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Fenómenos que remodelaram a atividade da indústria bancária

2. O papel do sistema bancário na economia – conceitos, funções e objectivos

2.3. Fenómenos que remodelaram a atividade da indústria bancária

bancária

As instituições bancárias iniciaram a sua atividade assente essencialmente numa abordagem patrimonial, a qual se resumia à recepção de depósitos e à concessão de empréstimos. Contudo, nos últimos anos, foi possível observar a crescente realização de operações registadas fora do balanço,27 com um grau de sofisticação relativamente elevado, como são exemplos os derivados financeiros e outras operações de engenharia financeira (Caiado, 2008a), como a securitização. É óbvio que estas operações contribuem substancialmente para o aumento da exposição ao risco das instituições financeiras, o que aliás tem motivado crescentes preocupações por parte dos reguladores, supervisores e entidades governativas e, fomentado muitas das mais recentes reformas regulatórias.

Altunbaş [et al.] (2009) referem que, no caso particular da Europa, com o lançamento do euro surgiram inovações nos mercados de crédito, as quais tiveram um impacto significativo sobre a capacidade e os incentivos à concessão de crédito por parte dos bancos, ou seja, sobre a eficácia do canal de crédito bancário; estas foram: a maior dependência dos bancos de fontes de financiamento de mercado, seja por via tradicional, através da expansão do mercado das obrigações hipotecárias, seja por via de desenvolvimentos de inovação financeira, através do recurso a operações de securitização, que tal como é possível observar no Gráfico 2.4(imagem à direita), demonstraram uma tendência crescente até 2007. Os autores sugerem ainda que, consequentemente, estas inovações nos mercados de crédito tornaram os bancos menos dependentes dos depósitos para expandirem a sua base de empréstimos, tal como se observa na imagem à esquerda no mesmo gráfico, remodelando a sua forma de financiar a economia.

27 Entenda-se por operações fora do balanço, operações que não são reflectidas no balanço patrimonial

corrente, pois não representa nem um ativo nem um passivo, contudo estas ganham expressão na demonstração de resultados e podem afectar a estrutura futura do balanço da instituição financeira, uma vez que constituem ativos e passivos contingentes. Assim, associadas a este tipo de operações identificam-se os riscos contingenciais, os quais se caracterizam por ser multifacetados, uma vez que integram todas as outras tipologias de riscos: risco de crédito, de taxa de câmbio, de liquidez e de taxa de juro.

19 | P á g i n a Gráfico 2.4 - Total de Ativos por Total de Depósitos dos maiores bancos da área Euro (imagem à esquerda)

Securitização na Europa (1999 – 2008) (imagem à direita)

Fonte: Altunbaş [et al.] (2009), p.16 e 17.

Para além da atividade fora do balanço, as instituições financeiras e, em particular os bancos, têm de enfrentar novos desafios, relacionados com o surgimento de vários fenómenos que até à pouco mais de meio século eram praticamente inexistentes, como são os casos da internacionalização financeira, da globalização de mercados, da proliferação de novos concorrentes (e dos respectivos produtos e serviços) e o surto galopante das novas tecnologias.

A internacionalização financeira foi um fenómeno que emergiu na segunda metade do século XX, decorrente da II Guerra Mundial, uma vez que a recuperação da mesma incitou, pela primeira vez, ao desenvolvimento de relações financeiras entre inúmeros países (essencialmente os envolvidos no conflito), nas quais também intervieram muitas instituições bancárias, na sua maioria norte-americanas (Caiado, 2008a). Tal facto promoveu, a partir daí, uma generalização da internacionalização financeira, tendo os bancos europeus e japoneses reproduzido a estratégia dos americanos, acompanhando as grandes empresas mutuárias e fixando-se nas praças financeiras mundiais mais relevantes, cujos contactos e inúmeras operações deram origem aos “euromercados”28 (Caiado, 2008a). A criação da rede Society for Worldwide

Information Transfer (SWIFT) reforçou a difusão deste fenómeno, pois através desta, os

bancos de todo o mundo trocavam entre eles informações relativas às transferências entre bancos e clientes, às operações cambiais, cobranças, depósitos, confirmação de

28 Os “euromercados” são mercados offshore, os quais eram compostos essencialmente por: depósitos de

20 | P á g i n a débitos e créditos, entre outros. Assim sendo, a internacionalização financeira permite não só a expansão do negócio bancário, dotando-o de maior dimensão e relevo, mas também expõe as economias a um maior risco, pois cada país tem as suas vulnerabilidades intrínsecas, e a atividade bancária pode constituir um canal de difusão das mesmas.

