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O ato de fala que constitui o lançamento tributário

Já consideramos no capítulo I, item 1.5, a teoria dos atos de fala formulada por J.L. AUSTIN e seguida por J. SEARLE, na qual o proferimento de uma frase, um ato de fala, constitui a realização de uma ação. Pois bem. Retomemos aqui alguns pontos. Nos proferimentos performativos,

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Curso de direito tributário, p. 377.

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diferentemente dos atos constatativos13, o locutor realiza uma determinada ação tão-só com o proferimento do ato de fala, como, por exemplo, o casamento, o juramento, a promessa, a nomeação. A totalidade da ação lingüística, a dimensão locucionária de uma frase, vem dentro de um contexto e este é que estabelece seu significado específico. Assim, a força ilocucionária corresponde a um plus em relação a sua estrutura locucionária (meramente lingüística). Para se entender o sentido específico de uma frase, numa determinada situação comunicacional deve-se adentrar no contexto que dá a força da compreensão da frase. O nível ilocucionário da linguagem é o mais importante, do ponto de vista lingüístico, pois é onde se encontra o conjunto de atos que se realizam, específica e imediatamente, pelo só exercício da fala.14

Quando um agente da Administração Pública pronuncia para alguém a expressão: “Esteje preso”, está realizando um ato de fala, que é a própria ação de prisão e dá ensejo ao ato concreto de prisão. O direito, enquanto linguagem, é constituído por atos de fala.

Quando um agente administrativo da Receita Estadual pronuncia a expressão: “Dado que ocorreu a operação de circulação de mercadoria, a empresa X deve pagar o valor de R$ 5.000,00 ao Estado de São Paulo, a título de ICMS”, está realizando um ato de fala denominado lançamento tributário, que já é a própria ação de constituição do crédito, prevista na regra-matriz de incidência tributária que institui o tributo e dá ensejo ao ato-norma individual e concreto que individualiza o crédito tributário.

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São constatativos os proferimentos que constatam, relatam ou descrevem alguma coisa do mundo e, portanto, são objetos dos valores de verdade/falsidade. Porém, na Conferência 12, Austin abandona definitivamente a distinção entre atos performativos e constativos, concluindo que a mesma é artificial, dando ênfase ao uso das palavras, ou seja, a determinação de seu sentido dentro do contexto. Vide sua obra Quando dizer é fazer – Palavras e ações.

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A respeito dos atos de fala no direito, Luiz Sérgio Fernandes de Souza assim se pronuncia: “Ao dizer ‘advirto’, além de anunciar a advertência, o juiz está realizando a ação prevista na norma geral e abstrata, como por exemplo na regra prevista no artigo 599, II do CPC.” (op. cit., p. 182.)

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Quando a prova é produzida pelo agente público, mediante procedimento administrativo, a fim de demonstrar a constituição do fato jurídico tributário, deve ser considerada a dimensão pragmática do uso da linguagem (enfocaremos adiante a dimensão pragmática da prova enquanto ato de fala). Assim, é o ato de fala cumprindo sua função dentro de um contexto, a fim de ser exigida a exação tributária

O lançamento é, portanto, um ato de fala reconhecido pela linguagem do direito positivo a fim de constituir o crédito tributário.

Reafirmamos com AUSTIN que não importa tanto a realização do ato de dizer algo (nível locucionário), mas sim o ato que se realiza ao dizer algo (nível ilocucionário).15 Como vimos, a norma jurídica tributária que cria um tributo, ou seja, a regra-matriz de incidência tributária, necessita ser incidida por um ato de aplicação do ser humano a fim de ser instaurada a conseqüência, relação jurídica entre sujeitos-de-direito. O lançamento tributário cumpre esse papel no processo de positivação. O fato jurídico tributário se subsume à regra-matriz de incidência tributária pela expedição do ato-norma (norma individual e concreta) veiculado pelo lançamento tributário. Nessa perspectiva, lançamento tributário é o veículo introdutor da norma individual e concreta da autoridade administrativa de constituição do crédito tributário. É, pois, como dito, produzido por um ato de fala que dá concretude (aplica) à norma geral e abstrata e antecede ao ato concreto de cobrança do tributo. Se o contribuinte realiza o pagamento do tributo, cumprindo a ordem estipulada no comando normativo de lançamento, está-se no nível perlocucionário, que consiste na obtenção de certos efeitos pelo fato de se dizer algo, o que pode gerar a felicidade ou infelicidade do ato, no dizer de AUSTIN.16

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Quando dizer é fazer, p. 89.

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Concluímos que os enunciados jurídicos devem ser interpretados no nível ilocucionário. Partindo-se desse novo paradigma dos atos de fala, a lingüística adentra com mais ênfase na análise pragmática do discurso jurídico, colocando entre parênteses suas dimensões sintática e semântica.

Nessa linha de raciocínio, uma coisa é o significado semântico e sintático do ato do lançamento – que todos os membros da comunidade devem entender, outra coisa é a sua compreensão no plano do contexto pragmático – a dimensão ilocucionária, dentro do contexto da comunicação. Se não se der a compreensão da frase no contexto empregado, não se entenderá o seu sentido, embora ele exista. É com base nessas premissas que mais adiante iremos estudar a prova no direito tributário.

Desse modo, entendemos importante investigar os elementos do ato administrativo, para, posteriormente, analisarmos a prova da constituição do fato jurídico tributário enunciada no ato-norma de lançamento realizado pelo agente público, levando em consideração, também, a ótica pragmática.

4.4. Lançamento como ato administrativo – a teoria dos atos