• Nenhum resultado encontrado

2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONCEITOS E REVISÃO

2.3 A FITOSSOCIOLOGIA E A SUA UTILIDADE COMO

2.3.2 Sobre a utilidade da Fitossociologia no estudo da dinâmica

Foi nas décadas de 1970-1980 que se produziu a evolução da Fitossociologia clássica (ou Sigmatista) para a Fitossociologia Dinâmica (ou Paisagista), a qual tem como conceito central a «série de vegetação» (Géhu & Rivas- Martínez 1981; Rivas-Martínez 1976), conceito este que se encontra estreitamente associado ao de «sucessão ecológica» (Clements 1916; Clements 1928). Através do conceito de ‘sucessão ecológica’ reconhece-se que a componente vegetal da biosfera é dotada de dinamismo, o qual ocorre numa escala temporal da ordem de séculos (ou pelo menos de largos decénios) e que, fruto desse mesmo dinamismo, é possível detectar mudanças nas comunidades vegetais que ocorrem num território (em certa medida)29 ecologicamente homogéneo, nomeadamente ao nível da estrutura, composição florística e abundância relativa das espécies vegetais em presença. Essa lenta evolução decorre percorrendo ‘patamares [ou estádios] metaestáveis’ correspondentes a distintas comunidades (identificáveis pela metodologia fitossociológica clássica). A transição entre esses patamares é determinada por um complexo conjunto de mecanismos ditos ‘de sucessão’, com origem natural ou antrópica, que podem produzir alterações no sentido do aumento da complexidade estrutural, da biomassa e da riqueza específica, conduzindo à saturação cenótica do cenótopo30 (mecanismos de sucessão progressiva), ou do seu decréscimo (mecanismos de sucessão regressiva) (vd., por exemplo, Capelo (2003) ou Loidi (2009)). Ao conjunto das fitocenoses

29 Naturalmente, as relações que se estabelecem entre biosfera e geosfera determinam também o comportamento dinâmico da geosfera, ou seja, haverá sempre alguma alteração do contexto ecológico do espaço em questão, nomeadamente em termos de desenvolvimento pedogenético, e condições higrométricas, microclimáticas, etc., ainda assim, dentro de certos intervalos de variação, esse território poderá ser considerado ecologicamente homogéneo.

30 A avaliação da saturação cenótica pode ser efectuada pela razão entre a produtividade primária da fitocenose e os seus gastos energéticos em respiração. Nas fitocenoses ‘saturadas’, essa razão tenderá para o valor um, sendo este comportamento típico dos bosques naturais bem desenvolvidos.

que podem ser encontradas em espaços tesselares afins (i.e. ecologicamente similares), que se encontram relacionadas entre si por mecanismos de sucessão (Figura 14), dá-se o nome de ‘Série de Vegetação’ (Rivas-Martínez 2007). Neste conjunto encontram-se tanto a fitocenose que corresponde ao estado final da sucessão, designada por «etapa madura» ou «cabeça de série», como as que correspondem aos estados iniciais e intermédios do processo de sucessão, também designadas por «etapas subseriais».

Primary productivity (ordinal scale) Dominant

plant life form

Therophytes Climactic forest Chamaephytic shruby communities Heliophyllous tall shrub communities Mesotrophic perennial grasslands Low scrub communities Annual forb/grass communities Therophytic succulent communities Fast growing secondary forests Loose soils perennial grasslands Oligotrophic and/or pioneer perennial grasslands Hemi- -cryptophytes Chamaephytes Nano- -phanerophytes Micro- -phanerophytes Meso- -phanerophytes Chamaephytic succulent communities Slow growing secondary forests

Primary productivity (ordinal scale) Dominant

plant life form

Therophytes Climactic forest Chamaephytic shruby communities Heliophyllous tall shrub communities Mesotrophic perennial grasslands Low scrub communities Annual forb/grass communities Therophytic succulent communities Fast growing secondary forests Loose soils perennial grasslands Oligotrophic and/or pioneer perennial grasslands Hemi- -cryptophytes Chamaephytes Nano- -phanerophytes Micro- -phanerophytes Meso- -phanerophytes Chamaephytic succulent communities Slow growing secondary forests Therophytes Climactic forest Chamaephytic shruby communities Heliophyllous tall shrub communities Mesotrophic perennial grasslands Low scrub communities Annual forb/grass communities Therophytic succulent communities Fast growing secondary forests Loose soils perennial grasslands Oligotrophic and/or pioneer perennial grasslands Hemi- -cryptophytes Chamaephytes Nano- -phanerophytes Micro- -phanerophytes Meso- -phanerophytes Chamaephytic succulent communities Slow growing secondary forests

Figura 14 – Modelo teórico do processo de sucessão ecológica, com base numa tipologia ecofisionómica de comunidades vegetais (Aguiar, inéd.)

