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A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS HÍDRICOS

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 35-39)

A água muito provavelmente será um limitador do desenvolvimento humano, pois o consumo doméstico, a indústria, a agricultura e a piscicultura, a geração de energia elétrica, a navegação e o lazer, entre outros, dependem da disponibilidade desse recurso que exibe sinais de insuficiência em diversos países. Embora tenha sido considerado historicamente um recurso natural renovável, a forma e a intensidade da utilização da água podem gerar situações de escassez até em regiões com maior disponibilidade hídrica.

Nessa perspectiva, torna-se cada vez mais necessária a utilização sustentável dos recursos hídricos que compreende o seu uso racional, a preservação das nascentes, a redução do desperdício e das fontes de poluição. A demanda de água no planeta é 70% na agropecuária, 22% na indústria e 8% no abastecimento humano. A irrigação consome grande parte deste recurso, e o seu uso intensivo na agricultura inevitavelmente afeta as reservas hídricas (GALLO et al., 2012).

Além do uso na agricultura, as variações climáticas desencadeadas pelo aquecimento global, o crescimento da atividade econômica, o crescimento populacional e a urbanização e poluição alteraram os ciclos hidrológicos globais, ameaçando a disponibilidade de água e a biodiversidade dos ambientes aquáticos fazendo com que a escassez de água seja um problema generalizado em várias partes do mundo (LIU; YANG, 2016).

A escassez de água pode ser definida como uma situação em que recursos hídricos insuficientes são disponibilizados para satisfazer necessidades de médio e longo prazo e, de forma semelhante, representa a sobre-exploração desses recursos quando a demanda é maior do que a sua disponibilidade. A aridez, ao contrário, é uma característica climática consistente de baixa relação entre precipitação e evapotranspiração potencial representando um fenômeno permanente (PEDRO-MONZONÍS et al., 2015).

Estudo desenvolvido pelo Instituto Potsdam de Pesquisa sobre as Mudanças Climáticas mostra que essas mudanças provavelmente agravarão consideravelmente a escassez de água no nível regional e mundial, aumentando a pressão sobre os recursos hídricos disponíveis. Do lado da oferta, os recursos hídricos renováveis serão afetados pelas mudanças projetadas nos padrões de precipitação, temperatura e outras variáveis climáticas. As projeções indicam que um aquecimento global acima de 2° C aumentará em 15% a população global vivendo sob severa redução ou escassez de água. Pelo lado da demanda, o crescimento populacional com a

necessidade desse recurso para a produção de alimentos, abastecimento e produção de bens, levará a uma necessidade cada vez maior de sua obtenção (SCHEWE et al., 2014).

As projeções levam a crer que, se esta trajetória se mantiver, o mundo pode chegar a um colapso em que o estresse hídrico, que hoje se restringe a apenas uma pequena parcela dos continentes, estenda-se para outros pontos do planeta. Para desacelerar esse processo é preciso gerenciar a atividade humana e usar racionalmente a água, melhorando o tratamento dos efluentes e minimizando as emissões atmosféricas e os resíduos sólidos (VERIATO et al., 2015).

Outra causa da crescente escassez de água é o crescimento econômico que, embora imprescindível para a redução da pobreza, dependendo do modelo adotado pode resultar em impactos ambientais e consequentemente socioeconômicos. Além disso, o lançamento de efluentes contendo diversas substâncias em corpos d’água encarece o tratamento deste recurso para o abastecimento público, fazendo gerar situações de escassez de água de qualidade em áreas com abundantes recursos hídricos (BARBIERI, 2011).

Nos últimos anos, foram desenvolvidas métricas para ajudar a acompanhar as questões ambientais no planeta. Com relação aos recursos hídricos, o conceito de pegada hídrica busca mensurar o volume de água consumida, direta e indiretamente, para produzir um determinado produto (PALHARES, 2014). Para Hoekstra (2014), o uso de água em si não é o problema, mas sim a sua não devolução ao ambiente ou o retorno em condições inadequadas para uso. O cálculo da pegada hídrica considera não só o volume de água consumido a partir de diversas fontes, como a água superficial e subterrânea (água azul), a água da chuva armazenada no solo (água verde) e a quantidade de água poluída durante o processo produtivo em um determinado local e período (água cinza). Portanto, a pegada hídrica não mede o uso de água bruta, mas relaciona o consumo de água e o volume de água poluída.

