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A (re)constitucionalização A Constituição de

No documento TESE DE DOUTORAMENTO Lisboa Junho, 2013 (páginas 153-157)

Em 3 de Setembro de 1931 o Rei Alexandre outorgaria uma nova Constituição para a entidade política jugoslava nascente351. A nova Constituição continuava certos traços

350 Os nomes de tais divisões foram formados a partir dos nomes dos principais rios que as atravessavam.

Os sérvios constituíam maioria em seis dessas divisões, os croatas em duas delas, os eslovenos numa (e os muçulmanos em nenhuma). Veja-se a Proclamação do Rei e os actos jurídicos mencionados no corpo do texto no Annuaire de l'Institut international de droit public-1930, Paris, 1930, pp. 1396 e ss. (entrada «Yougoslavie»).

351 A sua entrada em vigor não estava subordinada a um referendo ou a uma ratificação parlamentar.

Alexandre rejeitou então um projecto de alteração constitucional elaborado pelo Ministro da Justiça Dimitrije Ljotic´ e que obedecia a um modelo de Estado corporativo. No art. 24.º, não deixou de se prever a existência de um «conselho económico» «constituído por representantes das profissões económicas e

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fundamentais do ordenamento pregresso – em sede de «representação nacional» mantinha-se uma Câmara de deputados designada por «sufrágio universal, igual e directo» (arts. 54.º e ss.) e as “tradicionais” liberdades modernas não deixaram de ser solenemente consagradas (na segunda parte do texto constitucional, intitulada «direitos e deveres fundamentais dos cidadãos»), por exemplo. Estava em causa, porém, uma outra decisão axiofânica de base. No artigo primeiro do texto constitucional, dizia-se: «O Reino da Jugoslávia é uma monarquia hereditária e constitucional»; não já, como na anterior constituição: «O Reino dos Servos, Croatas e Eslovenos é uma monarquia Parlamentar».

Uma proclamação real enquadrando a acção de reconstitucionalização da ordem, reafirmando o telos último nacional-estatal da ordem in fieri, esclarecia que o novo instrumento jurídico teria em vista a definição de um regime normal e definitivo que pudesse servir um tal telos – «A salvaguarda da unidade nacional e da integridade do Estado constitui o meu dever sagrado e o fim mais elevado do meu reinado; tal foi o motivo e a tarefa do regime que estabeleci a 6 de Janeiro de 1929. (…) Plenamente convencido que os resultados do trabalho realizado até agora, que a consciência política e nacional sã bem como a experiência do povo permitem abordar a realização e a organização definitivas das instituições e da estrutura do Estado que melhor corresponderão às exigências nacionais e aos interesses do Estado, decidi colocar o trabalho feito até agora e a realização da política nacional e do Estado numa base mais ampla de colaboração directa do povo».

Uma fórmula de Invocatio Dei introduzia o novo dispositivo jurídico-constitucional, assinalando a transcendência do acto real que pretendia dar (verdadeira) forma (estatal- nacional) à Jugoslávia: «Tendo fé em Deus e no futuro feliz do Reino da Jugoslávia. Concedo a Constituição do Reino da Jugoslávia» era a frase derradeira da proclamação real; «Nós, Alexandre I, pela graça de Deus e a vontade do povo, Rei da Jugoslávia, promulgamos e prescrevemos a Constituição do Reino da Jugoslávia», lia-se no preâmbulo constitucional352.

por peritos», o qual deveria funcionar como «corpo consultivo nas questões económicas e sociais», dando «pareceres técnicos a pedido do Governo real ou da representação nacional».

352 A «Proclamação do Rei» e a «Constituição do Reino da Jugoslávia promulgada a 31 de Setembro de

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O novo art. 29.º (1ª alínea) traduzia o espírito do Regime em construção: «O Rei é o guardião da unidade nacional e da integridade do Estado. É o guardião dos seus interesses a todo o momento (…)». A Constituição declinaria um princípio de preeminência do Rei na ordem constitucional. O Rei, que nomearia e demitiria o Presidente do Conselho e os Ministros, teria agora o Conselho de Ministros directamente sobre as suas ordens (art. 77.º), não se consagrando um princípio de responsabilidade política do Governo perante o Parlamento (Skupstina)353. O Rei exerceria outrossim o poder legislativo conjuntamente com as Câmaras (art. 26.º), estabelecendo-se, designadamente, o seguinte: a iniciativa legislativa dos Ministros dependeria de autorização real; se a Câmara dos Deputados e o Senado não estivessem de acordo sobre o texto de um projecto de lei numa dada sessão, este seria afastado da ordem dia da sessão, mas se tal se repetisse na sessão seguinte, a decisão sobre o projecto pertenceria ao Rei354.

