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2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONCEITOS E REVISÃO

2.3 A FITOSSOCIOLOGIA E A SUA UTILIDADE COMO

2.3.1 Sobre a utilidade da Fitossociologia no estudo da

definido no Artigo 2º da Convenção sobre a Diversidade Biológica26, segundo o qual:

“Diversidade Biológica significa a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas”

(Decreto-Lei n.º 21/93 (D.R. I Série), de 21 de Junho, 3369) Constata-se que o conceito se reveste de grande amplitude, abarcando diversos níveis de complexidade, o que dificulta a sua compreensão. No entanto, defende-se que todos os humanos terão uma ideia (pelo menos intuitiva) do significado do conceito e de que este é actualmente, considerado um dos critérios primordiais na definição de áreas prioritárias para a conservação da natureza, frequentemente apoiados na premissa de que áreas com elevada diversidade biológica merecem maiores esforços para a sua conservação (Loidi 2004). Por outro lado, dado que a ciência fitossociológica estuda apenas uma parte da componente biológica do meio – a parte respeitante ao Reino Vegetal, ou seja, à vegetação – estaremos na prática a referir-nos a uma parte da diversidade biológica dos ecossistemas, a qual se poderá designar por «fitodiversidade».

No que respeita à sua aplicação existem diversas linhas de investigação bastante activas, designadamente no que respeita a: diversidade de

26 A Convenção sobre a Diversidade Biológica foi adoptada, em 20 de Maio de 1992, pelo Comité Intergovernamental de Negociação, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e aberta à assinatura em 5 de Junho de 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, tendo sido ratificada por Portugal através do Decreto-Lei n.º 21/93, de 21 de Junho, e entrado em vigor a 21 de Março de 1994.

interpretações do conceito e de abordagens para a sua quantificação (Araújo 1998; Moreno 2001; Loidi 2004); perda de biodiversidade por alteração das condições ambientais, por acção antrópica ou por combinação de ambas (Fernández-González, Loidi & Moreno Saiz 2005; McNeely et al. 1995; Millennium Ecosystem Assessment 2005; Proença et al. 2009); formulação de estratégias para mitigar as perdas de biodiversidade, em especial as provocadas por acção antrópica (Comissão das Comunidades Europeias 2006; Novacek & Cleland 2001).

Sobre as diversas abordagens para a quantificação da biodiversidade (e por analogia, da fitodiversidade), considera-se que o conceito de diversidade tem sido associado a dois componentes distintos: riqueza e equitabilidade (Araújo 1998; Loidi 2004). Araújo (1998) defende que a preferência entre as duas abordagens varia consoante o peso que se pretende conferir a espécies raras e comuns, referindo que riqueza e equitabilidade representam dois extremos do mesmo conceito, dando a primeira medida mais peso relativo às espécies raras e a segunda maior ponderação às espécies comuns. Também Loidi (2004) salienta a complementaridade entre as duas estratégias de quantificação e, partindo da sistematização proposta por Whittaker (1972) para a caracterização da diversidade a diversas escalas espaciais, enuncia diversos tipos de diversidade (neste caso conotados com o conceito de riqueza específica), considerando os seguintes níveis:

«Diversidade Alfa» (α-diversidade) – a diversidade associada a uma dada comunidade (ou unidade de amostragem);

«Diversidade Beta» (β-diversidade) – a diversidade associada a um mosaico de comunidades;

«Diversidade Gama» (γ-diversidade) – a diversidade associada a uma região, dentro da qual alguns autores incluem ainda:

«Diversidade Delta» (δ-diversidade) – a diversidade associada a complexos de paisagens (grandes amplitudes territoriais, ou geográficas);

«Diversidade Ómega» (ω-diversidade) – a diversidade associada à totalidade do planeta.

Sobre o nível de complexidade a que o estudo da diversidade vegetal por via da Fitossociologia se efectua, este ocorre em simultâneo a dois níveis: ao nível das espécies e ao nível das comunidades. Ao nível das espécies, dado

