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1. FORA DO EIXO: AS ORGANIZAÇÕES DE COMUNICAÇÃO NO INTERIOR

1.3. Uma empresa familiar

1.3.2. A relação do poder simbólico e econômico do grupo

O Grupo Integração, como conglomerado regional de mídia, possui o poder de influir nas agendas governamentais e públicas; intermediar relações entre grupos distintos; influenciar a opinião de várias pessoas no perímetro de atuação de seu conglomerado; participar, como discute Fonseca (2011, p. 41), “das contendas políticas, em sentido lato (defesa ou veto de uma causa, por exemplo) e estrito (apoio a governos, partidos ou candidatos)”; e atuar como aparelho ideológico34, organizando interesses. O conglomerado oculta esse papel por trás do dever da informação, que é neutra, imparcial, apolítica e a-ideológica – e essa estrutura discursiva será vista, adiante, nesta tese, nas falas dos trabalhadores, da técnica e do profissionalismo da Corporação Globo.

Oficialmente, o conglomerado diz não possuir vínculo com nenhum partido político, todavia a relação da organização com a política faz parte de sua história.35 O patriarca da família, Siqueira e Silva em Uberlândia, pai de Tubal de Siqueira Silva, foi prefeito nos anos de 1951 a 1954, e sua fama está relacionada diretamente com a construção civil e o processo de urbanização do município. A história sobre o personagem Tubal Vilela foi resumida na citação do memorial feito em sua homenagem: “Um antigo ditado se referindo tanto ao político quanto ao fundador e ex-presidente da Imobiliária Tubal Vilela diz que ‘Deus fez a metade de Uberlândia e Tubal fez o resto” (PEREIRA, 2014, pg. 09). Vilela faleceu antes do início das

34 A partir da teoria marxista do Estado, segundo a qual este é visto como agente de repressão, Althusser cunhou o conceito de aparelhos ideológicos de Estado – AIE – para designar, segundo Sérgio Paulo Rouanet (1978, p.31), “instituições especializadas, destinadas a inculcar os valores ideológicos da classe dominante, com o objetivo de garantir a reprodução das relações de produção capitalistas”. Esse papel é executado por instituições como a Igreja, a escola, a família, os sistemas jurídico e político, as redes de informação e cultura. Os aparelhos ideológicos, apesar de serem encarregados da difusão ideológica, também podem exercer um papel repressor. Ainda segundo Rouanet, eles cobrem o domínio dito privado, enquanto os aparelhos repressivos, constituídos por governo, exercício, polícia, instituições prisionais, que detém o poder da violência, recobrem o domínio considerado público.

35 Segundo matéria publicada em 21/09/2014 no blog “Ligia Deslandes” intitulada “Contrabando de Nióbio brasileiro tem dedo dos barões da imprensa” desde a fundação da TV Triângulo Mineiro, por Edson Garcia Nunes, a emissora esteve sempre ligada a disputas políticas locais. Na década de 1960 foi uma ferramenta utilizada por seu proprietário no movimento separatista da região do Triângulo Mineiro do Estado de Minas Gerais. Segundo memórias de Edson Garcia, na ocasião o governo militar o ameaçou de caçar a outorga da TV se ele não se afastasse do movimento. Mas o movimento deixou de ser representativo, quando o candidato uberlandense Rondon Pacheco ganhou a eleição para governador do estado de Minas Gerais, como candidato do governo militar.

atividades da TV Triângulo Mineiro, mas foi o precursor dos negócios da família na região e nomeia bens públicos como edifícios e praças.

Segundo Pacheco (2001) o início das emissoras de radiodifusão em Uberlândia, a partir dos anos de 1950, se deveu a disputas entre partidos políticos a saber, UDN, PSD e PR. As rádios foram criadas para alcançar a população iletrada da cidade. Eram usadas como arena de acusações e defesas de representantes políticos que disputavam o eleitorado local. A Rádio Cultura, que hoje compõe o conglomerado dos Siqueira e Silva, foi fundada em 1958 por Renato Freitas. Este, por sua vez, era um homem rico, que foi prefeito de Uberlândia por dois mandatos, de 1967 a 1971 e de 1973 a 1977. Em 1972, Freitas e Tubal de Siqueira e Silva, como se viu anteriormente, adquiriram a “TV Triângulo” – posteriormente “Rádio Televisão de Uberlândia Ltda”.36 Para Pacheco (2001, p. 33), Renato Freitas entrou para a vida política “com a consciência da importância de se possuir um veículo de comunicação de massa. Ali falaria ao público quem ele quisesse e, nas entrelinhas dos programas políticos, ou de entretenimento, seu nome seria divulgado”.

