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3. O papel da regulação e da supervisão na indústria bancária

3.1. A regulação

O conceito regulação não tem uma definição única. Contudo apesar de se constatar a existência de várias perspectivas, é possível identificar um ponto comum em todas elas – a orientação das ações quer das entidades institucionais e de supervisão, quer dos particulares num determinado sentido, de modo a fomentar a estabilidade num dado contexto, maximizando desse modo o bem-estar global.

Apesar da aparente simplicidade do conceito regulação, o processo que consubstancia a sua produção é bastante complexo, pois os reguladores são frequentemente confrontados por dilemas aquando da concepção dos seus instrumentos regulatórios. Estes dilemas resultam da percepção, que foi sendo construída ao longo do tempo, de que nenhum normativo regulamentar, por si só, possui capacidade para desincentivar em completo os comportamentos desalinhados dos agentes, pois é possível constatar-se com alguma frequência que determinados dispositivos regulamentares desencadeiam processos regulatórios subsequentes, uma vez que os destinatários dos mesmos distorcem o seu conteúdo, gerando um ciclo de re-regulação (Kane, 1987). Esta incerteza quanto à eficácia da produção regulamentar combinada com a incerteza que rodeia o conjunto de respostas dos seus destinatários, torna a tarefa de regular numa das mais difíceis e ingratas, uma vez que na prossecução de determinados objectivos de estabilidade, poder-se-á estar a fomentar a criação de mecanismos de contorno à regulação cada vez mais complexos, mais difíceis de detectar e, consequentemente, de supervisionar, fazendo emergir novas vulnerabilidades que, poderão acarretar situações de desequilíbrio, para a economia mundial, ainda mais gravosas que as vivenciadas até à atualidade.

No caso particular da regulação das instituições financeiras distinguem-se três problemas: os seus potenciais efeitos prejudiciais na eficiência das instituições financeiras, os quais podem imprimir maior incerteza nas reações dos seus destinatários; a crescente integração dos mercados financeiros que tem de enfrentar e que lhe coloca desafios acrescidos (Santos, 2002); e os problemas de risco moral que pode desencadear com a definição de determinados mecanismos regulatórios, como são exemplo

25 | P á g i n a instrumentos de resgate demasiado conservadores (elevados seguros de depósitos), os quais criam condições para que as entidades financeiras tendam a assumir níveis de risco mais elevados (Corazza, 2005).

Assim sendo, a orientação regulatória é significativamente determinada por três factores: pelas reações dos destinatários da regulação, pela crescente integração dos mercados financeiros e pela ocorrência de eventos, designadamente crises como a vivenciada recentemente (Kane, 1987, Santos, 2002). Estes três factores determinam o sentido de evolução da produção regulamentar, pois sendo o processo regulatório essencialmente reativo, este concretiza-se com as respostas que vai desenvolvendo face às inovações financeiras, à crescente integração dos mercados financeiros e aos eventos que resultam da sua combinação.

A regulação ao determinar o que pode ou não pode ser feito, que obrigações há a cumprir, incita a maiores esforços de inovação financeira, que se materializam em formas de contornar as limitações impostas pela regulação mais complexas, com menos rasto, mais difíceis de avaliar, o que dificulta significativamente o papel das autoridades no reconhecimento e estimação dos potenciais impactos e a respectiva toxicidade das mesmas. Assim, o processo regulatório resulta muitas vezes das reações observadas, sendo a sua orientação determinada pelo “jogo de reações” que tiver lugar.

A crescente integração dos mercados financeiros, resultante das várias tentativas de alianças entre bolsas de valores e dos inúmeros processos de fusão e aquisição entre bancos, seguradoras e outras empresas financeiras, por sua vez, determina também o sentido da regulação, uma vez que tais processos foram tornando a regulação e supervisão nacionais cada vez mais inadequadas, tendo incitado ao desenvolvimento de esforços de coordenação internacional nestas matérias, com o intuito de harmonizar e fortalecer os instrumentos normativos, reformulando assim toda a arquitetura regulatória e de supervisão, tanto internacional como nacionalmente (Santos, 2002).

Um outro aspecto muito importante e que, deve ser e tem sido considerado pelo processo regulatório é o custo que os destinatários da regulação têm de suportar para cumprir a legislação a que estão sujeitos (Elliott [et al.], 2012). Os reguladores devem assim avaliar se os custos de cumprimento da regulação que estão a criar justificam os

26 | P á g i n a benefícios que da mesma se espera que advenham, pois quando esta relação custo- benefício não é devidamente percebida pelos destinatários da regulação, tal poderá incitar a comportamentos desconexos aos pretendidos, mais concretamente, poderá fomentar o desenvolvimento de mecanismos de contorno à nova legislação que diluirão a eficácia da mesma e empolarão a exposição ao risco dos agentes, instituições financeiras, mercados e a própria economia no seu todo.

No que concerne aos custos de cumprimento, verifica-se que esta questão tem sido tratada pela literatura através da análise dos custos que decorrem de certas medidas em particular. Destaca-se então neste contexto, não só pela importância para esta investigação em particular, mas também pelo relevo e interesse que tem suscitado em inúmeros investigadores ao longo do tempo, os estudos que indagam as implicações em termos de custo, decorrentes do aumento dos requisitos de capital, salientando-se os estudos direcionados para o Acordo de Basileia III,30 uma vez que este constitui a base

regulatória que será alvo de análise no presente trabalho de investigação (Apergis [et

al.], 2012, Biase, 2012, Elliott [et al.], 2012, Elliott, 2009, Francis [et al.], 2012a,

Slovik [et al.], 2011).

O reconhecimento, por parte dos reguladores, da importância do factor custo no processo regulatório tem vindo a ser cada vez mais claro,31 uma vez que a estimação desse factor tem servido, por vezes, de argumento legitimador para importantes medidas regulatórias, assim como tem motivado a certas correções, melhorando dessa forma a adequabilidade dos dispositivos regulatórios à realidade sujeita aos mesmos.

Assim, verifica-se que o processo regulatório lida com vários trade-offs em simultâneo, pelo que dificilmente um enquadramento regulamentar conseguirá satisfazer adequadamente todos os objectivos que persegue. Contudo, cabe ao regulador hierarquizar os mesmos e determinar um equilíbrio entre estes, de modo a pôr em prática a “solução óptima” que está ao seu alcance.

30 Este aspecto da literatura será alvo de maiores desenvolvimentos no capítulo seguinte.

31 A elaboração de estudos quantitativos de impacto dos requisitos de capital definidos pelo Acordo de

Basileia III ilustra essa preocupação. É possível aceder aos resultados dos estudos quantitativos realizados pela CBSB desde 2010 e dos estudos de acompanhamento do impacto do referido dispositivo regulatório elaborados pela Autoridade Bancária Europeia (ABE) desde 2012 em http://www.eba.europa.eu/Publications/Quantitative-Impact-Study/Basel-III-monitoring-exercise.aspx.

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