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Retomando a questão da verdade formal versus verdade material

5.4. A busca da verdade ‘material’ no processo administrativo tributário

5.4.3. Retomando a questão da verdade formal versus verdade material

Retomemos aqui a questão da verdade formal versus verdade material (ou real) no processo administrativo fiscal, já trazida neste trabalho

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No ordenamento jurídico processual civil brasileiro, o juiz não se limita a assitir inerte à produção de provas, pode ele assumir a iniciativa destas, conforme Artigos 130 do Código de Processo Civil: “Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. Neste sentido, também, o artigo 342 do mesmo diploma legal: “Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa”. Desse modo, o sistema adotado revela-se uma conciliação do princípio dispositivo com o da livre investigação de provas.

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Op. cit., p.66. Salienta o mencionado autor que o sistema da livre investigação de provas é uma tendência global.

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no item 5.4. deste capítulo.24 A doutrina entende que no processo fiscal busca- se a verdade material.

EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO25, citando LUIZ HENRIQUE BARROS DE ARRUDA registra que:

“Contrariamente ao que se dá, em regra, no processo judicial, em que prevalece o princípio da verdade formal, no processo

administrativo, não só é facultado ao reclamente, após a fase inaugural, levar aos autos novas provas…, como é dever da autoridade administrativa atentar para todas as provas e fatos de que tenha conhecimento, ou mesmo determinar a produção de provas, trazendo-as aos autos, quando sejam capazes de influenciar na decisão”.

Reafirmamos que entendemos não ser adequada a classificação da verdade jurídica em verdade material e verdade formal. Essa distinção não procede. A verdade no direito é aquela relatada em linguagem jurídica, ou seja, relatada na forma e de acordo com as regras do sistema e, desse modo, reconhecida pelo próprio sistema jurídico.

A verdade da ocorrência do fato jurídico tributário deve ser buscada, a fim de ser provada, na forma e dentro dos limites impostos pelo sistema. Por exemplo, é inadmitida a prova obtida por meios ilícitos (art. 5º, inciso LVI da CF/88).

Portanto, afirmamos: o direito nunca atingirá a verdade dos fatos, apenas reconhece os fatos sociais “traduzidos” em linguagem jurídica, dentro de um discurso jurídico portanto. Relacionando esse raciocínio com a busca da verdade jurídica (sem distinção entre verdade material e verdade formal), entendemos que, apenas quando o evento for enunciado na linguagem jurídica,

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Vide também capítulo II, item 2.3.3, deste trabalho.

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isto é, na forma reconhecida pelo direito como verdade para o universo jurídico, só assim será provado o fato jurídico tributário.

Sendo o direito linguagem, existe enquanto discurso e comunicação. Desse modo, a investigação dos fatos jurídicos tributários nunca atingirá a coisa em si, ou seja, o evento, mas sim, apenas aquilo que do mundo fenomênico é trazido para o campo jurídico, quando relatado na linguagem jurídica. Isto porque, já salientamos, no capítulo I, item 1.6., o direito é um sistema autopoiético, ou seja, nas palavras de BARROS CARVALHO, “ostentam a ‘clausura operacional’: são fechados no plano operacional, mas abertos em termos cognitivos. Isto quer significar que o direito se comunica com os outros sistemas sociais, mas de forma exclusivamente cognoscitiva.” E conclui o mestre da PUC/SP e da USP: “Seu modus operandi é totalmente alheio a qualquer influxo do meio exterior, seja do ‘mundo da vida’, seja de outras organizações sistêmicas de caráter autopoiético, como Economia, Política, Moral, Religião etc.”

Ora se o sistema jurídico é autoconstitutivo e articula-se entre si de forma auto-reprodutiva, como um hiperciclo, como pode receber diretamente interferência do mundo fenomênico buscando uma verdade tal qual ocorrida no mundo fenomênico? Como pode ser admitida a denominada verdade real (ou material) no processo administrativo tributário, ou melhor, no próprio sistema jurídico? Somente será reconhecida pelo sistema jurídico a verdade enunciada na forma estipulada pelas regras do direito positivo.

SUZY GOMES HOFFMANN26 compartilha deste entendimento. São suas as palavras:

“Essa linguagem própria do direito é usada para regular as condutas dos homens em sociedade. E, somente os fatos que

adentrarem pela linguagem própria do direito farão parte de

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seu campo de conhecimento, de tal forma que tudo aquilo que não estiver relatado na linguagem admitida pelo direito não será por ele conhecido.” (grifos nossos)

Contudo, não poderíamos deixar de trazer a lume as esclarecedoras palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO27 que, com a didática que lhe é peculiar, nos dá o seguinte exemplo:

“Não é suficiente que ocorra um homicídio. Mister se faz que possamos contá-lo em linguagem jurídica, isto é, venhamos a

descrevê-lo consoante as provas em direito admitidas. Se não

pudermos fazê-lo, por mais evidente que tenha sido o acontecimento, não desencadeará os efeitos a ele atribuídos. E, nessa linha de pensamento, sendo suficiente para o

reconhecimento jurídico a linguagem que certifica o evento, pode dar-se, também, que não tenha acontecido o crime, isto é, em termos de verdade material, não tenha ocorrido. Todavia, se as provas o indicarem, para o direito estará constituído.”(grifos nossos)

A verdade jurídica, insistimos, é aquela relatada na linguagem do direito, na forma por ele mesmo reconhecida. No processo administrativo tributário, a linguagem jurídica será aquela produzida de acordo com os enunciados prescritivos da legislação disciplinadora do processo administrativo fiscal, seja federal ou estadual.

Nos próximos capítulos trataremos mais detalhadamente dessa linguagem jurídica produzida de acordo com as regras desse “jogo” denominado sistema jurídico (principalmente no capítulo VIII, quando tratarmos dos meios de prova).

