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A regulação Ambiental de Fármacos na União Européia

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 75-80)

4.8 MARCO REGULATÓRIO

4.8.2 A regulação Ambiental de Fármacos na União Européia

A norma vigente na UE é o Guideline on the environmental risk assessment of medicinal products for human use que se divide em duas fases: A primeira estima a exposição do meio ambiente ao fármaco e a segunda avalia informações sobre o seu destino e os efeitos no meio ambiente (EMEA, 2006). A tabela 1 apresenta um resumo das fases de avaliação do risco ambiental:

Tabela 1: A abordagem por etapas na avaliação do risco ambiental segundo a norma européia Fase de

avaliação regulatória

Fase de Avaliação

de risco Objetivo Método Requisito de dados Fase I Pre-screening Estimativa de

exposição Limite de ação Consumo Log Kow Fase II Nível A Screening Previsão Inicial de risco Avaliação de risco Informações Toxicológicas e destino Fase II Nível B Estendida Avaliação de risco da substância em compartimentos específicos Avaliação de risco

Base de dados ampliada, destino e efeitos

Fonte: EMEA (2006)

A avaliação se constitui de um procedimento em etapas, composto por duas fases. Na fase I, estima-se a exposição ambiental ao medicamento, num limite geográfico. A estimativa deve se basear no consumo do fármaco, independentemente da sua via de administração e forma farmacêutica. Nesta fase, considera-se que 100% do fármaco administrado é excretado e que não há remoção nas ETE. Caso a concentração prevista fase I seja inferior a 0,01 μg.L-1,

presume-se que o medicamento não é susceptível de representar um risco para o ambiente após sua utilização e a avaliação é encerrada.

Caso a concentração prevista seja igual ou superior ao limite de ação de 0,01 μg.L-1, deve-se prosseguir para a segunda fase da avaliação.

O regulamento prevê algumas exceções que determinam o prosseguimento da avaliação na Fase II independentemente da concentração ambiental estimada: (i) fármacos que podem afetar a reprodução de animais vertebrados ou inferiores em concentrações inferiores a este limite; (ii) compostos altamente lipofílicos e disruptores endócrinos que devem ser avaliados independentemente da concentração no meio ambiente e (iii) fármacos com um logKow > 4.5.

Ortiz de García et al. (2014), resumem o procedimento esquemático para a execução de uma avaliação de risco ambiental de medicamentos para uso humano segundo as diretrizes da EMEA, descrito na figura 6.

De acordo com a Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR), destinada a proteger o ambiente marinho e a biodiversidade do nordeste do Atlântico NE, os fármacos com um logKow > 4.5 devem ser avaliadas em relação à sua persistência, bioacumulação e toxicidade (PBT) (APA, 2017).

Figura 6: Procedimento esquemático para a execução de uma avaliação de risco ambiental

As duas fases se caracterizam por um modelo que envolve variáveis de entrada e saídas. Na Fase I, as variáveis de entrada são o consumo dos fármacos e o volume de esgoto onde o fármaco é diluído e a variável de saída é a concentração prevista do fármaco nas águas de superfície (predicted environmental concentration - PEC) que é restrita ao compartimento aquático. O cálculo inicial da PEC nas águas superficiais depende da emissão do fármaco no ambiente. Na avaliação local, considerando-se um consumo conhecido de uma fonte pontual (e.g. hospitais), a PEC pode ser estimada nas águas superficiais através da equação (2):

PEC (µg.L-1) = CF (µg.dia-1) / [QE (L.dia-1)]* P*10 eq.(2) onde: PEC - Concentração Ambiental Prevista (μg.L-1)

CF - Consumo do fármaco

QE - Volume de esgoto gerado por habitante

P - População

Quando a estimativa da concentração no ambiente envolver o consumo a nível regional, nacional ou continental, deve-se considerar a fração de penetração do fármaco no mercado (Fpen) que representa a proporção da população tratada diariamente com um determinado fármaco para efeito do cálculo. Pode-se usar o valor padrão (default = 0,1) ou o Fpen obtido a partir de dados de estudos de mercado e a equação (3) deve ser usada para estimar a PEC nas águas superficiais:

PECáguas superficiais = DOSEai * Fpen / ESGOTO hab * P*DILUIÇÃO eq.(3) onde: PEC - Concentração Ambiental Prevista (μg.L-1)

DOSEai - Dose máxima diária consumida por habitante (mg.hab-1.dia-1) Fpen - Fração de penetração de mercado

ESGOTOhab - Volume de esgoto gerado por habitante/dia (L.hab-1.dia-1) DILUIÇÃO - Fator de diluição (10)

P - População

A segunda fase se desdobra em duas etapas (A e B). Na etapa A, deve-se levar em consideração todos os dados relevantes sobre as propriedades físico-químicas, toxicologia, metabolismo, excreção, biodegradabilidade e persistência do fármaco e/ou seus metabólitos mais relevantes, além dos resultados dos ensaios ecotoxicológicos. Assim, compara-se a PEC calculada anteriormente com a concentração ambiental prevista sem efeitos sobre os

organismos (PNEC), calculada a partir de testes de ecotoxicidade para os três níveis tróficos (algas ou cianobactérias; invertebrados aquáticos e peixes).

