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2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONCEITOS E REVISÃO

2.1 O CONCEITO DE PAISAGEM – DISCUSSÃO COM RECURSO

2.1.3 Componentes da Paisagem

São inúmeras as definições de paisagem que se podem obter através de pesquisa bibliográfica, tanto na área científica da Arquitectura Paisagista como em áreas científicas afins. Na área da Ecologia da Paisagem as definições enfatizam a característica da complexidade espacial, sem entrar em detalhe quanto às componentes da mesma:

“A landscape is a kilometers-wide area over which local ecosystems recur.” (Forman 1995, p. 19–20) ‘‘Landscape: Area that is spatially heterogeneous in a least one factor of interest.’’

(Turner, Gardner & O’Neill 2001, p. 3) No entanto podem também ser encontradas definições em que, de forma mais ou menos explícita, se considera já a existência de interacção ‘Homem- Paisagem’, da qual resulta a componente cultural da paisagem:

‘‘(...) the term ‘landscape’ conjures up different images to different people. The prevalent view, however, is that landscapes are the arenas in which humans interact with their environments on a kilometers-wide scale.’’

(Wiens & Milne 1989, p. 87) Já no que se refere à Arquitectura Paisagista, as diversas definições apresentam recorrentemente referências às componentes natural e cultural da paisagem, em contínua inter-relação.

“A expressão visual decorrente da disposição e inter-relação entre componentes naturais e de influência humana, ao longo do tempo, numa determinada área do território.”

(Barreiros 2005, p. 15) “O resultado material de todos os processos (naturais e sociais) que ocorrem num determinado sítio.”

(Associação Portuguesa de Arquitectos Paisagistas s.d.) “A paisagem é um sistema dinâmico, onde os diferentes factores naturais interagem e evoluem em conjunto, determinando e sendo determinados pela estrutura global, o que resulta numa configuração particular, nomeadamente de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento, que

lhe confere uma certa unidade e à qual corresponde um determinado carácter.”

(Cancela d’Abreu, Correia & Oliveira 2004, p. I:32) “A Paisagem é a figuração da biosfera e resulta da acção complexa do homem e todos os seres vivos – plantas e animais – em equilíbrio com os factores físicos do ambiente.”

(Caldeira Cabral 2001, p. 1294) Salienta-se ainda que em alguns casos a componente natural da paisagem é separada em duas componentes, física (ou abiótica) e biótica, respectivamente. Reconhecendo a pertinência dessa distinção, considera-se que na definição de paisagem devem constar referências às componentes física, biótica e cultural, as quais se passa a caracterizar de uma perspectiva ontológica:

Componente física da paisagem – Considerando a história geológica da Terra pode afirmar-se que, numa perspectiva cronológica, todas as paisagens se iniciam pela sua componente física. Nesta se reúnem os elementos inertes que constituem a superfície da crusta terrestre (substrato geológico + solo + hidrosfera + atmosfera), os quais se encontram representados no mapa conceptual apresentado na Figura 4.

O conceito de «substrato geológico» refere-se genericamente à rocha sólida subjacente ao solo ou a qualquer outro tipo de cobertura superficial não consolidada, tal como as grandes massas de água (McGraw-Hill 2002a, p. 43)6. Por coerência com o conceito de solo adoptado, fica excluída a fracção rochosa que integra o solo (e.g. afloramentos rochosos).

Relativamente ao conceito de «solo», adopta-se a definição do IUSS Working Group WRB. (2006, p. 8) segundo o qual, solo é “qualquer material a menos de 2 m de profundidade da superfície terrestre e que está em contacto com a atmosfera, excluindo os organismos vivos, as áreas cobertas com gelo permanente

não recoberto por outro material, e os corpos de água mais profundos que 2 m7

(t.a.). A definição adoptada inclui rocha contínua (à superfície, i.e., os

6 Entrada no idioma original: bedrock.

afloramentos rochosos), solos urbanos pavimentados, solos de áreas industriais, solos de cavernas, assim como os solos subaquáticos, podendo ser interpretada como ‘a epiderme da terra’ (idem, ibidem).

