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4. O Acordo de Basileia III

4.5. Cumprimento do Acordo de Basileia III

Tal como é possível deduzir, a elevada exigência que caracteriza o Acordo de Basileia III coloca muitos desafios aos sistemas bancários, uma vez que o seu cumprimento suscitará, muito provavelmente, fortes reestruturações dos balanços das entidades bancárias e o desenvolvimento de novos modelos de negócio por parte destas.

O aumento dos requisitos de capital e liquidez constituem a característica distintiva do novo enquadramento regulatório, sendo o cumprimento do mesmo perspectivado como sinónimo de perda de rentabilidade, devido ao custo de capital de qualidade mais elevada (equity) ser significativamente mais oneroso. No entanto, Admati [et al.] (2010) contraria em parte tal ponto de vista, pois para os autores, antes de tudo, uma redução da Rentabilidade dos Capitais Próprios não indica necessariamente um decréscimo do valor acrescentado e, apesar do aumento dos requisitos de capital poderem influenciar negativamente o ROE em condições de mercado favoráveis, não se pode ignorar que o seu efeito inverte de sentido nos períodos de tensão financeira, ao reduzirem o risco a que os acionistas estão expostos.

Admati [et al.] (2010) desmistificam ainda outra ideia pré-concebida de que “Increased capital requirements force banks to operate at a suboptimal scale and to

restrict lending.”,152 a qual foi difundida, de forma mais ao menos generalizada, aquando da publicação do Basileia III. Segundo os autores, o aumento dos requisitos de capital não implicam a redução dos balanços dos bancos, pois estes possuem formas alternativas que lhes permitem salvaguardar o cumprimento dessas exigências, nomeadamente a emissão de novas ações por parte dos bancos, possibilitando-lhes, simultaneamente, cumprir os requisitos a que estão sujeitos e salvaguardar a continuidade das suas atividades de maior valor económico e social.

A Figura 4.1comprova o enunciado por Admati [et al.] (2010), bem como demonstra as três principais estratégias para o cumprimento de requisitos de capital mais elevados, que podem ser adoptadas pelas instituições financeiras: Desalavancagem, Recapitalização e Expansão.

152 In página 9, Admati, Anat R.; DeMarzo, Peter M.; Hellwig, Martin F.; Pfleiderer, Paul (2010), "Fallacies, Irrelevant Facts, and Myths in the Discussion of Capital Regulation: Why Bank Equity is Not Expensive". Max Planck Institute for Research on Collective Goods Bonn, p. 1-13; 36-42.

115 | P á g i n a Figura 4.1 - Alternativas de resposta a aumentos de requisitos de capital (equity)

Fonte: Fallacies, Irrelevant Facts, and Myths in the Discussion of Capital Regulation: Why Bank Equity is Not Expensive, Admati [et al.] (2010), pp. 10.

A desalavancagem153 consiste na redução do endividamento, neste caso, por parte de uma entidade bancária. Tal é ilustrado pelo Balanço A, ao liquidar-se metade do valor dos ativos e utilizar-se o montante resultante para reduzir o seu passivo, ou seja, o seu endividamento.

A recapitalização154 consiste num reforço do capital social de uma entidade bancária, através da emissão adicional de ações ou outros instrumentos de capital que possam ser equiparados a Capital Core Tier1, mediante a concretização de determinadas circunstâncias, por exemplo as já referidas Contingent Convertible Bonds. Através da observação do Balanço B, constata-se que o banco cumpre o requisito de capital mais elevado através da emissão adicional de capital (10), reduzindo no mesmo montante os seus passivos e deixando inalterados os seus ativos.

A expansão consiste na realização de um aumento de capital, cujos rendimentos resultantes do mesmo são utilizados na aquisição de novos ativos, permitindo assim a expansão do balanço patrimonial de uma entidade. Consistente com tal estratégia temos

153 No caso português, o objectivo de desalavancagem da Banca Portuguesa consta no Memorando de

Entendimento sobre as condicionalidades de política e tal se deve ao elevado endividamento que esta evidenciava e às dificuldades crescentes que a mesma enfrenta em matérias de financiamento.

154 No caso português, segundo o n.º2 do Artigo 4º- Modos de Capitalização, da Lei n.º4/2012 de 11 de

Janeiro, a operação de capitalização pode ser realizada através de três formas distintas: (i) aquisição de ações próprias detidas pela instituição de crédito; (ii) aumento do capital social da instituição de crédito; (iii) outros instrumentos financeiros elegíveis para fundos próprios core tier1. O processo de recapitalização dos bancos portugueses foi executado através do terceiro modo, tendo sido emitidas obrigações diretas, não garantidas, subordinadas e sem termo, com uma taxa de remuneração de 8,5%, classificadas pelo Banco de Portugal como Capital Core Tier1.

116 | P á g i n a o Balanço C, no qual se constata um aumento de capital de 12.5 que é utilizado na aquisição de novos ativos, passando deste modo o Ativo Total de 100 para 112.5.

Assim, observando a Figura 4.1 no seu todo, constatamos que a única estratégia de cumprimento de Basileia III que pode promover o exercício da atividade bancária a uma escala sub-ótima e restringir a oferta de crédito é a desalavancagem, pois as restantes permitem manter e até mesmo expandir, se assim o decidirem, a atividade de crédito.

