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FONTES DE EMISSÃO DE FÁRMACOS PARA O AMBIENTE

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 39-44)

Os fármacos adentram o ambiente através de diversas vias. A excreção da sua fração inalterada e dos metabólitos após a administração e o descarte indevido de medicamentos nos domicílios constituem fontes difusas de inserção dos fármacos que convergem para as redes domésticas quando há coleta local de esgoto (KUMMERER, 2003).

Os efluentes provenientes das indústrias e dos hospitais constituem outra fonte importante, porém, pontual. Os hospitais concentram a utilização de um grande número de medicamentos, alguns de uso restrito a esses estabelecimentos. Diversos estudos têm detectado a presença de fármacos nos efluentes dessas instituições (KUMMERER, 2008; BOXALL et al., 2012). A figura 4 demonstra todo esse processo.

Figura 4: Origem dos fármacos no ambiente

Além do uso humano, os fármacos são largamente utilizados na pecuária, o que tem levado à sua inevitável e contínua introdução no meio ambiente, podendo afetar o solo e principalmente as águas subterrâneas e superficiais (KÜMMERER, 2010).

4.3.1. Os hospitais como fontes de emissão de fármacos para o ambiente

Os efluentes hospitalares constituem uma categoria especial de poluente ambiental devido à sua capacidade infectante e características tóxicas. Os hospitais geram efluentes que possuem concentrações mais altas de alguns micropoluentes do que o esgoto doméstico (BERTRAND-KRAJEWSKI, 2018).

Os efluentes hospitalares são uma importante disseminação da contaminação química e bacteriana para o meio ambiente, devido à sua composição específica e à concentração de cargas de diversas substâncias químicas oriundas dos diversos serviços prestados nos hospitais, como, por exemplo, cozinha, lavanderia, laboratórios, radiologia, ambulatórios, hemodiálise, hemoterapia e quimioterapia, contudo a maior parte dos fármacos presentes nesses despejos advém das excretas dos pacientes (ORT et al., 2010; VERLICCHI et al., 2012). A complexidade dos efluentes hospitalares, cuja destinação final, muitas vezes, ocorre sem tratamento prévio, tem grande potencial ecotoxicológico associado à variedade de contaminantes presentes na sua composição (LAQUAZ et al., 2018)

As limitações na remoção dos fármacos e seus metabólitos nas estações de tratamento resultam na sua presença tanto em águas superficiais quanto potáveis e demonstra a necessidade de desenvolvimento de tecnologias de tratamento capazes de remover essas substâncias, se possível, na origem (GROS et al., 2010). Diversos estudos, realizados em vários países, relataram a detecção de resíduos de fármacos em efluentes hospitalares, inclusive em unidades que dispõem de estações de tratamento de efluentes.

Vinte fármacos foram detectados em efluentes de dois grandes hospitais da cidade de Oslo, Noruega. Os fármacos também foram detectados nas águas residuárias da cidade e no efluente final das estações de tratamento de esgotos. As amostras do efluente do hospital foram coletadas ao longo de um período de doze semanas e o afluente da estação de tratamento continha quinze das vinte substâncias detectadas nos efluentes hospitalares (THOMAS et al., 2007).

Um estudo realizado na Alemanha, em unidades hospitalares localizadas em três localidades diferentes no sudoeste do país, analisou os perfis de uso de diversos fármacos. Os

resultados demonstraram que os hospitais psiquiátricos e lares de idosos são, em geral, emissores insignificantes de fármacos nas redes de esgoto. Entretanto, nas unidades de maior complexidade, determinados fármacos, utilizados em grande escala, podem ser inseridos em maior quantidade, e os hospitais podem ser considerados como fontes pontuais para emissão dessas substâncias, elevando as suas concentrações nas redes de esgoto e representando uma ameaça ambiental (HERRMANN et al., 2015).

Em Portugal, avaliou-se o impacto dos efluentes de quatro hospitais sobre as águas residuárias: um hospital universitário com 1456 leitos, um geral com 350 leitos, um pediátrico com 110 leitos e uma maternidade com 96 leitos. Todos os efluentes eram transportados para a mesma rede, tendo como destino final uma ETE. Foi calculada a contribuição de cada hospital para a carga de contaminantes da rede e a ocorrência de 78 fármacos nos efluentes hospitalares e nas águas residuárias afluente e efluente da ETE. As cargas estimadas foram 306 g d-1 para o hospital universitário, 155 g.d-1 para o geral, 14 g.d-1 para o pediátrico e 1,5 g.d-1 para a maternidade, demonstrando que os maiores hospitais contribuem para a massa total de produtos farmacêuticos. A eficiência de remoção ultrapassou 90% para determinados fármacos como o acetaminofen e o ibuprofeno, porém, os β-bloqueadores e o salbutamol não foram eliminados com a tecnologia utilizada. Os resultados sugerem a necessidade do uso de tratamentos alternativos para as águas residuárias hospitalares em função da alta concentração de contaminantes que as ETEs convencionais são incapazes de remover com eficiência (SANTOS et al., 2013).

A presença de fármacos pertencentes a diferentes classes como anti-inflamatórios não esteroidais, analgésicos, antiepilépticos e reguladores lipídicos em amostras de águas residuárias e águas superficiais foram investigados no Vietnã. Os resultados mostraram que 10 fármacos, incluindo naproxeno, indometacina, cetoprofeno, fenoprofeno, ibuprofeno, propenfenazona, diclofenaco, gemfibrozila e carbamazepina foram detectados pelo menos uma vez nas águas residuárias do hospital e apenas o ibuprofeno foi totalmente removido pela ETE (TRAN; URASE; TA, 2014).

