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2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONCEITOS E REVISÃO

2.2 A QUALIDADE VISUAL DA PAISAGEM

2.2.2 A qualidade visual da paisagem e o seu estudo

O estudo da qualidade visual da paisagem constitui, no que respeita à investigação científica, uma área de grande actividade pelo menos desde o final da década de 1960. O seu advento está correlacionado com a publicação, em especial no Reino Unido e nos Estados Unidos da América (EUA), de alguns diplomas legais de carácter ambiental dirigidos à salvaguarda de valores associados à qualidade visual (ou cénica) da paisagem. São exemplos

de tais diplomas o Water Resources Planning Act, aprovado nos EUA em 1965 (Fabos 1971), o National Environmental Policy Act (NEPA), aprovado nos EUA em 1969 (Daniel & Vinning 1983) e o Countryside Act, aprovado no Reino Unido em 1968 (Zube, Sell & Taylor 1982).

O historial das quatro décadas e meia de investigação nesta área do conhecimento científico foi apresentado em diversos artigos de revisão entretanto publicados, nos quais se destacam os de Fabos (1971), Zube, Sell & Taylor (1982), Daniel & Vinning (1983), Dearden (1984) e de Zube, Simcox & Law (1987). Mais recentemente, Ward Thompson & Travlou (2009) prepararam um relatório de revisão sobre o tema, tomando como ponto de partida a revisão preparada cerca de uma década antes por Ward Thompson & Boyd (1998). No que se refere a publicações nacionais, referem-se os trabalhos de Andresen (1992), Saraiva (1999), Barreiros (2005) e Mendes (2010), nos quais se podem também encontrar capítulos de revisão sobre o tema. Finalmente, importa também citar o trabalho de Arbogast (2005), o qual constitui uma extensa e completa lista bibliográfica de publicações sobre gestão de recursos visuais, reunindo mais de 700 referências sobre livros, artigos científicos e páginas de Internet, dispersos pelo período de tempo compreendido entre 1912 e 2004.

Dada a complexidade e abrangência do tema da apreciação da qualidade visual da paisagem, a presente revisão bibliográfica será repartida em três blocos, de forma a poder abarcar de forma estruturada as principais questões em discussão: autoria, metodologia e questões emergentes.

No que se refere à autoria existem duas grandes correntes de opinião, divergentes no que respeita a quem devem ser os autores das apreciações de qualidade visual da paisagem.

A primeira corrente de opinião defende que as apreciações da qualidade visual da paisagem devem ser efectuadas por técnicos com formação estética e/ou ecológica (vd. Gobster et al. (2007)), fundamentando-se no ponto de vista filosófico estabelecido pela argumentação de Carlson (1977) que defende a existência de uma correlação significativa entre a avaliação da qualidade visual da paisagem e sua qualidade ambiental, existindo portanto a necessidade de conhecimento profundo dos recursos que estão na base dessa qualidade. Nesta corrente, na qual se enquadram McHarg (McHarg 1992), Zube (1970), Fabos (1979) e também Sousa da Câmara (1986), a

questão da avaliação da qualidade visual da paisagem encontra-se subordinada à questão de gestão global dos recursos. Nesta corrente de opinião encontram-se também os autores para os quais é importante considerar uma escala absoluta de qualidade visual da paisagem, de acordo com a qual se conseguiria obter um mapa de qualidade visual de paisagem para uma região ou país, sendo estes comparáveis entre si. A grande finalidade dos estudos efectuados desta forma é pois a obtenção do mapa final de qualidade visual da paisagem. Exemplos de tais abordagens podem ser consultados tanto em estudos mais antigos, elaborados sem recurso aos modernos sistemas de informação geográfica (SIG) (Fines 1968), como em estudos mais recentes, nos quais os SIG desempenham um papel central no processo (Vizzari 2011). Há ainda que referir alguns estudos em que se faz a comparação entre apreciações feitas por grupos de especialistas e apreciações feitas por grupos de leigos, sendo detectadas diferenças significativas nos valores atribuídos às mesmas paisagens pelos distintos grupos (Vouligny, Domon & Ruiz 2009; Dearden 1984).

