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Regime Smetona e Catolicismo; da concordata à discórdia; nacional estatismo secular(ista)

No documento TESE DE DOUTORAMENTO Lisboa Junho, 2013 (páginas 137-141)

Em certos sectores da intelectualidade católica lituana coeva, o regime de Smetona pôde ser visto como constituindo, juntamente com o fascismo e o comunismo, um «novo tipo de paganismo» em ruptura com a tradição cultural e política católica311.

Smetona não deixaria de reconhecer a religião como valor a se: «A Religião é a fundação da educação para todas as nações e ao mesmo tempo é um fim em si. É a lei suprema do homem, inata no homem, como a arte e a luta pela verdade. É por isso que a religião é a regra, enquanto o ateísmo é uma excepção», assinalaria Smetona em discurso pronunciado a 15 de Dezembro de 1933 em Congresso dos Tautininkai. Um momento de auto-referencialidade concluía, porém, o passo citado: «O Estado, dando como dá muita liberdade às organizações religiosas e às igrejas, tem o direito de exigir ser respeitado»312.

Já nos primórdios do seu percurso político, aquando da fundação do núcleo do que viria a ser o movimento nacionalista Lituano (1914-1915), Smetona era visto em círculos católicos como defensor de pontos de vista (liberais-)seculares313. Como quer que seja, no processo de construção de regime que o estadista lideraria parece ter-se tido em vista um moderno Estado nacional secular na católica lituânia. O regime vai assumindo um pathos secular. A força quintessencialmente estatal-nacional que fundou a nova ordem cooptou inicialmente os democratas cristãos, o catolicismo político local, para a galáxia do Poder, e pareceu adoptar, também nesse contexto, uma teologia civil nacional- católica. Data deste momento a celebração de uma concordata com a Santa Sé –

311 Šalkauskis (1886–1941). Jonas Balčius, Tautos Ir Tautiškumo Išsaugojimo Problema Stasio

Šalkauskio ilosofinėje Kūryboje/The Problem of Preserving Nationality and the National Identity in Philosophical Works by Stasys Šalkauskis, em LOGOS, A Journal of Religion, Philosophy, Comparative Cultural Studies and Art, n.º 41, 2005, pp. 19 a 26 ( www.ceeol.com). Sobre as relações entre o Estado e a “religião tradicional” (maxime entre o Estado e a Igreja Católica) na Lituânia Nacionalista, vide: Saulius Suziedelis, The sword and the cross: a history of the Church in Lithuania, Our Sunday Visitor, Inc., Huntington, Indiana, 1988.

312 Vide P. Lossowski, The Ideology of Authoritarian regimes (The Baltic States 1926-1934-1940), cit., p.

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Concordata de 27 de Setembro de 1927314. Já os tempos de cristalização do novo regime ficaram marcados por «conflitos de totalidade» com a Igreja Católica que eclodiram a propósito da interpretação da concordata em tema da liberdade da Acção Católica. O movimento da juventude católica ateitininkai experimentaria restrições e até mesmo perseguições. Uma Lei sobre a União Escuteiros da Lituânia havia estabelecido, nessa área de formação da juventude, uma organização controlada pelo Estado que não deveria ter concorrente (1930)315. Durante o período de 1931-1939 não existiram relações diplomáticas normais entre a Lituânia e o Vaticano316.

A rejeição do modelo, sugerido pelo catolicismo político local, do Estado corporativo por parte de Smetona – no seu entendera pertença à comunidade nacional lituana era em si e por si dissolutora de divisões no corpo político – não deixa de ser significativa317.

De 1928 para 1938, a disciplina constitucional em tema de liberdade de religião – que na concreta circunstância lituana não poderia deixar de significar a disciplina das relações entre o Estado e a Igreja Católica, e da liberdade desta – tornar-se-ia mais restritiva:

No artigo 84.º da Constituição de 1928 havia-se disposto com liberalidade: «A todas as organizações confessionais existentes na Lituânia, o Estado reconhece um direito igual de se administrar, de acordo com seus cânones ou estatutos, de propagar livremente a sua doutrina religiosa e de celebrar as cerimónias do seu culto, de fundar e gerir edifícios consagrados ao seu culto, escolas, instituições de ensino e organizações de

314 O texto da concordata pode ser consultado em: http://www.forost.ungarisches-

institut.de/pdf/19270927-1.pdf.

315 Ver Giedrius Globys, Skautavimas autoritarinėje Lietuvoje išeivijos skautų refleksijos/Scout

movement in the authoritarian Lithuania: reflections of the emigration scouts, em Acta humanitarica

universitatis Saulensis, T. 7, 2008, pp. 62 a 74 (http://www.su.lt/bylos/mokslo_leidiniai/acta/2008_7/globys.pdf).

316 A Santa Sé não havia favorecido a ideia da existência de um Estado Lituano nem de uma província

eclesiástica lituana separada. Durante o período de 1931-1939, as relações entre a Lituânia e a Santa Sé apenas foram mantidas através de encarregados de negócios. As relações diplomáticas normais seriam, no entanto, restabelecidas em 18 de Setembro de 1939. Em discurso oficial perante o novo enviado da Lituânia ao Vaticano, o Papa Pio XII definiria pouco depois (18 de Outubro) a Lituânia como «o baluarte do catolicismo no norte» – Allocutio, em Acta Apostolicae Sedis, Ano xxxi, Série ii, vol. VI, n.º 14, 1939 p. 611 – http://www.vatican.va/archive/aas/documents/AAS%2031%20[1939]%20-%20ocr.pdf.