Em tema de «modificações da constituição», mais especificamente no artigo 116.º, por alguns denominado de «pequena constituição», vertia-se inclusivamente uma ideia de superioridade do Rei em relação à constituição formal: nele se estabelecia que «em caso de guerra, de mobilização, de perturbações ou motins pondo em questão a ordem pública e a segurança do Estado, ou quando, de uma maneira geral, os interesses públicos sejam ameaçados, o Rei pode, em tal circunstancialismo excepcional, ordenar por decreto todas as medidas excepcionais absolutamente indispensáveis, em todo o território do Reino ou em uma das suas partes, independentemente das prescrições constitucionais ou legais (…)». In fine dizia-se que «Todas as medidas excepcionalmente tomadas serão ulteriormente apresentadas à representação nacional», mas tal não impedia que se considerasse que o art. 116.º possibilitava uma suspensão

pp. 827-828 («Proclamation du roi du 3 septembre 1931») e pp. 828 a 864 («Constitution du royaume de

Yougoslavie, promulgée le 3 Septembre 1931»).

353 Note-se, porém, que todo o acto escrito do poder Real deveria ser assinado pelo Ministro competente

ou pelo Conselho de Ministros; o Ministro competente ou Conselho assumiriam a responsabilidade pelo acto real (art. 34.º). Note-se também que quer o Rei, quer a Câmara dos Deputados poderiam deduzir acusação contra os Ministros por infracção à Constituição e às leis do País no exercício das suas funções (arts. 78.º e 79.º)

354 Não se exigia agora que os tratados «puramente políticos» fossem aprovados pela Representação

Nacional; no ordenamento pregresso teriam de o ser se se opusessem à Constituição e/ou a actos legislativos.

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sem termo definido dessa representação. A Constituição previa ainda, em sede de «representação nacional», a existência de um Senado, composto por membros designados pelo Rei e por membros eleitos pelos conselhos das banovinas e comunas, e desenhado de forma tal que permitia que metade dos senadores pudessem vir a ser nomeados pelo Rei (art. 50.º).

A Constituição de jugoslava de 1931 declinava uma nova ortodoxia pública baseada no conceito do «jugoslavismo integral»:

A Constituição interditava a formação de partidos políticos de base étnico-regional ou confessional, dessa forma excluindo automaticamente da nova ordem todos os antigos partidos. No art. 13.º, podia ler-se: «Não pode haver associação com base religiosa, tribal ou regional, com finalidade de partido político, nem de educação física. [Não se pode ir armado a reuniões.]». No art. 11.º acrescentava-se: «Os órgãos dos cultos não devem colocar a sua autoridade espiritual ao serviço de interesses de partido, quer nos templos, quer por escritos de carácter religioso ou de outra forma, no exercício das suas funções oficiais». Estabeleceu-se que o nevrálgico sector da educação deveria servir uma finalidade cívico-nacional e estar sob a tutela do Estado: segundo o art. 16.º «(…) Todas as escolas são obrigadas a ministrar uma educação moral e a desenvolver a consciência cívica no espírito da unidade nacional e da tolerância religiosa. Todos os estabelecimentos de educação são colocados sob o controlo do Estado».

O Supremo Bem da nova ordem, a Jugoslávia, revelava-se transparentemente nas fórmulas dos juramentos que Rei, Deputados e Senadores estariam obrigados a prestar: «Eu, no momento de subir ao trono do Reino da Jugoslávia e de receber o poder real, juro diante de Deus-todo-poderoso manter acima de tudo [sublinhado nosso] a unidade nacional, a independência do Estado e a integridade do território e reinar conformemente à Constituição e às leis e de me inspirar em todas as minhas aspirações pelo bem do povo. Que Deus assim me ajude. Amen» – art. 39.º; nos termos do art. 59.º, também senadores e deputados deveriam jurar, para além de «fidelidade ao Rei», «manter acima de tudo a unidade nacional, a independência do Estado e a integridade do território».

Emanada a Constituição, as leis eleitorais que viriam a ser promulgadas estruturariam a representação política de acordo com um critério fortemente desfavorável à ideia de livre concorrência entre várias forças políticas colocadas em plano de igualdade:

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consagrar-se-ia um princípio de sufrágio oral público; estabelecer-se-ia outrossim que à lista que obtivesse a maioria relativa caberia dois terços dos assentos parlamentares355. Logo no verão de 1930, tinha-se esboçado uma tentativa de criação de um partido governamental. Um tal projecto reemergiria com a entrada em vigor da Constituição de 1931. Em Dezembro de 1931 seria mesmo fundado o almejado partido; inicialmente denominado, em termos de uma apropriação “jugoslavista” dos nomes dos antigos maiores partidos do Reino, Democracia Radical-Camponesa Jugoslava (JRSD), seria renomeado a 20 Julho 1933 Partido Nacional Jugoslavo (JNS). Tratou-se de um veículo orientado à difusão de um «pensamento jugoslavo», e especialmente cônscio do papel da educação na criação de uma identidade jugoslava356.

A ordem depois da morte do Rei-Fundador: progressivo abandono do

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