A norma estabelece testes de toxicidade crônica nestes organismos para determinar a PNEC. Os testes de toxicidade agudos também são considerados, entretanto, aplica-se um fator de avaliação (AF) ao resultado que é uma expressão do grau de incerteza na extrapolação dos dados do teste para o ambiente real. Nestes casos usa-se um fator de incerteza de: (i) 1000 quando existem resultados de testes de toxicidade aguda para os três níveis tróficos. Quando há resultados de testes de toxicidade crônica, aplica-se: (ii) 100 (um nível trófico); (iii) 50 (dois níveis tróficos) e (iii) 10 quando há resultados para os três níveis tróficos (EC, 2003).

Quando a relação PEC/PNEC é inferior a 1, não são necessários mais testes no compartimento aquático e pode-se concluir ser improvável que a substância traga riscos para este meio. Esta avaliação considera que, depois de cumpridas todas as exigências das normas, pode-se reconhecer dois aspectos: (i) houve depleção das concentrações devido à diluição strictu sensu ou devido ao comportamento do fármaco no meio e (ii) há um baixo risco medido a partir de ensaios dose-resposta sobre organismos aquáticos.

Se a mesma relação resultar num valor maior que 1, uma avaliação adicional, de preferência sobre o destino do fármaco e / ou seus metabolitos no meio aquático, é necessária na etapa B. Além disso, é necessária a avaliação da relação PEC / PNEC para as águas subterrâneas e microorganismos. Se for, respectivamente, maior que 1 e/ou 0,1 é necessária uma avaliação adicional sobre o destino e efeitos do fármaco na etapa B.

O comportamento do fármaco também deve ser avaliado. Se o coeficiente de partição n- octanol/água (Kow) indicar a transferência do fármaco do meio aquático para organismos e um potencial para bioacumular (Kow > 1000), o fator de bioconcentração (BCF) deve ser considerado na etapa B.

Se as informações sobre sorção indicarem a afinidade do fármaco para se ligar ao lodo na ETE (Koc > 10.000), deve ser realizada uma avaliação ambiental da substância no compartimento terrestre, a menos que a substância seja prontamente biodegradável. Supõe-se que uma substância com um alto valor de Koc seja mantida na ETE e pode atingir o compartimento terrestre com o espalhamento de lodo de esgoto. A avaliação do risco terrestre complementa a avaliação do risco aquático e não a substitui.

Se uma substância não for prontamente biodegradada e se os resultados de estudos em sedimentos demonstrarem uma tendência significativa de migração da substância para o sedimento, os efeitos sobre os organismos bentônicos devem ser investigados na etapa B.

A etapa B também se caracteriza por um modelo de entrada e saída cujo objetivo é refinar o cálculo da primeira fase. As variáveis de entrada são a fração excretada do fármaco consumido, a capacidade de remoção da ETE e o volume de esgoto. A variável de saída é a PEC que é calculada pela equação (4):

PECref = (DOSEai * Fexc * Fpen * Fstp) / (ESGOTOnhab * F * DILUIÇÃO) eq. (4) onde:

Fexc - fração excretada do fármaco

Fstp - fração do fármaco não removida por ETE

F - fator de adsorção em sólidos em suspensão

Nesta etapa, a avaliação deve se basear no princípio ativo do medicamento, a menos que a substância farmacologicamente ativa seja um pró-fármaco que são substâncias inativas ou menos ativas que, quando administradas, sofrem uma biotransformação in vivo, passando a produzir metabólitos ativos. As substâncias com atividade antimicrobiana requerem especial atenção, pois podem afetar as comunidades de microrganismos presentes no ambiente, principalmente aquelas presentes no lodo ativado.

Os estudos experimentais devem, de preferência, seguir os protocolos de teste emitidos pela Comissão Europeia, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou pela International Organization on Standardization (ISO). A norma reconhece a existência de testes, abordagens e métodos, além dos descritos no texto, que são capazes de fornecer uma avaliação de risco ambiental equivalente.

Além da regulamentação para aprovação do registro do medicamento, a EMEA estabelece diretrizes a serem cumpridas pelos países membros da união Européiaa fim de proteger as águas de superfície e subterrâneas, definindo medidas que assegurem a redução gradual da poluição. A Diretiva 2000/60/CE, por exemplo, trata da identificação de compostos que apresentem risco significativo para o meio aquático e da apresentação de propostas que reduzam as suas emissões e a cada quatro anos, uma revisão da lista das substâncias prioritárias deve ser realizada (CE, 2000).

A Diretiva 2008/105/CE determina o monitoramento de algumas substâncias consideradas prioritárias nas águas superficiais. Nesta lista não se encontra incluído nenhum

fármaco. No entanto, foi elaborada uma proposta definindo os hormônios 17-a-etinilestradiol e 17-β-estradiol e o anti-inflamatório diclofenaco como substâncias prioritárias e sujeitas ao monitoramento (GAFFNEY et al., 2014).

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 75-80)