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2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONCEITOS E REVISÃO

2.3 A FITOSSOCIOLOGIA E A SUA UTILIDADE COMO

2.3.3 Sobre a utilidade da Fitossociologia no estudo da distribuição

Naturalmente, o dinamismo temporal não constitui o único processo que determina a existência de mosaicos de fitocenoses na paisagem. Esse mosaico, evidente em diversas escalas de observação, é também determinado pela heterogeneidade natural da geosfera, resultante da combinação de condições particulares de Geologia/Geomorfologia, Litologia/Pedologia e Clima. Como tal, existe uma diversificada paleta de combinações de elementos e de processos geológicos, a qual actualmente se designa por «geodiversidade», que constitui a ‘fundação’ de qualquer contexto ecológico. A vegetação (inter)relaciona-se com essa realidade, resultando assim num novo nível de complexidade a que é necessário atender no momento de ‘ler a

paisagem vegetal32’ e dela obter um conjunto valioso e diversificado de

informação sobre a mesma.

As «geosséries de vegetação», as quais se identificam pelo epíteto geosigmetum, constituem a unidade básica e objecto de estudo da Fitossociologia Dinâmico-Catenal. Para tal importa discernir, ainda que sinteticamente, um conjunto de situações ecológicas particularmente importantes para a distribuição espacial das fitocenoses. Considerando a macroescala, salientam-se a existência de gradientes ecológicos, fundamentalmente de natureza climática, que influenciam a distribuição da vegetação à escala global: os «gradientes altitudinais» e os «gradientes latitudinais». São estes os gradientes os que justificam as alterações observáveis na vegetação, à medida que se percorre um continente no sentido N-S, ou se sobe uma montanha33, respectivamente. Consequentemente, porque cada série de vegetação tem uma circunscrição bioclimática própria, estas estarão dispostas ao longo dos gradientes climáticos altitudinais e latitudinais, formando «andares de vegetação». A

32 Sem prejuízo de outras definições mais complexas e objectivas de ‘paisagem vegetal’ existentes (vd. Capelo (2003)) o termo será utilizado neste texto tomando o significado de ‘mosaico de comunidades vegetais (de origem natural, seminatural ou antrópica) que num deternimado instante recobrem a superfície de uma dada paisagem’.

33 O gradiente altitudinal é mais evidente que o latitudinal pois, atentando apenas na temperatura, por cada 100 m de ascensão ao longo da vertente de uma montanha produz-se uma descida de temperatura de

uma sequência de pisos de vegetação, dispostos ao longo de um gradiente climático (altitudinal ou latitudinal), dá-se o nome de «catena clisserial» ou «geossérie clisserial».

Há também que referir a existência de um segundo tipo de catena de vegetação cuja observação é patente a outra escala de observação (a mesoescala): a «catena topográfica», ou «geossérie topográfica». Refere-se este conceito ao zonamento que se produz ao longo do modelo topográfico (ou geomorfológico) genérico, do tipo ‘cabeço-encosta-vertente-vale’ e que se encontra fortemente relacionado com um conjunto de gradientes edáficos observáveis no modelo. Rivas-Martínez (2007) refere-se aos referidos gradientes, discutindo as suas principais características, nos seguintes termos:

“Tal marco topográfico elemental de referencia [a catena topográfica] permite destacar los tres aspectos geomorfológicos más generales de cualquier catena completa. Las estaciones más xéricas coinciden con las crestas o zonas abruptas, las más húmedas o higrófilas siempre se hallan en valles, depresiones o surgencias de agua, en tanto que las situadas entre ambas, las mesofíticas, y submesofíticas, corresponden a lo que denominamos ladera poco inclinada o piedemonte. El agua de lluvia por gravedad tiende a desplazarse hacia los valles tanto por escorrentía como por percolación, creando con ello una secuencia de humedad creciente en los suelos por aporte oblicuo. Al mismo tiempo, la erosión hídrica debida a la lluvia favorece la disgregación y arrastre de partículas y solutos hacia abajo, lo que hace incrementar el espesor y trofia de los suelos hacia los piedemonte y los valles.

En el marco elemental descrito -que naturalmente se puede diversificar mucho según sea la escabrosidad del relieve, la litología y composición de los suelos- es donde se ubican armónicamente las comunidades vegetales y donde se producen los fenómenos sucesionales y catenales tendentes a equilibrar el biosistema. La distribución de la vegetación en el modelo general ‘cresta-ladera-piedemonte-valle’, va desde la más resistente a la xericidad, que ocupa las crestas y los suelos más secos (series edafoxerófilas), a la más exigente en humedad que se sitúa en los valles y depresiones

cerca de 0.65º C. Para obter semelhante descida na temperatura média ao longo de um trajecto N-S, será necessário percorrer uma distância de cerca de 100 km (Alcaraz 1999).

adyacentes a los ríos y a las capas freáticas superficiales, que suelen anegar temporalmente los suelos (series edafohigrófilas), quedando la intermedia en aquellos espacios más acordes con lo estrictamente aportado por las lluvias a lo largo del año o con un incremento estacional moderado de agua en suelo durante las épocas de lluvia (series climatófilas: submesofíticas, mesofíticas y temporihigrófilas).”

