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Neoliberalismo e conservadorismo: a direção do projeto profissional e seus rebatimentos à apreensão da questão social

3 QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL E SERVIÇO SOCIAL: AS FERRAMENTAS PROFISSIONAIS PARA A GARANTIA DE DIREITOS DOS CIDADÃOS POR MEIO

3.2 Neoliberalismo e conservadorismo: a direção do projeto profissional e seus rebatimentos à apreensão da questão social

A herança conservadora que segmenta as protoformas do Serviço Social ao longo de seu estabelecimento e desenvolvimento na divisão social do trabalho reflete o caráter difundidor e irreverente que possui os ideais que lhe fizeram berço, destes, o “comunitarismo cristão”, sendo tal conjectura, determinante, principalmente, da relação íntima entre a Igreja e o surgimento da profissão (IAMAMOTO, 2000).

Assim inseridos como “grupos de classe dominante”, a incorporação do Serviço Social na sociedade passa a refletir, nas minúcias de sua atuação, os interesses exclusivos do capital, através de ações que trabalhariam para os pobres e ao mesmo tempo atendendo aos interesses do capitalismo.

A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração entre capital e trabalho (IAMAMOTO, 2000).

A dualidade de sua atuação, disparada em paliativos de gestão da pobreza, acaba por contribuir unicamente com o agravamento das precárias condições vividas pelo operariado, cujo reflexo social se funde na constante da questão social, estando sempre concentrada no antagonismo de classe reafirmado no polo conservadora das ações nas políticas públicas.

Essas ações irão contribuir, sumariamente, com “a afirmativa de que o Serviço Social

emerge como uma atividade com bases mais doutrinárias que científicas, no bojo de um movimento de cunho reformista-conservador” (IAMAMOTO, 2000). Sendo assim, não há

efetiva modificação ou colocação específica do profissional como difundidor e promotor dos direitos com interesse na emancipação dos sujeitos - tal qual é confirmado no cenário atual -, o que se verifica de fato é a constante dos ideais que justificam a permanente realidade do proletariado.

O tradicionalismo que impera a construção da profissão em face de autocracia burguesa7 permeia sua trajetória até sua ruptura no Movimento de Reconceituação. Ocorre que, de modo candente, a erupção da questão social com o amadurecimento do capitalismo e a disfuncionalidade dos serviços assistenciais da época, somado ao cenário político-econômico formado, trazem ao Serviço Social a necessidade de assumir uma postura mais incisiva quanto à sua colocação neste marco situacional.

Ora, se por um lado, a sociedade e suas relações, o agravamento dos conflitos advindos da relação capital-trabalho, o adensamento das condições precárias da vida minadas por um governo progressista e limitante das estratégias que visam à população; em outro, a categoria profissional não se absteria por completo de sua responsabilidade social, seu compromisso com a classe trabalhadora, bem como com a garantia de seus direitos.

7 Segundo Netto (2015) a autocracia burguesa vai dar suporte histórico-social para a derrocada do tradicionalismo na profissão, mesmo que em certo modo e em certo tempo, tenha “jogado dos dois lados” no quesito de funcionalidade das atividades profissionais “maquiadas” no processo de intervenção.

Somado a esse processo, tem-se o adensamento das condições sociais que se afirmam com a ascensão neoliberal - que surge como uma ofensiva aos ideais liberais até então propostos, haja vista a colocação do Welfare State desestruturado da obtenção de capital excedente, ou mesmo emergencial -, sendo assim, diferente à posição liberal, o neoliberalismo traz a ofensiva capitalista em seu modo mais agressivo socialmente, disseminado no processo produtivo pelo controle de gastos sociais, recessão no financiamento da proteção social já vigente no período, além do progressivo esgotamento dos fundos de gastos sociais.

Tais determinantes, são resultados do processo de crise econômica que resvala no segmento da construção do Estado de Bem Estar Social, como trata Behring e Boschetti (2011), foi cerceado justamente do contraposto neoliberal que assumia novas determinações à atuação do Estado, materializado, principalmente, na contenção de gastos sociais e a gestão do desemprego estrutural, dos quais mais a frente se reproduziria em fome, miséria, pauperização em massa, e o distanciamento aprofundado das realidades de classe.