A série de vegetação constitui a unidade teórica fundamental da Fitossociologia Dinâmica, resultando da união de uma tessela (espaço geográfico de ocorrência da série) com o seu «habitat» (espaço abstracto multidimensional do conjunto dos factores ecológicos, ocupado pela série) e com o conjunto de comunidades, associadas entre si pelos processos de sucessão, que ocupam esses espaços (comunidades subseriais + respectiva ‘cabeça de série’). Por tal razão, para nomear correctamente uma série de vegetação, importa mencionar não apenas o seu nome (de acordo com o código internacional de Nomenclatura Fitossociológica (Weber, Moravec & Theurillat 2000)), mas também as suas características ecológicas e geográficas mais importantes através de uma frase que indique ordenadamente: âmbito biogeográfico, carácter bioclimático, afinidades edáficas, assim como a espécie dominante na associação denominada ‘cabeça de série’ (Rivas- Martínez 2007). No sentido estrito, o nome de uma série de vegetação corresponde ao nome da associação que constitui a ‘cabeça de série’, à qual se substitui o sufixo -etum pelo sufixo -eto, seguido do epíteto sigmetum.

No estádio final da sucessão – em condições ecológicas médias para determinado contexto climático e sobre solos zonais – atinge-se a fase final da sucessão ecológica, a qual se caracteriza pela existência de comunidades vegetais no estado máximo de maturidade ecológica (máximo de biomassa e diferenciação estrutural) designadas por «comunidade clímax» ou «vegetação climácica». Com base nos trabalhos de Rivas-Martínez (1976) e Capelo (2003), apresenta-se uma síntese dos principais conceitos relacionados com a noção de ‘clímax’.

ƒ «Clímax climatófilo»: último estágio da vegetação que se desenvolve sobre solos que retêm apenas água da chuva (i.e., perfazendo a capacidade de campo do solo e drenando a água restante), profundos e sem excesso de iões fitotóxicos, mantendo- se em equilíbrio com o macrobioclima regional. Em termos fisiográficos, correspondem às situações planas ou de meia encosta («euclimatopos», apud Capelo (2003)).

ƒ «Clímax (edafófilo) edafoxerófilo»: último estágio da vegetação que se desenvolve no âmbito climático anteriormente referido mas em situações fisiográficas em que se verifica a redução da espessura de solo vivo (cristas ou paredes rochosas, por exemplo), o que resulta numa reduzida capacidade de retenção da água proveniente da precipitação. Nestes biótopos desenvolvem-se comunidades com menores necessidades em água (comunidades xerofíticas). A secura anormal tem portanto origem nas condições topográficas e de solo.

ƒ «Clímax (edafófilo) edafo-higrófilo»: último estágio da vegetação que se desenvolve sobre solos pedogeneticamente evoluídos, mas em fundos de vale ou bacias endorreicas com drenagem hídrica deficiente. Nestas situações existe um excesso de água de origem freática que se soma à água proveniente da precipitação. Correspondem, por exemplo, às florestas de galeria ripícola, as quais foram anteriormente também designadas por Subclímax (Rivas-Martínez 1976).

ƒ «Clímax paraclimácico»: último estágio da vegetação que se desenvolve sobre solos oligotróficos (i.e., muito pobres em nutrientes minerais) (Tüxen 1956; Rivas-Martínez 1976). Géhu

(2006b) afirma que alguns autores franceses utilizaram, de forma errada, o termo ‘paraclimácico’ para se referirem a comunidades resultantes de perturbações humanas de longa duração, mas que esse não é o sentido original do termo, devendo evitar utilizar-se no referido caso.

ƒ «Clímax disclimácico»: apesar do conceito de clímax de Clements (1936) não ser o mesmo dos autores europeus (vd. Capelo (2003)), o conceito de disclímax tem sido utilizado indistintamente para designar comunidades sucessionalmente evoluídas, distintas do clímax, que resultam de processos de perturbação recorrentes e frequentemente (mas não obrigatoriamente) associados a actividades humanas. São exemplo deste tipo de vegetação as formações pirófilas, i.e., adaptadas à passagem frequente de fogos, que por essa causa se estabelecem com grande dominância e resiliência, constituindo um ‘impasse sucessional’ difícil de suplantar.

Um conceito adicional que importa discutir é o de «permassérie de vegetação». Este conceito corresponde a uma versão particular de série de vegetação, normalmente associada a um contexto ecológico muito localizado e específico31 («microtessela», ou «permatessela»), no qual a sucessão em direcção ao clímax se viu bloqueada numa etapa perene geralmente mal estratificada e pobre em estágios subseriais não anuais (Rivas-Martínez 2005). Este é o caso de vários locais com contextos climáticos particulares (territórios polares, hiperdesertos, topos de altas montanhas) ou situações geomorfológicas muito específicas (cristas rochosas, paredes ou escarpados rochosos e respectivas fissuras, dunas móveis, arribas costeiras, turfeiras, margens de rios, margens de lagos e charcos, nascentes, sapais e charcos temporários). Nestas condições, além das comunidades constituídas por espécies anuais efémeras e outras que possam estabelecer-se temporariamente em zonas abertas ou degradadas, apenas a comunidade perene original pode subsistir, reorganizando-se de forma cíclica e permanente (idem, ibidem).

31 De acordo com Loidi et al. (2009, p. 79), a especificidade ecológica das permatesselas decorre da existência no local de (pelo menos) um factor limitante do desenvolvimento vegetal, ou seja, indutor de stress. São exemplos desses factores a elevada salinidade, a higromorfia ou o vento excessivo.

2.3.3 Sobre a utilidade da Fitossociologia no estudo da distribuição