Na Coréia do Sul, amostras dos afluentes e efluentes de ETE de quatro hospitais foram coletadas. Nos afluentes das estações, foi identificada a presença dos fármacos cafeína, carbamazepina, ácido acetilsalicílico, trimetroprim, diclofenaco e ciprofloxacino. A cafeína, carbamazepina e trimetrprim também foram detectados nos efluentes, indicando que, para

estes três fármacos, o processo de remoção das estações de tratamento dos hospitais não foi eficiente (SIM et al., 2011).

A análise de águas residuais brutas de um hospital colombiano mostrou que os antibióticos, especificamente azitromicina, ciprofloxacina, claritromicina, clindamicina e norfloxacina, apresentaram concentrações acima de 10 μg.L-1 em várias amostras. Após o tratamento nas ETE, a maioria dos compostos não foi completamente removida, permanecendo ainda em concentrações significativas nos efluentes. O risco para o ambiente aquático é evidente, pois, em algumas regiões do país, as águas residuárias muitas vezes, são descarregadas diretamente nas águas superficiais sem tratamento prévio (BOTERO-COY et al., 2018).

A presença de 12 antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina, eritromicina, trimetoprim, ampicilina, cefuroxima, sulfametoxazol, amoxicilina, tetraciclina, oxitetraciclina, clortetraciclina e doxiciclina) foi investigada em águas residuárias e efluentes hospitalares em Kumasi, Gana. Todos os compostos estudados foram detectados em concentrações significativamente maiores nos efluentes hospitalares do que nas as águas residuárias. Os antibióticos encontrados com altas concentrações em todas as amostras foram sulfametoxazol, eritromicina, ciprofloxacina, cefuroxima e trimetoprim. A maior concentração encontrada no presente estudo foi de 15 μg.L-1 de ciprofloxacina no efluente hospitalar (AZANU et al., 2018).

Nove fármacos que atuam no sistema nervoso central e quatro de seus metabólitos foram estudados no afluente e efluente da ETE de um hospital em um município do noroeste da Grécia. Os resultados mostraram que o antidepressivo venlafaxina e seu principal metabólito foram os compostos que apresentaram as maiores concentrações. Verificou-se que todos os compostos estavam presentes nos efluentes da ETE hospitalar, ainda que em baixas concentrações, demonstrando que o processo de tratamento não foi eficiente na remoção desses fármacos (KOSMA, 2019).

A presença de 17 fármacos antineoplásicos foi verificada no efluente de um hospital de médio porte de um município localizado no leste da Espanha. O resultado deste estudo detectou os compostos analisados em uma faixa entre 25 e 4761 ng.L-1. As concentrações mais altas corresponderam à ifosfamida (58-4761 ng.L-1), metotrexate (394-4756 ng.L-1) e ciclofosfamida (46-3000 ng.L-1) (OLALLA et al., 2018)

Para alguns autores, a obrigatoriedade de um sistema de tratamento específico nos efluentes hospitalares é contestável. Embora esses efluentes se configurem como uma das vias de inserção dos fármacos no ambiente, apresentando concentrações elevadas dessas substâncias e nem sempre sendo submetidos a tratamento prévio, podem sofrer intensa diluição quando entram em contato com as águas residuárias, tornando inexpressivas as concentrações de determinados fármacos (KÜMMERER, 2008).

Além disso, cada hospital tem suas próprias características em função de sua especificidade e de suas atividades. A complexidade do serviço, ocupação dos leitos, relação entre pacientes internados e ambulatoriais, perfil epidemiológico, esquemas terapêuticos, sazonalidade, volume, qualidade e destino dos rejeitos produzidos são características peculiares à cada unidade. Portanto, o risco de contaminação ambiental depende da característica da carga dos efluentes, da existência de ETE própria e municipal, da tecnologia de tratamento adotada, da eficiência na remoção das substâncias e da sua diluição nas águas residárias superficiais (VERLICCHI; ZAMBELLO, 2015).

O tratamento dos efluentes nas próprias unidades hospitalares é indicado nos grandes hospitais localizados em municípios menores ou áreas rurais onde possa haver a captação de água para irrigação em corpos d’água após a descarga da estação de tratamento de efluentes domésticos (VERLICCHI et al., 2012).

Embora a destinação dos efluentes hospitalares para as estações de tratamento municipais seja uma prática comum, há grandes desvantagens nesse processo, principalmente porque diversas substâncias presentes nesses efluentes podem reduzir a eficiência dos processos de tratamento na ETE. Além disso, determinados fármacos estão presentes no efluente hospitalar em concentrações muito baixas que limitam a sua remoção e patógenos como vírus e bactérias nem sempre são removidos nas ETE (AL AUKIDY; VERLICCHI; VOULVOULIS, 2014).

No Brasil, a legislação não obriga os serviços de saúde a tratar os seus efluentes desde que haja um sistema de tratamento no município, porém, um número reduzido de hospitais dispõe de ETE próprias, e a maioria não realiza qualquer tratamento prévio em seus efluentes, inclusive em áreas onde não existem ETE municipais (MOURA; SILVA, 2016).

No documento Avaliação de risco ambiental de fármacos (páginas 39-44)