Ou seja, é a partir do projeto neoliberal, que, destacando-se a agudização das desigualdades sociais, o desemprego em massa, o pauperismo, a condição dos indivíduos em situação de rua, o deslocamento das massas para as margens dos grandes centros, que influenciarão no desenvolvimento das favelas, tendo em vista que o processo de urbanização8 é a única e simples uma construção de classe.

Advêm, estas determinações, do posicionamento político frente à crise econômica que assola o Brasil no período de 1970 - decorrente da total dependência da economia estrangeira para a valorização de seu próprio capital -, e principalmente, quando da tomada de consciência da gestão pelos gastos sociais decorridos do ideário neoliberal, o qual estruturou o processo de formulação das políticas sociais, e estruturou também todo o centro de promulgação contínua de proteção aos cidadãos, desviando gastos de contingência, para a obtenção das manobras de contenção do operariado pela assistência.

Assim, como em todas as crises sociais advindas do controle de capital, separa-se no interclasses social, a distância incisiva entre a classe dominante e a classe operária - e quem perde mais? -, apesar das reformas do Estado, a tendência capitalista mina os recursos e despreza o contingente destinado às políticas públicas, tendo a única importância somente para a focalização, descentralização e privatização destas (SOARES, 1995).

Nesse cenário, vale interpor que frente à questão social, aparecem evidentemente as consequências raciais nesse processo de sucateamento das condições de vida, tendo em vista 8 É em Harvey (2008) que se coloca o processo de desenvolvimento social no patamar estrito do processo gerado pela construção de classe na sociedade.

que o processo de formação social brasileiro, em que “coube à população negra o lugar subalterno, o tratamento discriminatório no acesso aos serviços e políticas públicas e no âmbito da justiça criminal” (EURICO, 2011, p. 26), como já abordado no capítulo anterior, formula a estruturação de uma sociedade baseada no pluralismo racial, pelo processo de miscibilidade (característica do ideal de branqueamento) que vai apenas difundir o ideal de democracia racial9, mas que na realidade vem somente negar a raça frente às instâncias sociais.

Destaca-se:

A decadência do modo de produção escravista é visível ao longo do século XIX e a burguesia nascente precisa adequar-se ao modo de produção industrial admitindo trabalhadores assalariados. Aos novos trabalhadores são requisitadas algumas qualidades essenciais como inteligência e disposição para o trabalho, fineza no trato com as pessoas, obediência, enfim atributos “naturais” do homem branco e acidentalmente encontrados no contingente negro da população brasileira (EURICO, 2011, p. 27).

Faz-se necessário alocar o patamar social do negro na realidade brasileira, pois significa, em processo, que assim como em sua inserção nas determinações sociais brasileiras, o processo discriminatório, segue o rumo das discrepâncias sociais influenciadas pelo contexto de racialização da população.

Não obstante, importa trazer ao cerne desse processo de agudização das desigualdades, que na estrutura contemporânea do trabalho, a reatualização da escravidão serve de lembrete para as vertentes que condensam o processo de racialidade brasileira numa simples disfunção histórica superada.

Cabe aqui interpor que as novas formas de trabalho, trazidas pelo avanço neoliberal, materializada precarização do trabalho por meio da privatização de setores e instituições públicas, terceirização do trabalho, aumento desenfreado das formas de trabalho informal, além do corrente estímulo para o crescimento do empreendedorismo.

Tais articulações minam em uma vertente da construção do trabalho no país, especialmente pelo fato de que estas mesmas não possuem qualquer financiamento ou proteção por meio do Estado para coexistir, retirando assim, a responsabilidade, principalmente no âmbito da Proteção Social, do Estado e passando para o próprio trabalhador. Neste cenário, o Serviço Social passa a desenvolver e consolidar um projeto

9 Conceito abordado por Freyre (2000) para propor uma miscibilidade “amigável” nas relações sociais desenvolvidas a partir do capitalismo; um constructo de respeito e irrelevância à característica de cor frente o antagonismo de classe vislumbrado na construção social.

profissional a partir dos interesses, demandas e necessidades históricas da classe trabalhadora nas suas vertentes (VASCONCELOS, 2015).