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4 “QUEM TEM BOCA VAI À ÁFRICA”: O DEBATE NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DO SERVIÇO SOCIAL SOBRE A PROBLEMÁTICA ÉTNICO-

4.1 A questão étnico-racial à luz do materialismo histórico-dialético

Analisando a partir do método materializado nas produções encontradas, é certo que a maioria dos artigos analisados se propõe a analisar a partir do método crítico-dialético, principalmente a partir de 2010, onde é a baliza metodológica que influencia toda a categoria, contudo, deve-se enfatizar a presença de abordagem ecléticas que colocam a questão racial no campo da luta individual, sem inseri-la na luta de classe e na contradição fundamental do capitalismo.

Não obstante, ainda é possível encontrar certos traços da pretérita vertente que fundamenta um ideário de conformidade às práticas omissas à realidade da questão social brasileira, “romantizando” a luta negra frente à sociedade, apresentando um contexto de profundo desinteresse nas conjugações correntes do impacto das causalidades na sociedade.

O profundo consentimento à construção de uma narrativa acrítica e romantizada da problemática negra vinculada ao protagonismo feminino, tanto na sociedade de classes quanto

na profissionalização do Serviço Social, contribuem para uma corrente que nega em absoluto tudo o que fundamenta a composição da profissão e tudo o que mobiliza a construção dos projetos societários. Nega a luta. Nega sua construção histórica. Nega o seu potencial emancipatório (CARNEIRO, 2003; PEREIRA, 2010).

Tal realidade coloca a necessidade de qualificar as respostas profissionais diante das expressões da questão social. Uma das questões postas ao assistente social refere-se à articulação teoria e prática. O profissional precisa apropriar dos conhecimentos teóricos de forma a compreender as diferentes mediações que perpassam as relações sociais nas quais está inserido. Só assim, o profissional pode se posicionar criticamente diante dos ditames governamentais, da organização das políticas sociais, das demandas que são colocadas como competência profissional e até mesmo diante da sua própria prática. A compreensão dessas relações ganha vida quando o assistente social utiliza do seu conhecimento para qualificar sua prática profissional. Sistematizar a prática profissional, fortalecer a relação com os usuários, socializar informações, colocar-se criticamente diante das ações governamentais, lutar pela universalização dos direitos sociais são alguns caminhos a serem colocados como direcionamento da prática. São aspectos gerais da prática profissional, mas que no contexto brasileiro, precisam ser considerados associados à questão racial (ROZA; LOPES, 2015).

Ademais, a estrutura prevalecente no trato da questão étnico-racial nos periódicos analisados constitui um compromisso com o método de Marx, o qual, segundo Netto (s.d.) é compatível à realidade investigativa do Serviço Social, tendo que é a partir dele que se baliza a conformidade atuante, haja vista que:

o profissional necessita possuir uma visão global da dinâmica social concreta. Para isto, precisa conjugar o conhecimento no modo de produção capitalista com a sua

particularização na nossa sociedade (ou seja, na formação social brasileira). [...]

encontrar as principais mediações que vinculam o problema específico com que se ocupa com as expressões gerais assumidas pela “questão social” no Brasil contemporâneo e com várias políticas sociais (públicas e privadas) que se propõem a enfrentá-las. [...] apropriar-se criticamente do conhecimento existente sobre o problema específico com o qual se ocupa. (NETTO, s.d., p. 32)

Acerca dessas proposições, vale ressaltar de imediato que as construções históricas, encontradas na quase totalidade dos artigos, representam a afirmação de que o racismo se trata de um legado do escravismo, uma herança trazida das práticas trabalhistas exploratórias que fomentam nas práticas contemporâneas de subalternização do trabalho; ou seja, enxergam o racismo como uma consequência das práticas econômicas excludentes, não como uma construção a partir da estrutura social que se difunde na acumulação primitiva do capital e se estrutura nas bases capitalistas.

Como evidencia Pereira e Sampaio (2018, p. 444): “a constituição da classe trabalhadora brasileira possui não apenas a exploração própria do capitalismo, mas é marcada por um profundo processo de subalternização demarcado pela escravização e pelo racismo”.

[...] as ideias de raça (e o racismo que lhes são inerentes) não se extinguiram no processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Pelo contrário, as mesmas ideias racistas que atribuíam superioridade e inferioridade a diferentes indivíduos por origem e fenótipo nos séculos da escravidão também pautaram e determinaram a constituição do trabalho livre e do capitalismo em território brasileiro (ORTEGAL, 2018, pp. 419-420).

Significa dizer que a articulação histórica preponderante da categoria, analisa a formação dos determinantes raciais na sociedade como caracterização socialmente determinada consequente das colocações econômicas. Importa destacar que pelas análises presentes, nega-se completamente o constructo formado pelas lutas sociais do movimento negro; os ditames legais que influenciam sua recorrente posição na sociedade; a proposição que o capitalismo compõe numa determinação necessária da subalternidade; o fator de construção econômica pelo fomento do mercado; bem como as estruturações e reestruturações que levam ainda hoje o negro a uma posição desfavorável em todos os termos sociais.

Acerca do racismo, localizam-no nas relações de poder, estruturando-o política e economicamente:

Desse modo, raça1 ganha centralidade como variável presente na produção e reprodução das desigualdades sociais e nos processos de exclusão social da população negra no Brasil. [...] Assim, a população negra do país tem sido subjugada, violentada e criminalizada desde a escravidão para saciar os interesses sociais e econômi- cos das classes ricas — fenômeno acolhido por leis cujos efeitos camuflam, revalidam e perpetuam a opressão. A propagação do discurso preconceituoso e discriminatório alicerça a narrativa para desqualificar a cidadania afrodes- cendente (MADEIRA; GOMES, 2018, pp. 464-465).