A segunda corrente de opinião defende que os estudos de qualidade visual da paisagem devem utilizar a opinião do público no processo de apreciação da qualidade visual da paisagem. Esta posição é suportada do ponto de vista filosófico pela posição defendida por Lothian (1999), de acordo com o qual, “a [escala de] beleza encontra-se nos olhos do observador” (t.a.), pelo que este deve ser perscrutado. Para esta corrente de opinião a produção de um mapa de qualidade visual de paisagem constitui um subproduto opcional e não a finalidade do estudo, considerando que a finalidade primeira de tais estudos consiste em perceber qual a sensibilidade do público relativamente à beleza relativa de determinado conjunto de paisagens (Lindemann-Matthies et al. 2010), ou ainda de aspectos particulares dessas paisagens decorrentes de diferentes estratégias de gestão (Ford et al. 2009; Tyrvaiinen, Silvennoinen & Kolehmainen 2003; Misgav & Amir 2001; Ribe 1999) ou de propostas alternativas de intervenção na paisagem (Sullivan & Lovell 2006; Steinitz 1990). Nota-se pois que, em especial nos estudos publicados a partir da década de 1990, o processo de avaliação da qualidade visual da paisagem passa a constituir uma ferramenta adicional no processo de apoio à tomada de decisão na gestão do território, influenciando o modo como se intervém na paisagem (Nassauer 1995; Nassauer 2004).

No que se refere à metodologia, adopta-se a estrutura e conteúdo apresentado na revisão efectuada por Daniel e Vinning (1983), de acordo com os quais há cinco abordagens distintas para a avaliação da qualidade visual da paisagem, caracterizando cada uma delas quanto à sua fiabilidade, sensibilidade, validade e utilidade:

ƒ Abordagem ecológica: a abordagem ecológica é normalmente levada a cabo por um especialista (ou conjunto de especialistas) com formação em ecologia ou ciências biológicas. Consequentemente, atribui frequentemente demasiado peso à característica da ‘naturalidade’, penalizando quaisquer sinais de intervenção humana na paisagem. Quanto à sua fiabilidade e sensibilidade desta abordagem, estas dependem em boa parte da coerência e precisão do observador [especializado] encarregue da sua execução, mas apresenta a vantagem de permitir a validação a posteriori por um outro avaliador (ou conjunto de avaliadores) independente(s). Por outro lado, dado que não há garantias de que a intervenção humana não possa contribuir positivamente para a qualidade da paisagem, pelo que a validade da abordagem pode ser posta em causa nestas condições. Apesar disso, nas situações em que a exigência de elevados valores de naturalidade na paisagem seja um objectivo, esta abordagem pode ser considerada útil e desejável;

ƒ Abordagem estética [formal]: esta é, segundo os autores, uma das abordagens mais utilizadas na análise da qualidade visual da paisagem. A abordagem estética considera que a qualidade reside nas características formais (i.e., em elementos como composição, textura, cor e disposição espacial de estruturas lineares e pontuais), independentemente do contexto cultural dos observadores, da escala de observação e do grau de naturalidade/artificialidade da paisagem em causa. Defende-se também que este tipo de avaliação deve ser conduzido por observadores com formação específica para o efeito (i.e., por técnicos especializados). No entanto, a subjectividade de alguns conceitos utilizados nas avaliações efectuadas de acordo com esta abordagem (e.g. mistério, contraste, unidade, harmonia, complexidade) dificulta a avaliação objectiva da fiabilidade e