317 Segundo Smetona, na Lituânia não se verificaria «a oposição entre o Governo e a população como é o

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caridade, mosteiros, congregações confessionais, associações fraternais, de impor aos seus membros impostos/taxas para atender às necessidades das organizações confessionais, de adquirir bens móveis e imóveis e de os administrar.

As organizações confessionais gozam no Estado do estatuto de pessoas colectivas/morais. Os eclesiásticos ficam isentos das obrigações militares».

Na Constituição de 1938, é certo, «O Estado, (declarando-se) consciente do papel da religião na vida humana, reconhece as igrejas e outras organizações confessionais similares existentes na Lituânia» – artigo 27.º. O reconhecimento de um estatuto de pessoa colectiva mantinha-se, mas tal estatuto era agora configurado como estatuto submetido a limites determinados por lei – art. 30.º318. Em relação aos eclesiásticos

estatuía-se – artigo 31.º – uma mera possibilidade de dispensa legal de serviço militar319. Na nova ordem constitucional, significativamente, consagrava-se para efeitos da delimitação do espaço de “liberdade lícita” de certas manifestações associativas de igrejas e organizações confessionais um princípio de confinamento a um domínio religioso estritamente definido (visar-se-ia concretamente manifestações socialmente relevantes do mundo católico): segundo artigo 29.º: «As ordens religiosas, congregações e associações fraternais das igrejas e outras organizações confessionais semelhantes reconhecidas pelo Estado podem operar livremente, na medida em que a sua actividade se manifeste em propagação da doutrina religiosa, cerimónias religiosas e orações». Estabelecia-se também um princípio de conformidade das actividades e espaços religiosos às finalidades constitucionais e legais: segundo o disposto no artigo 32.º, «A propagação da doutrina, a celebração de cerimónias religiosas, orações e outras actividades religiosas, bem como os edifícios consagrados ao culto das igrejas e outras organizações confessionais semelhante reconhecida pelo Estado não podem ser usados para fins contrários à Constituição e às leis».

Apenas se previa uma liberdade de manutenção de estabelecimentos de educação e escolas, no título sobre educação e instrução pública, e no quadro de uma garantia

318 Segundo o artigo 30.º «As igrejas e outras organizações confessionais semelhantes reconhecidas pelo

Estado gozam dos direitos das pessoas morais/colectivas. Os limites desses direitos são determinados por lei».

319 Segundo o artigo 31.º «Os eclesiásticos dos cultos reconhecidos pelo Estado podem por lei ser

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genérica submetida a regulamentação legal (art. 39.º)320. Pela Constituição de 1928, ex vi art. 81.º, «a instrução religiosa nas escolas é obrigatória à excepção das escolas criadas para as crianças cujos pais não pertencem a nenhuma organização confessional». Já na Constituição de 1938, no art. 41.º, a um princípio geral com tal teor não deixaram de ser apostas excepções: «O ensino religioso é ministrado nas escolas primárias e secundárias aos alunos pertencentes a uma das Igrejas reconhecidas pelo Estado e às outras organizações confessionais análogas. Os casos em que o ensino religioso é ministrado em outras escolas serão definidos por lei. Quando numa escola o número de alunos que pertence a uma igreja ou organização confessional seja pequeno, não será ministrado ensino religioso a esses alunos nos casos previstos na lei. Não será ministrado ensino religioso aos alunos pertencentes a uma igreja ou outra organização confessional semelhante, quando seja impossível encontrar um professor para essa matéria»321.

No congresso dos Tautininkai em Janeiro de 1940, no qual Smetona criticaria a Igreja Católica por se intrometer em assuntos estaduais, Cesevičius, sucessor de Tūbelis como líder dos Tautininkai, recapitularia sinteticamente a Ideia que, em tema de relações entre o político e o religioso, enformou o regime assinalando que o golpe de Smetona houvera

320 Segundo o art. 39.º da Constituição «Os cidadãos, as organizações, as Igrejas e as outras organizações

confessionais similares são autorizadas a manter estabelecimentos de educação e escolas nas condições e segundo as normas estabelecidas nas leis».

321 Na Constituição de 1938 não se achava também uma disposição equivalente ao artigo 83.º da

Constituição de 1928, segundo o qual «as escolas confessionais privadas, se corresponderem ao programa mínimo fixado pelas leis, recebem do Tesouro do Estado uma parte das somas previstas no seu orçamento para as necessidades de instrução, em relação com o número dos cidadãos e de alunos pertencendo oficialmente à organização confessional cuja doutrina é ensinada em tais escolas». Também na importante matéria dos registos era nítida uma maior acentuação estatal-nacional nas formulações da nova constituição: «Os actos de nascimento, casamento e morte são lavrados pelos órgãos do Estado, nas condições e na ordem estabelecidas por lei. Os crentes podem obter estes actos junto dos ministros do seu culto nas condições e na ordem estabelecidas pela lei, não sendo obrigados a refazê-los em outro lugar» (art. 125.º); segundo o ordenamento pregresso «Os actos de nascimento, casamento e morte, obtidos pelos crentes junto dos representantes do seu culto, se forem conformes às prescrições da lei, gozam de validade legal na Lituânia, e os cidadãos não são obrigados a renová-los perante uma outra autoridade» (art. 86.º).

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estabelecido a união de todos os lituanos que se situavam entre «a política religiosa da direita e a política dogmaticamente democrática da esquerda»322.

§ 3.º

No documento TESE DE DOUTORAMENTO Lisboa Junho, 2013 (páginas 137-141)

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