Fenómenos como a desintermediação, a concentração e a desespecialização têm, segundo Caiado (2008a), ganho relevo nos sistemas bancários contemporâneos. A desintermediação tem vindo a assumir-se como uma das soluções, encontradas pelos bancos, para contornar certas limitações normativas prudenciais (nomeadamente, o cumprimento do rácio de solvabilidade), uma vez que estes ao colocarem em contacto os agentes excedentários diretamente com os agentes deficitários (em regra, empresas com um rating elevado, como empresas multinacionais e públicas), permite-lhes beneficiar de comissões pela montagem técnica das operações financeiras, sem que tal implique o seu reconhecimento no conjunto dos seus ativos e passivos, atenuando assim, certas fontes de restritividade do seu negócio. A concentração decorre da internacionalização financeira, pois esta última trouxe consigo acréscimos de concorrência, traduzidos em novos, mais sofisticados e eficientes produtos e serviços, que obrigou à associação de bancos a nível nacional ou de bancos nacionais com internacionais, através de fusões ou acordos pontuais de cooperação (Caiado, 2008a). A desespecialização é um fenómeno que decorre de todos os anteriores, pois materializa a necessidade que o sistema bancário sentiu em alargar a sua oferta de produtos e serviços, abandonando o paradigma de negócio assente num número reduzido de serviços especializados, principalmente nas operações a retalho (retail banking), adoptando outro assente num conjunto alargado de produtos e serviços, com dimensão mundial (wholesale banking) (Caiado, 2008a). Assim, é possível inferir que estes três fenómenos têm contribuído para o aumento significativo da complexidade dos sistemas financeiros, criando fortes desafios às entidades de regulação e supervisão, pois exigem, sem dúvida nenhuma, uma intervenção mais célere e assertiva, que permita o acompanhamento e a mitigação dos riscos que advêm desta nova dimensão da atividade bancária.

21 | P á g i n a Outros dois fenómenos recentes, que contribuíram para a remodelação dos sistemas bancários, foram a desregulamentação e a parabancarização. A desregulamentação foi um processo que resultou da percepção das entidades monetárias e governamentais de que, a forma como a atividade bancária e parabancária estavam estruturadas, colocava certas instituições financeiras em clara desvantagem em contextos internacionais, pelo que houve lugar a uma desburocratização e liberalização da atividade bancária em conformidade com o estabelecido no exterior, com o intuito de igualar as condições e mitigar quaisquer desvantagens oriundas de condicionalismos burocráticos (Caiado, 2008a). A parabancarização teve um grande desenvolvimento nos últimos anos, esta é desenvolvida por empresas especializadas nas áreas financeiras, permitindo-lhes uma maior rapidez e eficiência na execução das operações, atraindo por isso a preferência de muitos clientes; estas empresas integram geralmente grandes grupos financeiros, pelo que o aumento dos riscos por estas assumidos são transmitidos à sua empresa-mãe, logo uma perturbação numa destas empresas contagiará as restantes entidades do grupo, podendo mesmo desestabilizador o próprio sistema financeiro onde atua (Caiado, 2008a). Assim sendo, constata-se que estes dois fenómenos, tal como os anteriores, contribuíram para o rápido desenvolvimento dos sistemas financeiros, o que mais uma vez remete para a necessidade de acompanhamento da evolução e da implicação dos mesmos, em termos de promoção e assunção de riscos por parte das instituições financeiras.

O fenómeno tecnológico é, sem dúvida nenhuma, um factor determinante no desenvolvimento de todos os sectores da economia, não sendo o sector bancário uma exceção. A inovação tecnológica incitou a inovação financeira, estando esta última fortemente relacionada com fenómenos já referidos, nomeadamente com a internacionalização, a concentração e a desespecialização; pois, a internacionalização acarreta um ambiente concorrencial mais feroz e volátil, exigindo dos bancos uma grande capacidade de inovação em produtos29 e serviços (desespecialização), que muitas vezes só é conseguida através da associação de entidades (concentração), de modo a responder adequadamente às novas necessidades dos clientes (Caiado, 2008a).