No quadro de dirigentes da Rede Integração, entre 2010 e 2016, dois executivos participaram do governo do Estado de Minas Gerais. O primeiro foi Antônio Leonardo Lemos Oliveira, Gerente de relações Corporativas do Grupo Integração desde março de 2009, segundo dados de seu perfil no Linkedin.37 Com uma longa trajetória política, principalmente na região de Araxá, Antônio Oliveira foi Secretário Municipal da Fazenda entre 1986 e 1988; vice- prefeito no período de 1993 a 1996; vereador nos anos de 1989 a 1992; prefeito de Araxá38 pelo Partido Progressista – PP – no período de 2001 a 2008. Em 2011, assumiu a vice-presidência da CODEMIG - Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais.39 Na época de sua gestão, a CODEMIG foi objeto de investigação do Ministério Público mineiro por suspeita de irregularidades em licitações de exploração do Nióbio em Araxá. As acusações feitas à época relacionam o Grupo Integração e o Grupo Moreira Sales, dono da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que explora a jazida do mineral no município. Segundo a

36 Pacheco (2001) que trata em sua dissertação do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa em Uberlândia e sua relação política, relata que a concessão da TV Triângulo se deu por intervenção do lobbista Adib Chueri que possuía fama de negociador de concessões de rádio em Brasília. As autorizações eram pagas com dinheiro vivo dos empresários radiodifusores. A concessão da TV Triângulo se deu para Edson Garcia Nunes por meio do decreto 1127, de 04/06/62. A primeira transmissão foi feita 40 dias após o Golpe Militar de 31 de março de 1964.

37 Linkedin é uma rede social de profissionais. O perfil de Antônio Leonardo Oliveira foi consultado em 10 de outubro de 2016.

38 Cidade onde se localiza a sede da TV União pertencente ao grupo.

39 Segundo matéria publicada em 01/04/2011, no Portal “Diário de Araxá”, a indicação se deu “após as inúmeras reivindicações da imprensa e da comunidade araxaense por uma representatividade na empresa”.

denúncia, houve transferência de recursos da CBMM para o grupo de mídia realizar a compra da TV Panorama, como relata Azevedo (2012): 40

Segundo relatório da Receita Federal, após 2002 a Rede Integração é propagada como de propriedade exclusiva do empresário Tubal de Siqueira Silva, sem que nenhum documento comprovasse nenhum tipo de negociação de compra e venda. O relatório aponta que os investimentos posteriores à transação já ultrapassaram R$1 bilhão, sem que qualquer faturamento significativo de publicidade tenha ocorrido no período. Todo capital teria sido obtido através de empréstimos tomados de Bancos ligados ao Grupo Moreira Sales. Em 2007, a Rede Integração adquiriu parte da TV Panorama, afiliada da Globo de Juiz de Fora, expandindo a empresa também para a Zona da Mata, controlando assim 4 das 8 retransmissoras da TV Globo em Minas Gerais e se tornando a maior empresa de comunicação do interior mineiro. Cinco anos mais tarde, a Rede Integração assumiu a totalidade da TV Panorama que, com isso, passou a se chamar TV Integração Juiz de Fora.

Outro exemplo da representação política do grupo foi a nomeação em 2014, no período de abril a dezembro, de Rogério Nery para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado. Rogério Nery fazia parte de Conselhos e associações que representam interesses comerciais e empresariais de entidades ligadas à radiodifusão, como o Conselho para difusão da tecnologia brasileira da TV digital na América do Sul e Associação Mineira de Rádio e Televisão (AMIRT), além de várias entidades comerciais como a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS). Durante sua gestão no governo de Minas, a FEDERAMINAS foi uma das entidades com as quais teve oportunidade de negociar.41 Na ocasião, a Associação pleiteou investimentos para infraestrutura e escoamento de produção de regiões que, como descreve a matéria publicada pela própria entidade, coincidem com as áreas de atuação do grupo Integração.

Em ambos os casos, a TV Integração anunciou o afastamento dos dirigentes da diretoria do grupo, como rege a Constituição de 1988. No entanto, essa prática não garante a isenção do ator político no exercício do poder executivo, já que, como sujeito de interesses privados, representando um grupo social, ele não se separa de seus próprios interesses. Ademais, as indicações aos cargos públicos são forjadas por relações partidárias de representação dos grupos políticos eleitos atuantes no Governo, o que indica a atuação política dos Siqueira e Silva junto

40A venda e exploração do Nióbio no município mineiro de Araxá é objeto de investigação pelo Ministério

Público em MG e um relatório da Receita Federal, que investigou a evasão de divisas existente na venda subfaturada do mineral, traz a suspeita de uma possível transferência de recursos obtidos pela Companhia Mineradora de Pirocloro de Araxá (Comipa) e pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa do Grupo Moreira Sales, para a Rede Globo de Televisão. A transação teria sido feita com a interveniência da CODEMIG e sem autorização legislativa ou licitação” (AZEVEDO, 2012) disponível em: http://www.brasilacimadetudo.com/2015/09/contrabando-de-niobio-estaria-financiando-rede-globo-minas/ Acesso em 21/09/2016.

41 Conferir matéria de 11 de setembro disponível no portal da entidade: “Empresários das várias regiões mineiras apresentam pleitos ao secretário Rogério Nery”, FEDERAMINAS, 11/09/2014, disponível em: http://www.federaminas.org.br/index.asp?c=padrao&modulo=conteudo&url=4794. Acesso em 13 de setembro de 2016.

a partidos e as esferas públicas do poder. Os interesses econômicos do grupo não se apartam de sua atuação política. Sua história o revela como um exemplo do coronelismo eletrônico (AIRES, SANTOS, 2017; LIMA, 2011; SANTOS, CAPPARELLI, 2005), no qual há um sistema de reciprocidade entre radiodifusores e representantes políticos, discussão que será desenvolvida no segundo capítulo.