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2. CONGLOMERADOS MIDIÁTICOS REGIONAIS: DO CORONELISMO AO

2.3. Aproximações entre o coronelismo e o coronelismo eletrônico

2.3.2. Oligarquias, afiliadas e concentração de radiodifusores

103 Segundo Daniel Herz, o papel de Garnero na sociedade deveria ser “simbólico”. Ele era influente junto a Câmara e ao Senado e na sociedade deveria utilizar-se desse trânsito em benefício dos interesses da NEC. Os japoneses tinham o dinheiro. Mas como presidente detentor de direito a voto, Garnero se impôs na organização, incomodando o grupo Japonês proprietário da empresa. Em 1985 o “Governo Federal decretou a liquidação extrajudicial do Banco Brasilinvest e das demais empresas financeiras pertencentes ao grupo” (HERTZ, 1987, p. 42). Mário Garnero teve decretada sua prisão preventiva. A NEC do Brasil não foi atingida pela liquidação do Grupo Brasilinvest, mas as atividades ilegais de Garnero foram decisivas para que os japoneses se afastassem do “sócio” brasileiro. Importante dizer que a indicação de Garnero para ser o “sócio nativo” foi feita por Rômulo Villar Furtado, que em 1986 completava 13 anos à frente da secretaria geral do Ministério das Comunicações. 104 Secretaria Especial de Informática

A decadência econômica também impacta no processo produtivo das radiodifusoras controladas por “coronéis”. Para Santos (2006, P. 18), “os serviços de comunicação oferecidos pelas empresas dos coronéis são pobres, não têm condições de competitividade em termos de qualidade de conteúdo ou de distribuição eficaz”. Elas não atendem às lógicas de mercado. Concordo com a autora em parte. De fato, há organizações que não possuem recursos financeiros para qualificar o processo produtivo, nem tampouco condições de atrair os melhores profissionais. Assim, não alcançam grandes índices de audiência, o que impacta na relação com anunciantes e, diretamente, nas condições econômicas de manutenção da organização. Os cargos de direção e gestão, em geral, são ocupados por familiares, afiliados ou por “indicados” de outras lideranças locais (a quem o “coronel” deve favores), profissionais que prescindem da competência necessária para atuar no ramo. A sustentabilidade financeira depende em muitos casos de anúncios publicitários governamentais. As tecnologias contemporâneas disponíveis e a necessidade de atualização dos processos são onerosas para os “coronéis”, que não se interessam em “investir” na organização. Sua preocupação é deter o meio de produção, mesmo que ele não oferte um produto de qualidade. Contudo, por outro lado, há organizações que, apesar dos custos necessários para ofertar serviços, buscam se enquadrar em modelos de produtividade impostos pelo setor.

A situação aproxima radiodifusores locais e empresários nacionais, que se organizam em redes de afiliadas. Como afiliadas, as organizações locais são responsáveis por retransmitir a programação, em sua maioria de “conteúdo nacional”, inserindo a esta uma pequena parcela de “conteúdo local”. A “parceria” garante a programação sem dispêndio de muitos recursos para a produção – principalmente aos veículos de televisão que possuem um sistema de produção mais complexo. A afiliação cria as condições para manutenção da audiência. Garantida a audiência, assegura-se a capacidade de o veículo atuar junto à opinião pública. A rede de afiliadas se fortalece na defesa de seus interesses, dentre eles, impedir a entrada105 de empresas internacionais no país.106 Não se pode negar, todavia, que, dependendo da afiliação, há modelos de produção que são impostos à afiliada e solicitam recursos do concessionário. Se esses recursos virão ou não de lógicas comerciais de exploração do mercado, essa é outra questão que precisa ser analisada - não há condições de tratá-la no momento, sob o risco de se perder o foco da argumentação.

105 A Associação Nacional dos Jornais – ANJ – entrou com ação contra sites estrangeiros que têm produzido jornalismo relevante para o público brasileiro. Entre os grupos estrangeiros reclamados estão El País Brasil, The Intercept Brasil e BBC Brasil. A ação pede que os jornais sejam regulados pela mesma legislação que rege os veículos brasileiros e impede a entrada de capital estrangeiro. (STOCCO, 2016).

A debilidade econômica dos “coronéis” radiodifusores não significa ausência da concentração de renda. Ao contrário, como observam Santos e Stevanin (2012), os “coronéis modificaram sua forma de acumulação. Deixaram de ser homens ligados à terra, para desenvolver uma complexa e diversificada rede de negócios, dentre eles instituições de ensino superior, construtoras, fornecedoras de alimentos, que por vezes prestam serviços terceirizados aos governos municipais, estaduais e federais. Nem sempre os negócios são lucrativos em si mesmos, mas o são pela rede clientelista de que se serve o coronelismo eletrônico.

As afiliações às redes de comunicação são uma alternativa importante para a manutenção do coronelismo eletrônico, como exposto por Santos (2006), mas não é a única. A propriedade cruzada é uma manobra jurídica que sustenta o sistema, porque permite aos “coronéis” constituírem seus próprios conglomerados midiáticos. Mas há variações. Existem conglomerados de mídia local e nacional, o sistema de afiliadas, como exposto, e do qual o Grupo Integração é um exemplo. Outros, em que o conglomerado atua no município e região, mas não se articula com outros radiodifusores fora deste território107 - o Sistema MPA ilustra esse modelo. Outros, em que não há afiliação, mas há articulação entre radiodifusores de diferentes estados, ligados ao mesmo “proprietário” ou “grupo” que detém as diferentes outorgas: o “coronel”, seus familiares, ou outros líderes locais de seu grupo político e econômico, que detêm a posse de uma ou mais concessões de radiodifusão.

Mesmo que não tenham as condições para ofertar boa qualidade na prestação de serviço, os conglomerados locais/regionais criam condições de monopólio da fala, impedindo o debate de ideias e a disseminação de informações de interesse público. Nessa medida o direito à comunicação e, mais especificamente, a liberdade de expressão, convertida em liberdade de empresa, assumem a face de uma liberdade fundamental da mídia, de seus dirigentes e proprietários como observam Lima (2013) e Moraes (2013). Neste aspecto, o sistema de reciprocidade entre os líderes locais e os legisladores federais, oriundos do município ou da região, é imprescindível. Apesar da Carta em seu Artigo 220, parágrafo 5º, reger que os meios de comunicação não podem direta, ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio, a norma não é considerada para a concessão ou renovação de outorgas. A falta de condições para que seja feita fiscalização, bem como interesse político que a defenda, a propriedade cruzada não se configura como impedimento. Trata-se de uma espécie de “carta branca”, para retomar as palavras de Leal (1997), dos poderes federais aos líderes locais, que em muitos casos são os próprios legisladores.

107As articulações por vezes se dão a partir de associações entre lideranças de regiões distintas, como a Associação Mineira de Rádio e Televisão – AMIRT.

Segundo Yoda (2014), diferentes órgãos participam da ilegalidade. Inicia com o Ministério (ou Secretaria) das Comunicações e a Presidência da República concedendo outorgas a empresas que não poderiam recebê-las e mantendo-as pela omissão na fiscalização das emissoras. Depois atua o Congresso Nacional, que também é responsável pela autorização e renovação das outorgas, assim como pela diplomação dos parlamentares. Por fim, o Poder judiciário, também responsável pela diplomação de candidatos eleitos.