Destacam-no como estrutural no sistema de classe e estratificação social:

O racismo foi abrindo caminhos para o abismo social entre negros e não negros na sociedade brasileira. Por esse motivo, buscamos explicitar não ser esse um problema que se limita ao âmbito interpessoal, comportamental, sendo uma questão estruturante das relações sociais, que em sua intersecção com o gênero e a classe demarca lugares sociais (MADEIRA; GOMES, 2018, p. 468).

Além disso, o dimensionam em três formulações específicas a partir da concepção de Werneck:

1) pessoal/internalizado, relacionado a sentimentos e condutas do próprio indivíduo para consigo e a aceitação individual de padrões e estigmas racistas, 2) interpessoal, manifestado por meio de ações ou omissões presentes nas relações sociais, por meio das quais se expressam o preconceito e a discriminação, expressões mais conhecidas do racismo, geralmente significados pelo senso comum como o racismo em sua totalidade, 3) racismo institucional, também conhecido como racismo sistêmico, e que contempla ainda a perspectiva do racismo estrutural. Esta dimensão está associada a questões materiais e de acesso a poder (2016 apud ORTEGAL, 2018, p. 422).

Além desses propostos também marcam reflexão a respeito da importância da compreensão da diáspora negra para a construção da realidade contemporânea:

É a diáspora, mais precisamente a diáspora africana, a categoria res- ponsável por reconectar o problema do racismo à sua formatação histórica na modernidade. Sem a compreensão dos flagelos sofridos pela população negra trazida à força para as colônias europeias, e de como esse histórico produz efeitos nos dias de hoje, tratar de racismo tende a ser mais um dos debates sobre as mazelas da sociedade capitalista do século XXI, aferíveis em números e curvas gráficas. O conhecimento sobre a diáspora africana é o que possibilita recompor as dinâmicas de opressão nos países colonizados, extrapolando as geografias oficiais e complexificando o esquema socioeco- nômico tradicional, em que a opressão está diretamente relacionada à pobreza econômica (ORTEGAL, 2018, p. 423).

Ainda que partindo de uma análise, ora superficial, da formulação da questão racial na sociedade, a estrutura que define o lugar do negro na sociedade é bem concentrada, tendo em vista pontos relevantes do contexto econômico-social que são levantados nas discussões, como a economia da dependência e o antagonismo do desenvolvimento do capital, basicamente refletindo a respeito do papel do Brasil na economia internacional e a relação com a estrutura classista preponderante do capitalismo brasileiro, tendo em vista o seu papel na reprodução da opressão da classe trabalhadora materializada na racialidade.

Além disso, acerca das reflexões sobre a questão racial na contemporaneidade, desenvolve-se no processo do mito da democracia racial quando da sua relação com a classe, desenvolvendo-se o ideal de meritocracia, construída a partir de uma estruturação entre raça e classe que aprofunda as desigualdades, quando se nega o racismo na estrutura social capitalista brasileira.

O principal destaque contemporâneo para a questão étnico-racial está nas construções da sociedade, bem como da luta de classes, nesse processo, que vem demasiadamente tentando se posicionar no debate da categoria, tendo em vista sua necessidade para o entendimento da temática em suas balizas sociais na estruturação do conjunto político-social dessa população.

Além disso, esta discussão passa a abarcar consequentemente a estrutura do trabalho na sociedade atual, bem como suas condições de emprego e renda, tendo em vista que a protoforma da sociedade de classes advinda do capitalismo está no trabalho realizado, na sua produção e reprodução social, bem como sua hierarquia.

Acerca do que propõe sobre a questão indígena - sempre destarte da questão do negro nas discussões apresentadas, mesmo tendo grande proximidade à questão quilombola -, sua representação está localizada majoritariamente no segmento da questão agrária e no campo dos direitos, destacando principalmente o processo de urbanização, que se reflete nas

demandas cotidianas indígenas tanto no que concerne a problemática da demarcação de terras, que designam propriedade através da grilagem11 e expropriam tribos de sua terra por direito, quanto no processo de aculturação, que se formula como retirar do índio suas marcas culturais.

Tal construção representa grande polêmica entre a dualidade: etnias indígenas versus sociedade nacional, construindo um ideal de aculturação apenas pelo processo de evasão das tribos e adoção de novos estilos de vida “mais urbanos”; além disso, concentra também nesta discussão, a exculturação, cuja emblemática protagoniza a coação à mudança de localidade e de práticas sociais urbanas advindas do processo de nacionalidade forçada.

Nesse sentido, constrói-se o contexto de vulnerabilidade social, advindo do modo de vida conflitante entre as práticas culturais indígenas e o modo de vida capitalista a que se submetem as tribos pela proximidade com a sociedade nacional.

As perspectivas de classe abordada pelos autores trazem à construção da fala étnico- racial na categoria uma reafirmação da construção histórica difundida nos moldes capitalistas os quais fomentam a sociedade e se difundem para as chamadas “minorias” na progressão da questão social. Logo, é possível observar o debate refletido na construção ético-política da profissão, pensado e refletido na proposição de melhorias na atuação profissional, visando compor um patamar mais abrangente aos projetos societários balizados na problemática racial construída nas bases da classe trabalhadora.

4.2 As áreas do conhecimento do Serviço Social e as tendências teórico-metodológicas da