sensibilidade do método. A validade desta abordagem é discutida por Daniel e Vinning (1983), que se questionam se a consideração estrita de aspectos formais (estrutura e composição) da paisagem poderá capturar “todos os aspectos esteticamente relevantes” dessa mesma paisagem, sendo apresentadas referências de estudos que concluem em qualquer dos dois sentidos (vd. Arthur (1977) e Buhyoff et al. (1978), por exemplo). Apesar disso, os autores salientam que o facto de esta ser uma das abordagens mais frequentes na avaliação da qualidade da paisagem sugere que a comunidade de investigadores e técnicos responsáveis pela elaboração desses estudos reconhece a utilidade da mesma; ƒ Abordagem psicofísica: a abordagem psicofísica de avaliação da

qualidade da paisagem pretende averiguar a existência de relações matemáticas entre algumas características da paisagem e a medida de apreciação resultante da percepção dessas paisagens por um conjunto de observadores. Por outras palavras, o objectivo desta abordagem é obter uma interpretação (precisa e objectiva) do padrão de qualidade visual da paisagem com base em apreciações expressas pelo público, relacionando-as com características visualmente detectáveis (e.g. forma do relevo, estrutura da vegetação, presença de estruturas construídas, etc.), identificadas como ‘factores’. Para tal os inquiridos são expostos a um conjunto de estímulos visuais (e.g. fotografias coloridas, projecção de diapositivos (Nassauer 1983; Ribe 1999; Tyrvaiinen, Silvennoinen & Kolehmainen 2003) ou de vídeo (Morgan 1999)) representativos das paisagens de uma região, os quais devem ser ordenados ao longo de uma escala [ordinal] de qualidade visual. Considerado um conjunto de características físicas, bióticas, estéticas (ou de outra natureza) representadas em cada imagem exibida, será possível inferir, através de técnicas estatísticas (de ordenação e/ou classificação), relações matemáticas entre as características consideradas e o valor qualidade visual atribuído a cada imagem pelo grupo (ou grupos) de inquiridos. Dada a natureza estatística das análises efectuadas, fica assegurada a fiabilidade da abordagem psicofísica, a qual tem sido testada por diversos autores (Hull IV & Buhyoff 1984; Palmer 2000; Palmer

& Hoffman 2001), desde que cumpridos os pressupostos estabelecidos para cada procedimento estatístico utilizado (dimensão mínima da amostra, tipo de escala utilizada, distribuição forçada ou livre, etc.). Quanto à utilidade do método, Daniel e Vinning (1983) defendem que no curto prazo a sua utilidade é limitada, dado que ainda não há consenso quanto ao número e natureza das características das imagens (i.e., factores) a utilizar mas uma vez que esse consenso seja atingido então a abordagem revelar-se-á de grande utilidade pois será possível produzir zonamentos de qualidade visual de paisagem a partir de dados inventariados periodicamente, sem a necessidade de efectuar inquéritos;

ƒ Abordagem psicológica: a abordagem psicológica utiliza como indicadores de qualidade visual de paisagem as sensações e atitudes suscitadas pelas paisagens em todos aqueles que as visitam, habitam ou simplesmente as observam. Diversos autores apontam como obra seminal desta abordagem o livro de Kaplan & Kaplan (1989) intitulado “The experience of nature: a psychological perspective”. Consequentemente, o foco da presente discussão está na reacção afectiva (inicial ou pós-cognitiva) que se produz em cada indivíduo que experiencia determinado ambiente, partindo da premissa inicial que sustenta que as paisagens de elevada qualidade visual suscitam no observador sensações positivamente conotadas (conforto, segurança, liberdade, descontracção, alegria), ao passo que as paisagens de reduzida qualidade visual suscitam sensações negativamente conotadas (medo, hesitação, insegurança, tensão, desconfiança). Tipicamente, as reacções de cada inquirido são registadas sobre um leque diverso de escalas ordinais de reacção afectiva (e.g. nível de segurança sentido, utilizando um número restrito de classes entre “muito inseguro” e “muito seguro”)18 ou, alternativamente, utilizando outros métodos de análise tais como a «análise semântica diferencial» de Osgood, Suci & Tannenbaum (1971). Este último tipo de análise foi também utilizado por Shafer &