Figura 4 – Mapa conceptual da componente física da paisagem.

A «hidrosfera» compreende a totalidade da água distribuída pela superfície terrestre, incluindo a fracção que se encontra no estado gasoso, dispersa na atmosfera (McGraw-Hill 2002b, p. 170).

A «atmosfera» corresponde à envolvente gasosa do planeta, composta por azoto (78%), oxigénio (20%) e muitos outros gases, em pequenas proporções, incluindo os gases raros e o dióxido de carbono (Gaspar 2004). Este elemento é especialmente importante pois é em grande parte responsável pelo regime climático da terra. De acordo com Peixoto (1989):

“Na acepção geral, o clima é a síntese do tempo e a nossa expectação sobre as condições meteorológicas futuras. (...) Para compreender os mecanismos e os processos físicos responsáveis pelo clima, é necessário, primeiro, ter uma ideia clara das características, da estrutura e do comportamento do clima. Como a atmosfera é um sistema termo-hidrodinâmico, deve ser caracterizada pela sua composição, pelo seu estado termodinâmico, especificado pelas variáveis termodinâmicas (temperatura, pressão, densidade, etc.), e pelo seu estado mecânico (velocidades, acelerações, etc.). Uma descrição completa do estado da atmosfera deveria ainda incluir

outras variáveis, como a nebulosidade, a precipitação, a distribuição da energia, etc., que afectam o comportamento de larga escala da atmosfera. Tradicionalmente os elementos do clima mais importantes são a

temperatura e a precipitação. É com base nestes elementos que se faz a

classificação dos climas da Terra.”

(Peixoto 1989, p. 18) A interacção contínua dos referidos elementos está na base do processo ao qual de atribui a designação de «Dinâmica Geomorfológica», da qual resultam as formas de relevo que constituem um dos aspectos mais perceptíveis da componente física da paisagem.

Componente biótica da paisagem – Sobre a componente física da paisagem instala-se o conjunto de todos os seres vivos constituindo a componente biótica da paisagem, a qual é designada por alguns autores como «biocenose» e cujo mapa conceptual se apresenta na Figura 5. Segundo Looijen & van Andel (1999) entende-se por biocenose “o conjunto de organismos de diversos ‘phyla’ ou ‘classes’ taxonómicos(as), que co-ocorrem no espaço e no tempo” (t.a.). Esta definição torna claro que a componente biótica da paisagem corresponde a um conjunto de comunidades, dado que, seguindo os mesmos autores, uma comunidade corresponde ao “conjunto de organismos de um mesmo ‘phylum’ ou ‘classe’ taxonómico(a), que co-ocorrem no espaço e no tempo”(idem, ibidem). Pode mesmo considerar-se que o conceito de comunidade é sinónimo no conceito de «taxocenose»8 proposto por Hutchinson (1978). .

Por «população» entende-se:

"um grupo de indivíduos da mesma espécie, vivendo numa área de tamanho suficiente para permitir comportamentos de dispersão e de migração normais, e em que as mudanças na população são em grande parte determinadas pela dinâmica entre natalidade e mortalidade."

(Turchin 2003, p. 19) Finalmente, relativamente ao conceito de «espécie», este é um conceito difícil e polémico (de Queiroz 2007; de Queiroz 2005; Wilkins 2006).

Optando por evitar participar na discussão do conceito de espécie formulado com base em aspectos da biologia reprodutiva (vd. de Queiroz (2005)) optou- se por um conceito mais pragmático de espécie (designado por ‘conceito cínico de espécie’9 ou ‘conceito taxonómico de espécie’10), segundo o qual uma espécie corresponde a “Qualquer conjunto de organismos a que um taxonomista competente preferir chamar espécie” (t.a.) (Kitcher 1984, p. 308).

Figura 5 – Mapa conceptual da componente biológica da paisagem

Apesar de pouco objectivo, o conceito evidencia a sua natureza abstrata, salientando que a definição de uma espécie se constrói com base em conjuntos de espécimes considerados por um taxonomista como ‘pertencentes a uma espécie’, com base na sua afinidade (morfológica ou filogenética) e na suposição de que essa similaridade será mantida pelos seus descendentes próximos (Wilkins 2006).