A pegada hídrica cinza reflete a poluição da água que pode ser associada com a produção de um produto. Refere-se ao volume de água requerido para que a poluição de um processo possa ser assimilada pelo corpo de água, de acordo com o limite máximo estabelecido por uma legislação (ou qualquer outro limite adotado) ou em relação à qualidade natural do corpo hídrico em questão. É calculada pela carga de poluente dividida pela carga crítica multiplicada pelo escoamento da bacia hidrográfica. A carga crítica é igual à diferença entre o nível máximo aceitável e a concentração natural de um produto químico para o corpo

de água de recepção que corresponde à concentração verificada quando não há atividade humana na área (HOEKSTRA, 2013).

A poluição contribui para o estado de escassez ao reduzir a disponibilidade da água própria para uso, principalmente em países com pouca oferta de água de abastecimento.

4.2.1. A contaminação dos recursos hídricos pelos fármacos

Uma das principais causas de poluição dos recursos hídricos são as substâncias químicas. Durante o século XX, mais de 100.000 substâncias químicas foram introduzidas no ambiente e estão presentes na agricultura, nas atividades industriais, nas organizações de saúde e nas residências. Entretanto, durante grande parte desse período, não havia ainda a preocupação com os impactos ambientais dessas substâncias. (KUMMERER, 2008).

Quando não existe qualquer processo de tratamento prévio, diversas substâncias químicas são introduzidas no ambiente aquático como, por exemplo, os fármacos, causando permanentes ameaças ao ciclo hidrológico e à quantidade e à qualidade de água disponível. Essas substâncias são componentes bioativos desenvolvidos e prescritos para exercer uma ação farmacológica específica, existindo atualmente centenas de substâncias diferentes. Após a sua administração em humanos ou animais, apenas uma parte é absorvida pelo organismo, sendo o restante excretado pelas fezes e urina. Entretanto, a taxa de excreção de um fármaco varia de acordo com as características genéticas e a idade do paciente, fatores ambientais e mórbidos, estrutura molecular do fármaco e a forma farmacêutica (AZUMA et al, 2016; ISIDORI et al, 2016; PEREIRA, 2007).

A fração excretada contém os fármacos, seus metabolitos e produtos de transformação que são inseridos no ambiente pelos pacientes nos hospitais e residências e pelos animais, principalmente em áreas de atividade agropecuária. No Brasil, o problema é agravado porque a maioria dos serviços de saúde não realiza tratamento prévio em seus efluentes, lançando os despejos na rede de esgotos. Por outro lado, o país concentra os maiores rebanhos de animais destinados ao abate que utilizam fármacos regularmente (SILVA, 2016).

Os fármacos diferem de outros poluentes químicos porque geralmente modificam a fisiologia em seres humanos e animais. Entretanto, também afetam os organismos aquáticos que não são o alvo de sua utilização devido à liberação da fração não metabolizada e de seus metabólitos no meio ambiente, sendo susceptíveis de provocar efeitos crônicos, além de

efeitos aditivos ou sinérgicos resultantes de misturas dessas substâncias (ARNOLD et al., 2014).

Os compostos farmacêuticos e seus metabólitos podem percorrer dois caminhos após sua excreção por humanos e animais: a rede de esgotos ou o solo através de infiltração pelas fossas sépticas ou por dejetos de animais. Caso não sejam eficazmente degradados ou eliminados durante o tratamento das águas residuárias, podem atingir as águas superficiais e subterrâneas, comprometendo a qualidade da água destinada ao uso humano, animal e agrícola (KUMMERER, 2003).

Como a urina e as fezes são lançadas na rede de esgoto doméstico, os fármacos e seus metabólitos são considerados contaminantes emergentes do solo e da água em função da capacidade de remoção pelas estações de tratamento (BOTTONI et al., 2010).

As investigações sobre a ocorrência de substâncias químicas no ambiente começaram no fim da década de 1970 como mostra a figura 3.

Figura 3: Evolução das publicações científicas entre 1970 e 2012 sobre a presença de micropoluentes no ambiente hídrico

Fonte: Colaço et al. (2015).

Inicialmente o foco das investigações era os metais pesados, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, dioxinas, furanos, pesticidas e detergentes. Somente ao final da

década de 1990, os primeiros artigos sobre a ocorrência, destino e efeito dos fármacos no ambiente foram publicados (COLAÇO et al., 2015).

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 35-39)