Richards (1974) para comparar as reacções entre observação directa da paisagem e observação indirecta da paisagem (utilizando fotografias coloridas ou projecção de diapositivos coloridos), tendo concluído que quando as representações da paisagem (fotografias ou diapositivos, no caso) ilustram adequadamente a variabilidade dos ambientes naturais e artificiais, a medição da resposta obtida pela ‘análise semântica diferencial’ em ambas as situações é bastante similar, validando deste modo o uso da técnica fotográfica em estudos de avaliação da qualidade visual da paisagem. Estas conclusões foram também verificadas por Nassauer (1983) e Stewart et al. (1984).

ƒ Abordagem fenomenológica: esta abordagem coloca ainda mais ênfase na componente individual e subjectiva das reacções, expectativas e interpretações pessoais de cada observador, dado que conceptualiza a percepção da paisagem como “um encontro íntimo entre o observador e o ambiente em seu redor” (t.a.) (Daniel & Vinning 1983, p. 72) e não procede ao tratamento estatístico dos dados, ou os submete a algum outro tipo de análise de fiabilidade. Apesar de ser frequentemente utilizado para a ordenação de conjuntos restritos de paisagens de acordo com escalas relativas de excelência visual (i.e., na pesquisa do ‘sublime’ nas paisagens), a sua incorporação em estudos de gestão do território não é habitual. Como já foi referido, esta abordagem dá grande ênfase à sensibilidade em detrimento da fiabilidade. Consequentemente, os autores consideram a abordagem fenomenológica excessivamente sensível para que seja útil no processo de planeamento e gestão da paisagem, tanto mais que apenas uma pequena fracção da variabilidade nas apreciações expressas poderá ser atribuída a variações na paisagem, sendo a fracção dominante atribuída à individualidade interpretativa de cada observador.

Em síntese, Daniel e Vinning (1983) sustentam que as abordagens baseadas em conhecimento pericial (i.e., as abordagens ecológica e estética formal) não são as mais adequadas para elaborar estudos sobre a qualidade visual da paisagem dado que se verifica a existência de discrepâncias significativas entre a apreciação feita por técnicos com formação especializada. Lothian

(1999) vai ainda mais longe, afirmando que as abordagens suportadas pelo ‘paradigma objectivista’ de análise da qualidade da paisagem (de acordo com o qual “a beleza é uma característica intrínseca da paisagem”19), são essencialmente subjectivas e não consensuais ao passo que as abordagens suportadas pelo ‘paradigma subjectivista’ (de acordo com o qual “a beleza

reside no olhar do observador”20) são essencialmente objectivas e pressupõem a

obtenção de critérios consensuais através de métodos rigorosos, replicáveis e suportados por quadros de referência teóricos. Também a abordagem fenomenológica é considerada pelos supracitados autores como desadequada, embora por razões muito distintas das anteriores (que se prendem fundamentalmente com a subjectividade e complexidade da informação recolhida), o que dificulta o seu tratamento subsequente, designadamente por métodos estatísticos. Consequentemente, apesar de os autores citados considerarem que nenhuma das abordagens responde cabalmente às exigências de fiabilidade, sensibilidade, validade e utilidade exigidas a priori, consideram que as abordagens psicológica e psicofísica se revelam mais robustas e indicadas para a prossecução de estudos de qualidade visual de paisagem, sugerindo mesmo que uma fusão criteriosa das duas abordagens poderá vir a revelar-se a melhor abordagem possível.