Salienta-se que também esta componente da paisagem, com excepção das paisagens desérticas, influencia fortemente a percepção da paisagem, em particular a sua componente vegetal.

9 apud Kitcher (1984).

Componente cultural da paisagem – Já no período Holocénico surge uma nova componente na paisagem, à qual alguns autores atribuíram a designação de «Noosfera» (Zonneveld 1989; Vernadsky 2005), cujo mapa conceptual se apresenta na Figura 6. Por componente cultural da paisagem entende-se todas as modificações produzidas por mão humana sobre a paisagem prístina, nas quais se incluem os usos do solo e as estruturas antrópicas (i.e., construídas pelo Homem). O «uso do solo» é uma descrição de como as pessoas usam a terra: Fisher, Comber & Wadsworth (2005) salientam que se deve distinguir com clareza o ‘uso do solo’, da ‘cobertura do solo’.

Figura 6 – Mapa conceptual da componente cultural da paisagem.

Para os referidos autores a cobertura do solo é determinada pela observação directa, enquanto o uso da terra exige uma interpretação socioeconómica das actividades que têm lugar naquela superfície. Consequentemente a cobertura do solo é essencial para o desenvolvimento de modelos físicos do ambiente (climáticos e hidrológicos), mas não é tão útil para a maioria dos objectivos de planeamento e gestão (das actividades humanas ou dos recursos naturais), onde o uso é o fenómeno em questão.

Relativamente ao conceito de «infraestrutura», a sua definição não é trivial. A definição adoptada define infra-estruturas como “edificações ou sistemas que servem determinado país, cidade ou área [geográfica], tais como sistemas de transportes ou de telecomunicações, instalações de produção de energia ou escolas.”

(t.a.) (Webster’s Dictionary 2006). A definição apresentada engloba edifícios, redes de transportes (rodovias, ferrovias e outras infra-estruturas associadas tais como pontes e túneis) e redes de serviços (para abastecimento eléctrico, de água, de combustíveis líquidos ou para telecomunicações). A tipificação destas estruturas estará sempre dependente da escala de observação e do contexto geográfico da área em estudo, no entanto, indica-se como exemplo o caso do sistema de classificação EUNIS (vd. Secção J em Davies, Moss & Hill (2004)) que propõe um sistema de classificação para estruturas construídas, industriais ou outros tipos de estruturas artificiais11. Farina (2010) salienta a forma como esta componente da paisagem se constitui como um elemento de elevado impacte visual:

“Human use of land creates mosaics, and this seems the most visible human footprint associated with linear elements like roads and railways.”

(Farina 2010, p. 67). Torna-se pois evidente que a componente cultural da paisagem pode ter também um forte impacte na percepção da mesma, mesmo quando esta não é preponderante no que respeita à proporção de área ocupada, ou seja, mesmo quando a ‘matriz da paisagem’12 é natural.

Como foi afirmado anteriormente, a ideia de que a paisagem resulta da conjunção, num dado momento e local, destas três componentes pode ser encontrada em muitas definições de paisagem, por vezes de forma mais explícita, noutras vezes de forma implícita. O mapa conceptual de paisagem que resulta da discussão apresentada neste capítulo é apresentado na Figura 7.

11 No seu idioma original, tais estruturas são chamadas de habitat, o que é manifestamente incorrecto, como se poderá perceber de forma intuitiva. Uma justificação fundamentada sobre a incorrecção do uso de tal designação pode ser encontrada em Monteiro-Henriques (2010, p. 48), em nota de rodapé.

23 Figu ra 7 – Ma pa co nceptu al do conce ito de paisagem.

A explicitação gráfica do conceito de paisagem também não é inédita: partindo da metodologia proposta por McHarg, Steiner (2000) apresentou no seu livro “The living landscape” uma representação do conceito de paisagem como o resultado da sobreposição (ao longo do tempo) de camadas organizadas, num primeiro nível, de acordo com as componentes aqui referidas (Figura 8).

Figura 8 – Representação do conceito gráfico de paisagem apresentada por Steiner (2000), frequentemente designado por “the layer cake model”.