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4. TENSÃO NO TRABALHO EM CONGLOMERADOS REGIONAIS

4.11. O distanciamento da família Siqueira e Silva

Assim como acontece com a Fundação Jaime Martins, no que se refere à TV Candidés, ao falarem da TV Integração os trabalhadores não mencionam os proprietários. Ao serem questionados sobre vínculos político-partidários dos donos do Grupo Integração, os entrevistados explicam que a distância espacial entre a unidade de Divinópolis e a sede em Uberlândia não lhes permite inferir qualquer julgamento sobre este tipo de relação política econômica dos donos. O distanciamento espacial é um marcador da neutralidade da emissora quanto a interesses particulares que possam interferir no jornalismo que ela produz e, novamente, os entrevistados afirmam que, na TV Integração, não vivenciaram nenhum tipo de situação que os permita dizer o contrário.

O Rogério pertence a um universo de atuação que não faz parte da minha rotina. Quando eu entrei na TV, ele estava atuando como secretário de desenvolvimento econômico e, logo em seguida, com a mudança de governo, ele automaticamente teve a saída dele, e ele regressou ao grupo, né? Oficialmente, ele ficou afastado do grupo. Inclusive, em uma das visitas que ele teve aqui, ele teve em Divinópolis e não teve na TV, né? Ele estava representando o governo. Mas, assim, eu não sei te dizer a real atuação, porque, diferente da minha realidade local, que eu vivi, eu presenciei, não

tem disse me disse. Eu vi, né? Eu não vivi a realidade daqui. E a realidade que eu vivo daqui é muito distante da realidade, por exemplo, do Doutor Rogério. Quando eu entrei, o Toninho já estava na TV como um consultor. E eu não vivenciei o período Toninho prefeito (Supervisor de Operações,

Caderno de campo, 2017).

O “Doutor Rogério” demarca na fala o respeito pelo Superintendente do Grupo Integração, não necessariamente pelo dono, que fica interdito. Por outro lado, marca a outra patente do coronel, descrita por Leal: o título de bacharel, como se tratou no segundo capítulo. Apesar de no cotidiano não haver proximidade entre o entrevistado e o doutor, o trabalhador em sua fala retroalimenta a posição social, daquele líder político influente que “guarda” e protege o homem trabalhador sem direitos. Ele assegura a força da corporação empresarial na qual o narrador deposita sua confiança e realiza seu trabalho. O narrador tem consciência dos interesses privados que circulam nos bastidores da organização, mas concretamente não consegue pensar em um fato que coloque a conduta profissional da emissora em cheque - diferentemente do que vivenciou na TV Candidés: “eu vi né?”

Sua fala carrega um valor comum a todos aqueles que trabalharam, ou trabalham, na Integração: o fato de que gestores (e não donos) do Grupo, participaram da gestão pública porque são profissionais competentes - caso contrário, não estariam à frente da emissora e não seriam convidados para assumir cargos de confiança no Governo. Esse é um procedimento que faz parte da mística de que empresários de grandes organizações detêm competências que os habilitam para assumir responsabilidades públicas e participar da gestão do Estado. Reforça, ainda, o status do Grupo Integração como um grande grupo de mídia mineiro. As articulações políticas, nesse caso, não aparecem como ação com fins de retorno de interesses privados, mas como ação de interesse público.

O distanciamento em contraposição com a proximidade também marca as diferentes percepções da articulação político-econômica dos conglomerados. O narrador vivenciou negociações em que havia interferência político-econômica no produto jornalístico e na rotina organizacional na TV Candidés. Fez parte da produção de materiais enquadrados por interesses privados apresentados como públicos - e nenhum dos entrevistados percebe este tipo de constrangimento na TV comercial.

A gente nunca teve uma orientação, assim, igual essa da Candidés, de ter que entrevistar fulano de tal, de ter que gravar com ele. (...) Mas aqui na TV, essa questão de política a gente tem muita liberdade. Pode ser anunciante, pode não ser anunciante, tanto faz. Igual: Prefeitura, a gente pode falar o que quiser. Mostrar o que quiser. Lógico, com respeito e tudo. Não passar do limite também. (...) A prefeitura de Divinópolis, aqui também, até na época

do governo Vladimir,168 que era anunciante também aqui, e não era pouco

anunciante, era um anunciante considerável. Mas hora nenhuma a gente deixou de mostrar as coisas. Deixou de tentar ouvir ele também, quando precisava ouvir em relação a algum problema (Âncora, Caderno de campo,

2017).

Na fala, a autonomia jornalística é mais uma vez demarcada ao tratar do tema “político”. O setor de jornalismo tem “liberdade”, o que diz respeito à escolha sobre o que fazer. Como se orientam por prescrições da técnica jornalística, nada parece se sobrepor aos critérios jornalísticos que ditam o valor notícia da emissora. O limite fica subentendido no critério

“respeito” e no fato de que abrem espaço para ouvir as versões sobre o acontecimento político,

o que está circunscrito aos critérios de noticiabilidade: “No caso de política, ou cobre de todos

ou não cobre de nenhum” (Produtor, Caderno de Campo, 2017).

A máxima enuncia a atenção da emissora comercial para as disputas territoriais e seu papel na mediação da informação entre atores políticos e os telespectadores. O valor presente no protocolo reverbera o critério isonômico da emissora, como um selo de garantia junto a audiência e anunciantes. Essas marcas a distinguiriam, por exemplo, da TV Candidés.

A emissora compreende o jogo de interesses locais dos personagens políticos, em relação às sugestões de pauta que encaminham as mídias ou das quais querem participar. Na relação de forças, a mídia local/regional ignora o ator político como sinal de imparcialidade e ao mesmo tempo demarca seu território de poder. O argumento é de que a atuação deste ator não é de interesse público - o resultado de sua ação é que pode ser uma informação relevante à população. Ao fim e ao cabo, a relevância ou não do fato político local será dada por critérios subjetivos da afiliada em consonância com discursos políticos circulantes a partir do Grupo Globo na perspectiva nacional.