Finalmente, no que respeita às questões emergentes na investigação científica relacionada com o estudo da qualidade visual da paisagem, a revisão da produção científica produzida desde 2000 até à actualidade em revistas indexadas no ISI Web of KnowledgeSM permite concluir que:

ƒ Existe um aumento de publicações sobre o tema na área geográfica da Europa (Arriaza et al. 2004; Cañas, Ayuga & Ayuga 2009; de la Fuente de Val, Atauri & de Lucio 2006; Dramstad et al. 2006; Fyhri, Jacobsen & Tømmervik 2009; Jallouli & Moreau 2009; Junker & Buchecker 2008; Lafortezza et al. 2008; Lindemann-Matthies et al. 2010; Lindemann-Matthies, Junge & Matthies 2010; Matsinos et al. 2008; Ozguner & Kendle 2006; Sevenant & Antrop 2010; Soliva & Hunziker 2009; Surová & Pinto-correia 2008; Tveit 2009; Tyrvaiinen, Silvennoinen &

19 (Lothian 1999, p. 180). 20 (idem, ibidem).

Kolehmainen 2003; van den Berg & Koole 2006; Vouligny, Domon & Ruiz 2009; van den Berg & Koole 2006), bem como nos Próximo e Médio Oriente (Ayad 2005; Bulut & Yilmaz 2008; Misgav & Amir 2001; Misgav 2000; Acar et al. 2006). No caso do espaço europeu, este fenómeno deverá, em parte, estar correlacionado com o surgimento, em 2005, da Convenção Europeia da Paisagem, segundo a qual os estados membros são instados a “estabelecer procedimentos para a participação do público, das autoridades locais e autoridades regionais, e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das políticas

da paisagem”21.

ƒ A investigação já não incide nas questões metodológicas que dominaram o debate ao longo das décadas de 1980 e 1990, no decurso das quais se discutia a validade do uso de fotografias em estudos sobre qualidade visual da paisagem (vd. Coeterier (1983), Nassauer (1983) ou Hull IV & Stewart (1992), por exemplo), ou a sua validade e fiabilidade (vd. Hull IV & Buhyoff (1984), ou Palmer (2000) e Palmer & Hoffman (2001), já nos primeiros anos da década de 2000). Actualmente a discussão metodológica centra-se na utilidade do uso das novas tecnologias de informação, designadamente em dois aspectos: elaboração de questionários online (Bishop & Miller 2007; Ode et al. 2009; Ozguner & Kendle 2006; Pfluger, Rackham & Larned 2010) e utilização de simulações digitais de paisagem enquanto estímulo visual (Lange & Hehl-Lange 2005; Bishop & Rohrmann 2003; Lafortezza et al. 2008).

ƒ Parte significativa dos estudos consultados procura tirar partido da informação resultante da avaliação da qualidade visual da paisagem com base na preferência expressa pelo público, de forma a melhorar as estratégias de gestão do território ou a garantir uma melhor aceitação das estratégias de gestão

21 Alínea c) do Art.º 5º da Convenção Europeia da Paisagem, concluída a 20 de Outubro de 2000 em Florença pelos estados-membros do Conselho da Europa, aprovada por Portugal pelo Decreto n.º 04/2005, de 14 de Fevereiro, ratificada a 29 de Março de 2005 (apud Aviso n.º 260/2005, da mesma data) e entrado em vigor a 1 de Julho de 2005.

(delineadas pela administração) por parte da opinião pública. Exemplos de tais estudos podem sem encontrados em estudos elaborados em contexto rural (Junker & Buchecker 2008; Ozguner & Kendle 2006; Pfluger, Rackham & Larned 2010; Lindemann-Matthies et al. 2010) e também urbano (Yang et al. 2009; Sullivan & Lovell 2006; Tyrvaiinen, Silvennoinen & Kolehmainen 2003; Lafortezza et al. 2008). Esta situação denota uma certa mudança de atitude nos planeadores, actualmente mais atentos à opinião pública, a qual se tornou também mais exigente e crítica à medida que foi passando a ver a paisagem, através dos ecossistemas em presença, como uma entidade provedora de serviços ambientais (de suporte, produção e regulação) e também de serviços culturais, determinantes para a promoção do bem-estar humano (Figura 13), tal como vem enunciado na avaliação portuguesa do Millennium Ecosystem Assessment (Pereira et al. 2010).

