• Nenhum resultado encontrado

Estudos sobre o género político Fascismo

No documento TESE DE DOUTORAMENTO Lisboa Junho, 2013 (páginas 40-44)

Nos exercícios de busca e circunscrição de um género político chamado fascismo parece existir uma tensão entre um registo holístico de “descrição densa”, no qual os

Review Article A Closer Walk On The Wild Side Some Comments On Charles Taylor’s A Secular Age,

em Studies in Christian Ethics, vol. 22 n.º 1, 2009, pp. 89–104.

65 O autor tem falado expressamente em «sacralização» (sic) dos «direitos do homem», das «liberdades

individuais» – cfr., por exemplo, a seguite entrevista ao Libération (16/02/2008), intitulada Les droits de

l’homme paralysent la d mocratie, reproduzida no blog do autor http://gauchet.blogspot.com/2008/02/les-droits-de-lhomme-paralysent-la.html.

66 Vide António José de Brito, O Totalitarismo de Platão, em Ensaios de Filosofia do Direito, Imprensa

28

fenómenos fascistas aparecem como unidades essenciais de sentido, como manifestações de ideias ordenadoras, de logoi e de pathê próprios e um registo de “descodificação reducionista” em que tais fenómenos aparecem, mais ou menos em última análise, como instâncias de iliberalidade, de negatividade anti-democrática.As seguintes condensações do sentido da obra de alguns autores cimeiros que neste campo se inscrevem exibem essa orientação dupla e contraditória; os sublinhados que nelas deixamos visam pôr em relevo uma certa exterioridade normativa assumida à partida [os sublinhados são nossos]67: segundo Stanley G. Paine, o fascismo é uma «forma de ultra nacionalismo revolucionário para o renascimento nacional que é baseada numa filosofia primacialmente vitalista, está estruturado em termos de elitismo extremo, mobilização das massas e Führerprinzip, valora positivamente violência como fim e meio e tende a normativizar a guerra e/ou as virtudes militares»68; para Roger Eatwell o fascismo «é uma ideologia que tenta forjar renascimento com base numa Terceira Via holística- nacional, embora, na prática, o fascismo tenha tendido a enfatizar o estilo, especialmente a acção e o líder carismático, mais do que um programa detalhado, e a empenhar-se numa demonização maniqueísta dos seus inimigos»69; segundo Robert O. Paxton,«o Fascismo pode ser definido como uma forma de comportamento político

67 As observações e sublinhados que atrás efectuámos estão imbuídos do espírito problematizante

segundo o qual um grande historiador culturalista aberto à problemática “teológico-política”, George L. Mosse, pôde observar, não sem invocar a obra do historiador italiano Renzo De Felice, igualmente interessado numa histoire totale não ideológica dos fenómenos em presença: «[I]mpressiona-me sempre que se considere o fascismo ou o nacional-socialismo, sem esta vontade de compreender, com olhos de democratas, mas o que era a democracia nos anos trinta? Sabem […] o nacional-socialismo ou o fascismo davam bem mais às pessoas o sentimento de participar na vida política que as democracias dos anos trinta» (George L. Mosse, Du Baroque au nazisme: une histoire religieuse de la politique. Entretien avec

George Mosse, em Revue europ enne d’ histoire, vol. I, n.º 2, 1994, p. 248); «[E]stou convencido que os

movimentos fascistas de massa se fundavam na realidade sobre o consenso mais do que sobre a manipulação. O que o professor De Felice escreveu a este respeito sobre a Itália é inteiramente justo. O fascismo dava às pessoas um sentimento de participação, a sensação de estar prestes a experimentar em pré-estreia uma utopia por vir, uma utopia que dizia mais à maioria dos homens do que as instituições parlamentares e a sua retórica» (G.L. Mousse, Intervista sul nazismo, Laterza, Roma-Bari, 1977, p. 128).

68 Cfr.Stanley G. Payne, A History of Fascism 1914-1945, University of Wisconsin Press, Madison, WI,

1995, p. 14.

69 Citando imediatamente o abstract de Roger Eatwell, On Defining the “ ascist minimum” The

29

marcado por uma obsessiva preocupação com o declínio, humilhação, ou vitimização da comunidade, e por cultos compensatórios de unidade, energia e pureza, em que um partido de massa de militantes nacionalistas empenhados, trabalhando numa difícil mas efectiva colaboração com os grupos da elite tradicionais, abandona as liberdades democráticas e prossegue com violência redentora e sem limites ético ou legais objectivos de limpeza interna e expansão externa»70.

Por outro lado, às circunscrições de um conceito ou de um fenómeno fascismo-genérico parece faltar (como a leitura dos parágrafos atrás reproduzidos porventura indiciará) organicidade, unidade e verdadeira conotatividade ou descritores capazes de “automática” directa e transparentemente inserir o fascismo, em termos de identidade e diferença, no mapa dos fenómenos políticos modernos ou dos fenómenos políticos em geral71. Mesmo a pioneira e concisa definição de Roger Griffin esboçada em «The Nature of Fascism», por exemplo, segundo a qual «o fascismo é um género de ideologia política, cujo núcleo mítico em suas várias permutações é uma forma palingenética de ultra-nacionalismo populista», afigura-se demasiado geral e ampla72.