29 Em resultado da inovação financeira, foi possível identificar-se a emergência de novas modalidades de

produtos e serviços muito afastados dos moldes de negócio tradicionais, nomeadamente: os acordos de taxas de juro futuras – Forward rate agréments (FRA) -, os swaps de taxa de juro e de divisas, contratos de futuros, opções, entre outros (CAIADO, 2008a)

22 | P á g i n a Assim, a inovação financeira é um fenómeno contínuo e multiobjectivo, pois procura explorar e desenvolver novas operações que permitam atrair diversas classes de clientes, com exigências completamente díspares, sendo por isso um ramo comum das estratégias de crescimento das instituições financeiras.

Sendo assim, a inovação tecnológica permitiu o desenvolvimento de mecanismos que possibilitaram uma maior e mais rápida integração dos mercados e, por conseguinte, das próprias instituições financeiras, encerrando em si um trade-off; pois, se por um lado, tal facto se traduz em grandes oportunidades de desenvolvimento e crescimento económico, por outro, consubstancia em si mesmo um grande desafio para as instituições financeiras, investidores, governos, reguladores e supervisores, dado que qualquer declínio, independentemente do ponto geográfico em que suceda poderá repercutir-se de forma assertiva em qualquer economia participante e estender-se a todos com os quais ela se relaciona (Arnold [et al.], 2012).

A ideia de contágio, de difusão de uma turbulência bancária a outras economias ganha relevo, como já referido, com a evolução da inovação tecnológica e consequente inovação financeira, colocando o risco sistémico no centro das principais discussões internacionais de regulação do sistema financeiro. O risco sistémico, em termos gerais, consiste na possibilidade da instabilidade sentida no sistema financeiro de um dado país, por motivos de um desequilíbrio ou de uma grande instituição financeira ou de inúmeras pequenas, se repercutir de forma significativamente negativa na economia real não só da geografia onde primeiramente ela eclode, mas, e principalmente, nas economias dos países com os quais se relaciona (Schwerter, 2011). Um exemplo recente e que ilustra claramente a dimensão deste conceito é a falência do banco americano Lehman

Brothers, em 2008, a qual desestabilizou não só o sistema bancário nacional, mas

também diversas geografias, motivando o consenso internacional para o reconhecimento da necessidade de revisão da regulação do sistema financeiro, apelando à coordenação dos diversos organismos de regulação e supervisão internacionais (Portugal, 2010b).

Para além da inovação tecnológica e financeira, também a globalização aumentou a importância do risco sistémico, uma vez que possibilitou o alargamento do conjunto de factores difusores do risco sistémico, passando a resultar não só de

23 | P á g i n a problemas internos do país, mas também de acontecimentos provenientes do exterior, tal como foram exemplos a crise do subprime, já referida, e a crise da dívida soberana na Europa.

Caiado (2008a) referem que a globalização financeira resultou essencialmente da combinação dos seguintes factores: da internacionalização, da livre circulação de capitais, da institucionalização dos mercados financeiros e do exponencial desenvolvimento tecnológico. Esta possibilita uma colocação mais eficiente dos recursos (acesso a espaços que geram maiores rendibilidades), o acesso a uma grande variedade de instrumentos em diferentes mercados (mesmo que fisicamente distantes) permitindo uma maior diversificação do risco e, a obtenção de investimento externo para a realização de investimentos que não eram viáveis se apenas financiados por recursos domésticos; contudo, colocam as economias mais expostas a perturbações financeiras, uma vez que os mercados caracterizam-se pela sua grande volatilidade, reduzem a eficácias das políticas económicas locais e a tendência à ocorrência de situações especulativas, aumentam os riscos nos sistemas financeiros e consequentemente, elevam a probabilidade de ocorrência de crises financeiras (Caiado, 2008a).

Assim sendo, verifica-se que a globalização financeira é um fenómeno transversal, estando-se a expandir de forma bastante acelerada, ocasionando o aumento da dimensão dos mercados (em número e valor monetário) e da competitividade, o que beneficia os clientes, pois tal traduz-se em produtos e serviços de elevada qualidade a preços significativamente reduzidos. Esta tendência, que influencia inevitavelmente a atividade financeira, apoiada tecnologicamente, incita a fusões e aquisições entre empresas nacionais e internacionais, de modo a alcançar determinados objectivos concorrenciais (Caiado, 2008a), o que uma vez mais deve ser alvo de monitorização das autoridades de regulação e supervisão, no sentido de evitar a concentração excessiva, pois um desequilíbrio numa organização com uma grande dimensão poderá implicar a instabilidade do sistema financeiro no seu todo, nacional e internacional.

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