Biodiversidade

Regulação Benefícios obtidos da regulação dos processos de ecossistema • regulação do clima • regulação de doenças • regulação de cheias • destoxificação Produção Bens produzidos ou aprovisionados pelos ecossistemas • alimento • água doce • lenha • fibra • bioquímicos • recursos genéticos Culturais Benefícios não materiais obtidos dos

ecossistemas • espiritual • recreacional • estético • inspiracional • educacional • simbólico Suporte

Serviços necessários para a produção de todos os outros serviços • Formação do solo

• Ciclos dos nutrientes • Produtividade primária

Biodiversidade

Regulação Benefícios obtidos da regulação dos processos de ecossistema • regulação do clima • regulação de doenças • regulação de cheias • destoxificação Produção Bens produzidos ou aprovisionados pelos ecossistemas • alimento • água doce • lenha • fibra • bioquímicos • recursos genéticos Culturais Benefícios não materiais obtidos dos

ecossistemas • espiritual • recreacional • estético • inspiracional • educacional • simbólico Suporte

Serviços necessários para a produção de todos os outros serviços • Formação do solo

• Ciclos dos nutrientes • Produtividade primária

Figura 13 – Serviços prestados pelos ecossistemas, segundo o quadro de referência estabelecido no Millennium Ecosystem

Assessment (Pereira et al. 2010).

Esta questão encontra-se no cerne do paradigma de ‘paisagem multifuncional’, muito defendido na actualidade.

ƒ Por fim, emergem ainda questões mais específicas, que se prendem com o impacte visual gerado por tipos específicos de estruturas como sejam aerogeradores (Bishop 2002; Lothian 2008) ou também como a observação da paisagem a partir de estruturas lineares como sejam as rodovias (Clay & Smidt 2004; Eby & Molnar 2002).

2.2.3 Síntese

A avaliação da qualidade cénica das paisagens tem sido alvo de investigação científica desde a década de 1960, em particular nos países anglo-saxónicos. A revisão bibliográfica efectuada distingue recorrentemente duas abordagens diferentes: a abordagem baseada em sistemas de avaliação criados por especialistas e a abordagem baseada na preferência expressa pelo público (ou sectores específicos deste).

Desde o início do presente século assistiu-se ao ressurgimento da investigação nesta matéria, bem como à sua expansão aos países europeus e do Próximo Oriente, com especial ênfase nas abordagens baseadas na preferência expressa pelo público.

Este fenómeno foi essencialmente motivado pelo seguinte conjunto de razões:

1. a mudança de paradigma de uso dos espaços produtivos (florestais e agrícolas) e também não produtivos (naturais), da monofuncionalidade para a multifuncionalidade, expandindo a noção de uso recreativo a toda a paisagem rural (Buijs, Pedroli & Luginbühl 2006);

2. o reconhecimento do valor da paisagem, num contexto socioeconómico e político de abrandamento da função produtiva de algumas terras (seguindo as actuais orientações da PAC) e de incentivo à prestação de outros tipos de serviços ambientais (conservação dos recursos solo e água, sequestro de carbono, combate à perda de biodiversidade, contribuição para o bem-estar físico e psíquico das populações) (Maulan, Mohd. Shariff & Miller 2006; Stoate et al. 2009);

3. o surgimento da Convenção Europeia da Paisagem, através da qual os estados signatários são instados a estabelecer e aplicar políticas da(s) paisagem(s), visando a sua protecção, gestão e ordenamento, bem como a promover a crescente participação do público, das autoridades locais e regionais e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das medidas anteriormente mencionadas (Steinitz & Muñoz Criado 2009).

As abordagens de uso mais generalizado na actualidade são as que exploram o modelo psicofísico de interpretação do conceito de qualidade visual da paisagem, com base na preferência expressa pelo público.

2.3 A FITOSSOCIOLOGIA E A SUA UTILIDADE COMO