 assim se expressa: “Para que se configure o fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na hipótese. Que apenas um não se verifique, e a dinâmica que descrevemos ficará inteiramente comprometida.” Daí porque entende que a presunção legal, no que concerne ao núcleo do fato imponível, não é aceita no direito positivo brasileiro, com raríssimas exceções.

Em conclusão, entendemos que as presunções relativas podem ser utilizadas no campo tributário, porém, de modo bem restrito. Assim consideramos, porquanto possibilitam ao administrado apresentar sua defesa e provar a negativa da constituição do fato jurídico, a denominada prova em contrário. Sempre respeitando-se o devido processo administrativo tributário estatuído pelo legislador pátrio, bem como a ampla defesa e o contraditório. Entretanto, se a prova contrária, que descaracteriza o fato presuntivo, for impossível ou muito difícil de ser produzida pelo particular, entendemos que consiste em cerceamento de defesa e, assim, não pode ser reconhecida pelo sistema jurídico.

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“A prova no procedimento administrativo tributário”, Revista dialética de direito tributário nº 34, p. 111.

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A propósito, convém registrar a opinião de MARIA RITA FERRAGUT45 sobre o tema:

“Tratando-se de instituição de obrigações tributárias, temos que a proposição geral e abstrata que contém uma presunção legal relativa é constitucional se o fato for típico, se inexistirem provas em sentido contrário, e se todas as condições para a admissibilidade das presunções tiverem sido cumpridas (observância dos princípios constitucionais já citados, para a presunção hominis, e subsidiariedade na aplicação da regra).”46

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Op. cit., p. 78.

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Os princípios constitucionais que a autora defende serem respeitados são da segurança jurídica, legalidade, tipicidade, igualdade, capacidade contributiva, razoabilidade, proporcionalidade e ampla defesa.

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APÍTULO IX

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