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1.2 – A Questão de Gênero e a Relação de Classe

A história da humanidade foi escrita sempre enfocada nas atitudes dos homens, nas frentes de batalhas e nas expedições, enquanto que a mulher era colocada como um ornamento à paisagem, uma peça essencial à beleza da casa, havendo pois, a omissão em relação ao fruto de seu trabalho, porém essenciais para que esses desbravadores pudessem realizar seu trabalho. Além de que, a história das mulheres foi distorcida por médicos, que ao desconhecerem as anomalias do corpo da mulher, acusavam-nas de histéricas e de serem castigadas pelos pecados cometidos no passado, como por exemplo, a sedução provocada por Eva, tese fortemente defendida pela igreja Católica19.

Todas as anomalias ocorridas com a mulher acabavam se resumindo a essa explicação, já que a medicina era ainda incipiente e tratava o desconhecido como coisas do “além”. O poder centrado na igreja impedia os avanços na medicina e, conforme DEL PRIORE (2000a), houve até um período em que a medicina portuguesa ficou no obscurantismo, porque foi proibida pela Igreja de avançar nas experiências e descobertas científicas enquanto em outros lugares essa condição já havia começado a mudar. Nesse ínterim, os problemas das mulheres eram muitas vezes resolvidos com as curandeiras, também condenadas pela Igreja, onde muitas delas foram queimadas pela Santa Inquisição, já que se mostravam contrárias às determinações da sabedoria cristã. A condenação se dava primeiro, porque as curandeiras eram mulheres e em segundo lugar, porque sabiam tratar das doenças muitas vezes melhor do que os médicos.

A Igreja, então, ao manifestar a misoginia em relação à mulher, tem demonstrado contribuir para a criação de estigmas e tabus em relação às atitudes das mulheres na sociedade e muitas delas estão presentes até hoje, como a cobrança pela virgindade antes do casamento e a negação de exercerem a profissão de padres.

Isso certamente ajudou a construir a idéia de que o trabalho era associado à demonstração de força e saber, e estes eram realizados no espaço público, enquanto que as mulheres se confinavam no ambiente privado do lar, com as tarefas mais monótonas de cuidar de filhos, costurar, cozer, etc.

ENGELS apud GUTERRES (2001) coloca que, a opressão feminina surgiu com a família monogâmica e com a apropriação do excedente, pois nas sociedades pré-capitalistas o trabalho produtivo era realizado pelas mulheres de forma relevante. Segundo a autora, na Antiguidade as mulheres desempenhavam funções juntamente com os homens e na Idade Média participavam da confecção de vários artigos sem serem mestres de ofício. Para GUTERRES (2001) a opressão surge com a sociedade de classes e a apropriação do excedente produzido, o que acaba gerando a divisão social do trabalho.

A separação entre o local de produção e reprodução, por outro lado acaba gerando a divisão sexual do trabalho e é nesse momento que a mulher se torna subjugada, pois o poder passa a ser identificado pela pessoa responsável pelo sustento da família, já que o trabalho doméstico se torna um trabalho invisível e inexpressivo.

A família monogâmica passou a servir como uma forma de preservar a riqueza gerada pelo excedente, no sentido de que era necessário saber quem eram seus herdeiros, pois diferentemente das sociedades primitivas onde não era importante saber o paradeiro do pai, aqui o parentesco se torna o referencial para a preservação da riqueza. As relações estabelecidas com a família monogâmica se associaram ao patriarcalismo, cuja característica era identificada na figura do homem, como sendo o chefe da família o que acabou reproduzindo dessa forma, relações de dominação e de poder econômico. Esses fatores segundo GUTERREZ (2001) fizeram com que se estabelecesse na família relações de dominação e de poder por parte do homem sobre a mulher, pois:

O patriarcalismo é a apropriação masculina das condições de trabalho, dos meios de produção e de subsistência do trabalhador. A mulher permanece enclausurada no âmbito doméstico enquanto o homem esgota-se no trabalho na fábrica, no comércio, etc. Assim estruturada, a sociedade não se dá conta de que a divisão sexual do trabalho permite que determinados membros da família trabalhem para que outros possam investir o tempo poupado em casa, no trabalho produtivo, “fora de casa”. O tempo de trabalho doméstico poupado é alocado à produção capitalista. O núcleo familiar patriarcal reproduz as relações internas de dominação entre homens e mulheres. O homem aparece como dominador e a mulher como a dominada. ( GUTERREZ: 200, p.24)

Em contrapartida disso, as mulheres quando ingressam no trabalho assalariado, pela necessidade de contribuir com o orçamento familiar, não há, conforme visto, uma redistribuição das funções domésticas, tornando, então para a mulher muito mais oneroso seu ingresso no mercado de trabalho. Porém essa inserção, pode revelar não só a busca de mudanças a essa condição, mas pode revelar a construção de uma nova identidade da mulher, ao resistir as condições enquanto trabalhadora.

LÊNIN (1980) coloca que, o trabalho na fábrica, pode ampliar os horizontes da operária, pois pode transformá-la numa pessoa instruída e mais independente e que pode se libertar das travas da família patriarcal. Para ele, o desenvolvimento da grande indústria criaria a base para a plena emancipação da mulher.

Nesse sentido, podemos refletir se apesar do duplo sofrimento das mulheres ao se assalariar, em decorrência da dupla jornada de trabalho, essa experiência pode acarretar a adoção de uma forma diferenciada de ver o mundo? Ou seja, a realização da dupla jornada de trabalho seria uma forma de resistência das trabalhadoras? E estariam pela inserção no mercado de trabalho, transformando aos poucos a ordenação da sociedade com a formação de famílias monoparentais, expressando nessas atitudes o poder de transformar sua realidade?

Assim, as diversas formas de inserção das mulheres nos diversos meios, antes impensáveis para ela, como o mercado de trabalho, com cargos de chefias, nas direções de sindicatos e nos partidos políticos, pode estar sendo uma tendência que pode viabilizar mudanças para si e para o gênero.

Podemos perceber a seguir como algumas mulheres, juntamente com o feminismo tem contribuído para a construção de novas identidades ou de referenciais, ao lutarem por causas que em cada momento teve sua importância, no sentido de que as lutas foram sempre em busca de conquista de novos espaços e esses espaços foram sempre conquistados a duras penas. Mas a busca pelos direitos de cidadãs, as mulheres marcaram a história.