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5.4.3.1. Análise da legislação que dispõe sobre o processo administrativo fiscal e nossa interpretação sobre a busca da verdade

Diante de todo o exposto, a respeito da busca da verdade, vamos analisar a legislação pertinente ao processo administrativo tributário federal estadual e construir nossa interpretação.

No âmbito federal, eis a prescrição do art. 18 do Decreto nº 70.235/72 – que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, alterado pela Lei nº 9.532/97:

“Art. 18. A autoridade julgadora de primeira instância

determinará, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências ou pericias, quando entendê-las

necessárias, indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis, observando o disposto no art. 28, in fine.

§ 1º. Deferido o pedido de perícia, ou determinada de ofício,

sua realização, a autoridade designará servidor para, como

perito da União, a ela proceder e intimará o perito do sujeito passivo a realizar o exame requerido, cabendo a ambos apresentar os respectivos laudos em prazo que será fixado segundo o grau de complexidade dos trabalhos a serem executados.

§ 2º. Os prazos para realização da diligência ou perícia poderão

ser prorrogados, a juízo da autoridade”. (grifos nossos)

O artigo 29 da mesma lei, confirma esta prescrição:

“Art. 29. Na apreciação da prova, a autoridade julgadora

formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias”. (grifos nossos)

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Nesse mesmo sentido, dispõe a legislação do âmbito estadual, Lei do Estado de São Paulo nº 10.941/01, arts. 22 e 23:

“Art. 22 – O órgão de julgamento poderá promover diligências

necessárias à instrução do processo.

Art. 23 – O órgão de julgamento apreciará livremente a prova, devendo, entretanto, indicar expressamente os motivos de seu convencimento.”

Portanto, concluímos que: o julgador, no processo administrativo tributário, não deve assumir uma postura inerte, pode ele requerer diligências e determinar perícias. Vigora aqui, no processo administrativo tributário, a ‘livre’ investigação da prova, pois há a possibilidade de o aplicador do direito participar da produção das provas numa posição mais ativa do que aquela prevista no denominado princípio dispositivo, já mencionado no item 5.4.2 deste trabalho.

Porém, sempre de acordo com o direito posto.

Com base nisso, as provas e os elementos de conhecimento público ou que estejam de posse da Administração somente podem ser levados em conta para a descoberta da verdade jurídica enquanto relatados na linguagem jurídica e na forma prescrita pelo direito positivo, dentro dos limites da licitide da sua obtenção e do momento da sua apresentação.

É essa a interpretação que podemos empreender, com fulcro nas premissas adotadas neste trabalho, a respeito do sistema de provas estabelecido pelo ordenamento jurídico brasileiro no processo administrativo tributário.

T

EORIA DA

P

ROVA NO

P

ROCESSO

PARTE II • 106

E

mpreender o trabalho de construção de uma teoria significa apresentar um sistema de definições, leis, axiomas, a fim de se compreender determinado fenômeno, no nosso caso, a prova do fato jurídico tributário. Isso não é tarefa fácil. Ainda mais quando o objeto tratado está no campo dos objetos culturais, como o direito, que suscita diversas interpretações de sentidos.

Todavia, sem as teorias não há avanços científicos. Sem as teorias de Newton o homem não teria chegado à lua – assim o diz e demonstra Sagan.1 Sem o húmus teórico, o direito tributário dificilmente passaria de vegetação rasteira, ao sabor dos “ventos” e do aprisionamento do praticismo.

Conforme adverte DELLEPIANE2, uma teoria da prova aplicável ao campo jurídico está inserida em uma teoria mais ampla, rigorosamente lógica e exata, denominada método reconstrutivista ou metodologia das ciências reconstrutivistas. É um método geral para a reconstrução de coisas, fatos ou atos, pois se trata “de ir de los rastros dejados por las cosas, hechos o

1

J.J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 3.

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seres, a estos mismos seres, hechos o cosas”. Nesse sentido, estudar a prova sob a ótica da lógica é similar, tanto para o direito como para outras ciências. Tanto o juiz e aplicador do direito, quanto o historiador, o lingüista e o paleontólogo recorrem a investigações similares e realizam análogas operações mentais a fim de valorar e obter conclusões. Trata-se de atividades análogas, servindo-se de métodos similares, porém, com peculiaridades específicas. O direito reconstrói o passado para conhecer quem tem razão no presente e também regula as condutas do futuro.3 Porém, é o próprio direito que indica os meios e modos pelos quais os fatos do mundo fenomênico ingressarão no sistema jurídico.

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A LINGUAGEM JURÍDICA DAS PROVAS – CONSIDERAÇÕES GERAIS • 108

C

APÍTULO VI

A

L

INGUAGEM

J

URÍDICA DAS

P

ROVAS –

C

ONSIDERAÇÕES

G

ERAIS

P

6.1. O

odemos estudar a prova, enquanto linguagem, sob as três dimensões semióticas: a sintática, a semântica e a pragmática. A primeira enfoca a estrutura formal do enunciado lingüístico mediante a análise lógico- formal das proposições lingüísticas sobre a prova e suas conexões recíprocas. Estuda os instrumentos de prova admitidos pelo direito positivo e as relações que mantêm entre si. A segunda, dimensão semântica, estuda o sentido das proposições jurídicas sobre a prova e seus conteúdos. E o terceiro plano da semântico da prova, a pragmática, se ocupa de investigar o ‘uso’ da linguagem utilizada pelas partes para o convencimento do aplicador do direito nas decisões jurídicas. Vejamos o estudo da prova sob uma ótica semântica.

s três planos da linguagem

6.2. A prova sob o aspecto semântico: análise do vocábulo