Ainda assim, o que segundo alguns parece ser núcleo descritivo consensual neste campo de estudos não deixará, no seu circunscrever “positivo” da “figura” fascista genérica (“comunidade nacional pós-liberal” moderna-alternativa), de ser tido em conta: «o fascismo pode ser visto como tentativa ideologicamente impulsionada por um movimento ou regime para criar um novo tipo pós-liberal de comunidade nacional que

70 Robert O. Paxton, The Anatomy of fascism, Allen Lane, London, 2004, p. 218.

71 R. Griffin, por exemplo, censurou (a S. Payne a E. Gentile a) adopção de um modelo de descrição«tipo

check-list que é um pouco pesada como um quadro conceptual» – apud Constantin Iordachi, Comparative

fascist studies: an introduction, cit., p. 20. Eatwell notaria não resultar claro se até que ponto «todos os principais aspectos» da tipologia “multipolar” elaborada por um S. Payne teriam de estar presentes para a qualificação de um fenómeno como fascismo – apud Daniel Woodley, Fascism and Political Theory:

Critical perspectives on fascist ideology, Routledge, London/New York, 2010, p. 8.

72 Note-se que Roger Griffin adopta o modelo dos tipos-ideais como modelo analítico. A construção

ideal-típica tem sempre o problema de dois ou mais casos não-idêntico poderem ser aproximados à mesma tipologia apesar de diferirem qualitativamente. Por outro lado, utiliza uma bateria de conceitos («Utopia», «Novo Homem», «Estadium final», «revolução permanente») sem explorar suficientemente uma ontologia forte que a pudesse suportar (ao contrário, por exemplo, de um Eric Voegelin, autor de que Griffin, aliás, se distancia explicitamente). Ver Roger Griffin, The Nature of Fascism, St Martin’s Press, New York, 1991.

30

será o veículo para a transformação global da cultura política, social e estética, com o efeito de criar uma modernidade alternativa»73.

Como quer seja, também em sede dos estudos sobre o fascismo uma nova consciência analítica teológico-política parece, no entanto, estar in fieri74. Na sequência desta tendência que se tem vindo a esboçar, têm-se também definido certas tentativas de reabilitação de antigos conceitos que se afiguram questionáveis – pensa-se, por exemplo, num novo uso do conceito de fascismo-clerical. É que o qualificativo clerical não parece especialmente adequado ao estabelecimento de discriminações verdadeiramente qualitativas entre fenómenos políticos, pois que em si não poderá remeter para algo mais do que variações nas bases de poder e na “coloração” da simbologia política em que os regimes políticos “assentam”, sem aliás ser susceptível de dar conta do sentido “principiológico” último da presença de “positividades religiosas” (clérigos na classe governativa; “confissão” de identidade cristã) para que possa remeter75.

Ainda antes de “sobrevoarmos” outros campos temáticos que se descortinam no estado da arte, cumpre salientar que entre nós se tem vindo a definir uma problematização

73 Roger Griffin, Introduction God’s Counterfeiters? Investigating the Triad of ascism, Totalitarianism

and (Political) Religion, em Totalitarian Movements and Political Religions, vol. 5, n.º 3, 2004, p. 299.

74 Roger Griffin, em obra recente, Modernism and fascism, the sense of a Beginning under Mussolini and

Hitler, Palgrave Macmillan, Houndmills/New York, 2007, pôde redefinir assim o fascismo: «O fascismo é uma forma de modernismo programático que procura conquistar o poder político, a fim de realizar uma visão totalizante de renascimento nacional ou étnico. A sua finalidade última é superar a decadência que destruiu um sentimento de pertença comum e esvaziou a modernidade de significado e transcendência e inaugurar uma nova era de saúde e homogeneidade culturais». [O autor (estribando-se – vide nota 36 da página 387 do mencionado livro de Griffin – em Peter Berger, The Sacred Canopy: Elements of a

Sociological Theory of Religion, Anchor Books, Garden City, N.J., 1968) situa-se assumidamente num lugar analítico não neutral, confessando uma ontologia ateia (os mundos humanos emergem contra o pano de fundo de uma ausência de sentido última); ou seja, comentamos nós, inscreve-se num questionável lugar secular-niilístico.] Cfr. também Roger Eatwell, Reflections on Fascism and Religion, em

Totalitarian Mouvements and Political Religion, vol 4.º, n.º 3, 2003, pp. 145 a 166; Stanley G. Payne, On

the Heuristic Value of the Concept of Political Religion and its Application, em Totalitarian Movements

and Political Religions, vol. 6, n.º 2, 2005, pp. 163–174.

75Em tema de “recuperação” deste conceito veja-se o «special issue» da Revista Totalitarian Movements

and Political Religions intitulado «‘Clerical ascism’ in Interwar Europe» – cfr. Totalitarian Movements

31

teórica do sentido e alcance dos conceitos de fascismo e de totalitarismo, nalguns casos atípica em relação às densificações mais correntes – agora também em Portugal (como adiante se verá) – dos conceitos de fascismo genérico e de totalitarismo. Pensa-se, por exemplo, em certos escritos do filósofo António José de Brito. O autor tem apontado como marca distintiva de um género político totalitarismo/fascismo a elevação da comunidade política ao status de «Absoluto» normativo-axiológico. Teoricamente fundamentada e simultaneamente simples e “iluminante”, fornece certamente um descritor capaz de inserir o fascismo italiano transparente e conotativamente num mapa dos grandes fenómenos políticos modernos. A compreensão do político exclusivamente a partir da categoria «Absoluto» talvez seja, porém limitadora, sendo susceptível de deixar escapar uma notada “inscrição” do fascismo num mais amplo círculo “axiológico”, bem como de, numa direcção oposta, reduzir à identidade fenómenos como o regime fascista e o regime nacional-socialista, que sempre haveria de distinguir atendendo aos critérios de que o autor se prevalece para criticar a assimilação do sovietismo ao nacional-socialismo. O mapa político tendo a ser visto em termos de uma dicotomia totalitarismo versus o resto (maxime versus o “liberal-democrático”), como que invertendo a “clássica” dicotomia democracia versus o resto autoritário-totalitário76.

No documento TESE DE DOUTORAMENTO Lisboa Junho, 2013 (páginas 40-44)

Outline

Documentos relacionados