(Rivas-Martínez 2007, p. 81) Fica patente nesta descrição o conjunto de factores edáficos cuja variação determina a alteração da vegetação e cujo gradiente se encontra correlacionado com a posição topográfica dentro do modelo descrito: higromorfia, grau de trofia e profundidade do solo. Neste aspecto, o modelo é de resto bastante semelhante (e possivelmente inspirado) no modelo de ‘Catena de Solo’ proposto por Milne (1935).

Por analogia com o exposto no que se refere às séries e permasséries de vegetação, importa referir a existência de versões particulares de geosséries, às quais se atribui o nome de ‘Geopermassérie de vegetação’34, a qual se refere a uma catena de permasséries dispostas ao longo de um marcado gradiente ecológico decorrente de situações topográficas ou edáficas específicas, geralmente expressas à microescala, tais como paredes e escarpas rochosas, rochedos litorais batidos pelo mar, sapais, campos dunares, turfeiras, margens de lagoas, etc.

2.3.4 Síntese

A Fitossociologia Dinâmico-Catenal constitui uma ferramenta de grande utilidade para os Arquitectos Paisagistas (e demais gestores do território), dado que o estudo das comunidades vegetais através desta ciência permite:

ƒ inferir a geodiversidade do território, bem como a sua diversidade climática;

34 Este conceito, outrora conhecido pelo termo microgeosigmetum, tem sido alvo de grande discussão, nomeadamente porque apenas admitia permasséries (ou microsigmeta) i.e., séries constituídas por uma única comunidade permanente na série, o que deixava de fora alguns ‘complexos de vegetação’ que, ocupando microtesselas de elevada especificidade ecológica, continham séries não climatófilas com mais de uma comunidade permanente. Consequentemente, alguns autores sugerem que se abdique do conceito de geopermassérie, utilizando em todas as situações a designação de geossérie (vd. Alcaraz (1996) ou Monteiro-Henriques (2010), por exemplo) .

ƒ conhecer a diversidade do património natural vegetal, o qual constitui a maior parte da biomassa presente na paisagem, é responsável pela sua produtividade primária e presta serviços ambientais e sociais de indiscutível relevância;

ƒ perceber as relações de dinamismo que se estabelecem entre as comunidades vegetais presentes, independentemente da origem da força motriz (natural ou antrópica), facilitando a análise retrospectiva (e também prospectiva) da evolução da paisagem; ƒ perceber a influência dos factores ecológicos que determinam o

arranjo espacial dos mosaicos de comunidades na paisagem. Tal característica é fulcral para a interpretação do funcionamento da paisagem, da qual depende o seu uso sustentável;

ƒ relacionar todo o conhecimento obtido com outras abordagens ao estudo da paisagem. A título de exemplo, refere-se a total compatibilidade entre o zonamento decorrente da análise fitossociológica (catenal) da paisagem, quando comparada com o zonamento obtido pela análise da morfologia da paisagem proposta por Magalhães (2001; Magalhães et al. 2007) (Figura 15).

Figura 15 – Correlação espacial entre formas simples de relevo, unidades fundamentais da carta de morfologia da paisagem (Magalhães et al. 2007; Magalhães 2001) e unidades fundamentais da Fitossociologia Dinâmico-Catenal. I – Formas simples de relevo; II – Unidades fundamentais da carta de morfologia da paisagem; III – Unidades fundamentais da Fitossociologia Dinâmico-Catenal.

Pelas razões acima apontadas, a Fitossociologia Dinâmico-Catenal é, no contexto na gestão do espaço rural, um excepcional modelo de explicação/antevisão das alterações produzidas no coberto vegetal, quer por causas naturais, quer por causas antrópicas.

No âmbito do planeamento ambiental a utilização de modelos reveste-se de grande importância, tal como o evidencia a metodologia proposta por Steinitz (2003), a qual estabelece um quadro de referência para a realização de estudos de gestão da paisagem à escala regional. A referida metodologia defende o estabelecimento de cenários de gestão alternativos como forma de apoio à tomada de decisões, considerando os impactes ecológicos e económicos mais significativos (Figura 16).

Figura 16 – Modelo de alteração da paisagem para a criação de futuros alternativos (Steinitz 2003). Extraído de (Dangermond 2010)

Para tal o conhecimento pericial dos diversos especialistas envolvidos torna- se determinante na correcta previsão dos padrões de alteração da paisagem, com base em diferentes conjuntos de hipóteses sobre a quantidade e o tipo de pressões que a região enfrenta no médio prazo, de acordo com distintas estratégias e políticas de desenvolvimento e conservação. No que se refere à modelação das alterações no coberto vegetal (i.e., à utilização de um ‘vegetation change model’) o recurso à fitossociologia paisagista afigura-se não apenas como possível mas também recomendável.

3 QUALIDADE VISUAL DA PAISAGEM DO SUDOESTE