que no cerne da metodologia fitossociológica está o procedimento de elaboração de inventários fitossociológicos, no decurso dos quais se elaboram listagens dos táxones (ao nível mínimo de discriminação taxonómica da espécie, mas considerando com frequência níveis taxonómicos infra-específicos) e se registam os respectivos coeficientes de abundância-dominância, a par de um conjunto de outras informações sobre a área inventariada, como sejam a sua dimensão, caracterização estrutural da comunidade e variáveis de habitat e de paisagem (Capelo 2003). Será também evidente que a Fitossociologia estuda a diversidade vegetal ao nível das comunidades, dado que são este o seu objecto de estudo. Saliente-se que Monteiro-Henriques (2010), reflectindo sobre o conceito de nicho ecológico e suas características27, deduziu que os nichos das comunidades vegetais são menores e mais homogéneos do que os nichos das entidades a outros níveis de complexidade (sejam estes o nível espécies ou o das séries ou mosaicos de vegetação). Esta característica confere ao nível das comunidades vegetais elevado poder discriminativo no que respeita à tipificação de indivíduos e respectiva caracterização ecológica. Finalmente, coloca-se ainda o problema das lacunas de conhecimento, designadamente ao nível do conhecimento taxonómico: uma parte bastante significativa da diversidade da vida na Terra permanece desconhecida. De acordo com Heywood & Watson (1995), as estimativas para o número total de espécies varia entre os improváveis valores de 3,6 milhões a 100 milhões, sendo o valor mais plausível da ordem dos dez milhões. Destas, apenas cerca de 1,5 a 1,8 milhões foram descritas pela ciência (Wilson 2003). Mesmo os organismos mais complexos esperam por uma contabilidade exacta. No que se refere às plantas vasculares, um dos grupos preferidos dos naturalistas durante séculos, estas não devem atingir as 300 000 espécies descritas, sendo que a cada ano 2000 novas espécies são adicionadas à lista mundial do International Plant Names Index (IPNI) (idem, ibidem). No caso dos animais, a situação foi recentemente retratada por Carbayo & Marques (2011), através da seguinte afirmação:

27 Por analogia com o conceito de nicho realizado de uma espécie, tal como enunciado por Hutchinson (1957), o nicho realizado de uma associação foi definido por Monteiro-Henriques (2010) como um hipervolume teórico n-dimensional que contém a nuvem de pontos cujas coordenadas são os valores medidos para cada uma das n variáveis ambientais consideradas. A este hipervolume o autor chamou ‘sin- habitat’.

“(…) the main immediate obstacle to cataloging animal diversity is undoubtedly the small and inadequate number of proficient taxonomists (the ‘taxonomic impediment’). At the current rate (average of 16,000 species per year), the present generation of trained taxonomists would take around 360 years to fully catalogue world animal diversity. Increasing the number of working taxonomists would take a significant amount of time because it takes a long time to train and develop taxonomists.”

(Carbayo & Marques 2011, p. 155) No caso da fitossociologia, o panorama será um pouco mais animador: no quadro da Península Ibérica, a checklist das comunidades vegetais até ao nível da associação preparada por Rivas-Martínez et al. (2001) enumera mais de 2500 associações para o território peninsular. A lista nacional de sintáxones, cuja preparação está em curso sob a orientação de J. C. Costa, totaliza 755 associações, repartidas por 236 alianças, 114 ordens e 64 classes (J.C. Costa, com. pess.). Ainda que esta lista possa crescer um pouco nos próximos anos, estará seguramente menos incompleta que as listas de espécies relativas à maioria dos grupos de seres vivos28. Conclui-se assim, analisando os atributos da informação fitossociológica, a sua representatividade e completude, que é possível não apenas estimar índices de diversidade biológica (fitodiversidade) com base nessa informação, mas fazê-lo em diversas escalas espaciais, tomando em consideração os conceitos e unidades hierárquicas geradas pela Fitossociologia. Como exemplos, referem-se os estudos de cartografia de séries de vegetação elaborados a diversas escalas e âmbitos geográficos, desde os estudos de caracterização de todo o espaço europeu (Bohn & Neuhäusl 2000), aos estudos de âmbito nacional (Blasi 2010; Rivas-Martínez 1987; Rivas-Martínez 2007; Lawesson 2004), passando pelo âmbito territorial das regiões autónomas espanholas (Loidi & Báscones 2006; Loidi et al. 2009) e finalizando em estudos locais, à escala de uma área protegida (Costa, Espírito-Santo & Arsénio 2010) ou de um município (Lousã et al. 2005; Lousã et al. 2006). Para além de enunciar as séries de vegetação presentes nos territórios estudados, estes trabalhos caracterizam de forma aprofundada cada unidade tipificada, incluindo a sua corologia, enquadramento

28 Atente-se, por exemplo, nas estatísticas globais, segundo as quais a taxa total de organismos vivos já descritos varia entre 2% e 50%, com um valor mais plausível à volta dos 20%. E quanto mais pequenos os organismos, pior o cenário.

bioclimático e biogeográfico, conteúdo florístico (com referência a espécies indicadoras, diferenciais e também as espécies com interesse para conservação), os usos do solo característicos para cada série e o seu estado de conservação.

2.3.2 Sobre a utilidade da Fitossociologia no estudo da dinâmica das