Como já referido, Basileia III induz as próprias instituições bancárias a questionarem-se acerca do seu modelo de rentabilidade, levando-as a repensar e a rever os seus modelos de negócio à luz do novo enquadramento regulamentar. A necessidade de desenvolver novos modelos de negócio que lhes permitam produzir uma rentabilidade adequada às expectativas dos seus stakeholders, leva os bancos a considerar vários aspectos na elaboração da sua estratégia de resposta ao Basileia III, nomeadamente: aspectos operacionais relacionados com a optimização dos processos, aspectos analíticos relacionados com a identificação e mensuração do potencial de rentabilidade dos vários segmentos e respectivo ajustamento do pricing e aspectos da estratégia core relacionados com decisões associadas à estrutura de capital, à composição do grupo e ao modelo de negócio. A estratégia de resposta ao Basileia III resulta assim da combinação destes vários aspectos, os quais se encontram mais detalhadamente explicitados na Tabela 4.19.

Estratégia de Resposta ao

Basileia III Sugestões de Medidas

A spec to s O pera ci ona is

De natureza de curto prazo, centram-se não só em cumprir as

novas exigências, mas também pretendem aumentar a eficiência

e reduzir custos, melhorando os processos operacionais.

Melhorias dos modelos de determinação dos riscos, os quais ocasionam elementos de maior qualidade analítica.

Desenvolvimento de processos mais rigorosos e exigentes de concessão de crédito, de modo a reduzir a exposição de crédito e as perdas potenciais decorrentes da mesma.

Melhoria dos processos de gestão do risco de liquidez, considerando testes de stress e a concepção de planos de contingência relativamente ao financiamento.

Promoção de maior integração das funções financeiras e de risco.

Inclusão de todas as subsidiárias através de requisitos de gestão de capital e de risco consistentes e prudentes.

117 | P á g i n a A spec to s An al ít ico s

Centram-se nas questões relacionadas com a rentabilidade, atuando nas áreas

de preços, financiamento e reestruturação de ativos

Identificar a importância estratégica de cada segmento e analisar o contexto concorrencial do mesmo, ajustando as taxas de empréstimo em conformidade.

Aposta em segmentos de menor risco e redução das atividades com derivados, acordos de recompra de títulos e titularizações.

Os custos mais elevados relacionados com os requisitos de capital e de liquidez devem-se refletir através de preços com maior sensibilidade ao risco. Alteração do mix de financiamento de longo prazo, apostando-se em fontes de financiamento de maior estabilidade.

Redução da exposição total, dentro e fora do balanço.

E st ra tég ia C ore

Centram-se nas questões relacionadas com a estrutura de capital, composição do grupo e

modelo de negócio

Estrutura de capital - desalavancagem, recapitalização ou expansão

Modelo de negócio - venda de unidades de negócio de maior risco, entrada em novos segmentos de produtos ou empresas, outsourcing das atividades não core da entidade.

Composição do grupo - venda de participações minoritárias em instituições financeiras não estratégicas.

Racionalização dos custos estratégicos através da implementação, sempre que possível, de serviços compartilhados.

De acordo com a identificação da importância estratégica de cada segmento, dedicar mais ou menos recursos aos diferentes agregados de clientes.

Tabela 4.19 – Estratégias de Resposta ao Acordo de Basileia III

Fonte: Elaboração do próprio autor com base nos trabalhos de Admati [et al.] (2010), Accenture (2011) e KPMG (2011).

Com base em tudo o que já foi sendo referido não é possível ignorar que o reforço da regulação de capital dos bancos acarreta custos significativos aos sistemas bancários para o seu cumprimento, afectando a rentabilidade dos mesmos. Assim, tal como especificado na Tabela 4.19, os bancos tenderão a transferir esses custos para o sector privado (Chun [et al.], 2012), afectando a economia real em diferentes dimensões, designadamente na disponibilidade e custo de financiamento do sector privado, através de 3 canais distintos como demonstrado na Figura 4.2.

Figura 4.2 – Canais através dos quais a reforma regulatória pode influenciar a economia real

Fonte: The Impact of Basel III Bank Regulation on Lending Spreads: Comparisons across Countries and Business Models. Korea and the World Economy. Vol. 13. (2012). p. 360

Reforma Regulatória

Custo de Financiamento dos bancos

Alocação dos Ativos

Modelo de Negócio Condições de Financiamento do sector Privado e Disponibilidade de Crédito Economia Real

118 | P á g i n a Em consonância com o já referido, King (2010) refere que os bancos podem compensar a perda de rentabilidade ocasionada pelo reforço dos requisitos de capital através:

i. Redução dos gastos operacionais;

ii. Ampliação das fontes de receitas não relacionadas com juros;

iii. Identificação e redireccionamento da atividade para segmentos de negócio com maior potencial de rentabilidade;

iv. Absorção de parte dos custos mais elevados através do desenvolvimento de processos mais eficientes.

No entanto, a adequabilidade de cada estratégia variará consoante o contexto competitivo de cada banco, mas, normalmente estes tendem a desenvolver uma estratégia que combina várias medidas operacionais, analíticas e tácticas.

Apesar do conjunto de alternativas que os bancos possuem para compensar o aumento de custos associados ao cumprimento dos novos requisitos, para o trabalho de investigação em causa destaca-se a relação entre a regulação de capital dos bancos e a oferta de crédito, que será alvo de maiores desenvolvimentos no subcapítulo seguinte.

4.6. A regulação do capital e a oferta de crédito à economia