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2. CONGLOMERADOS MIDIÁTICOS REGIONAIS: DO CORONELISMO AO

2.3. Aproximações entre o coronelismo e o coronelismo eletrônico

2.3.1. Conflitos de interesses

No coronelismo eletrônico, além da posição de influência, que permite a deputados e senadores, por meio de seu mandato e poder de legislar, “assistir” os líderes locais que participam de sua base de apoio, eles também legislam em benefício próprio, obtendo para si e seus familiares a concessão. Legalmente observa-se que há “conflito de interesses”, porque os parlamentares votam e aprovam suas próprias solicitações de concessão ou renovação das outorgas.101 A Constituição Federal proíbe tal prática. No artigo 54, mais especificamente nos dois primeiros parágrafos, há a definição de que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Mas apesar de ilegal, é comum acumular os “cargos”. De forma mais amena, o Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei número 4.117/1962, tenta regulamentá-la. No parágrafo 38, a Lei determina que pessoas que estejam em gozo de imunidade parlamentar não podem exercer a função de gerente ou diretor de empresa concessionária de TV ou Rádio. A norma, no entanto, segundo Lima (2011), é interpretada juridicamente como impeditiva da participação dos parlamentares na gestão das empresas concessionárias, mas não proíbe que políticos em exercício sejam detentores da concessão. Nessa medida, políticos podem ser os responsáveis pela outorga desde que comprovem estar, durante o mandato, afastados da gestão daquelas organizações. Estar afastado, no entanto, não impede que o parlamentar defenda interesses do grupo político-econômico do qual faz parte, ou mesmo de sua família. Essas foram, inclusive, as justificativas da justiça federal do Pará para o cancelamento da outorga da “Rádio Clube do Pará” em setembro de 2018, pertencente ao senador Jader Barbalho e sua esposa, a deputada federal Elcione Barbalho, ambos vinculados ao PMDB, atual MDB. A rádio esteve em nome dos parlamentares até 2017 quando foi transferida para as filhas do casal. A justiça entendeu que a transferência, no entanto, não impedia o tráfico de influência (RODRIGUES, 2018).

No que se refere aos conglomerados Integração e Sistema MPA, analisados por esta tese, foram encontrados em ambos os casos esse tipo de situação. Rogério Nery, proprietário

101 Por isso, o MPF também tem solicitado o cancelamento da outorga ou sua renovação, para impedir o tráfico de influência. Dentre eles estava o Senador Jader Barbalho e sua esposa, deputada Elcione Barbalho, que juntos foram até 2017 sócios da “Rádio Clube do Pará” YODA (2010).

do Grupo Integração, foi secretário do Governo de Minas e na ocasião os meios de comunicação do grupo, a TV Integração e o Portal G1, anunciaram o afastamento de Rogério Nery da Superintendência das empresas – só que Nery continuou sendo proprietário das concessões.

A outorga da TVE Candidés, mantida pela Fundação Jaime Martins, que tem como diretores assessores e familiares do deputado Jaime Martins Filho, também cabe na mesma situação e, apesar de nos documentos oficiais da organização não haver menção ao deputado federal, os diretores da Fundação estão diretamente ligados a ele. Há ainda a Rádio Educativa 96 FM, na cidade de Nova Serrana, sob a tutela da Fundação Cultural e Comunitária Zagga, que tem Lucília Aparecida de Lacerda Martins, esposa de Joel Pinto Martins, primo do deputado, na presidência do conselho, como descrito na caracterização dos grupos.

Deter uma concessão pública é uma das formas de alocação privada do recurso público. O “coronel” busca o controle desses meios para sustentar sua influência e os interesses dos grupos dos quais participa. Em contrapartida, toma cuidado para deixar os inimigos longe deles. O domínio do discurso cria condições favoráveis, apesar de não haver garantias, para que os representantes políticos – em escala municipal, estadual e federal – possam se eleger e reeleger. Por isso mesmo, no país, outorgas de radiodifusão para líderes locais, não por coincidência, têm sido instrumento importante para que oligarquias dominantes em vários estados e regiões se estabelecessem102 e, também, grandes conglomerados de mídia, como o Grupo Globo de comunicação.

Possuidora de diferentes empresas dos ramos da comunicação e do entretenimento, o Grupo Globo monopoliza o mercado e dita o modus operandi. Segundo Herz (1987), Lima (2005), Santos e Capparelli (2005) e Bolaño (2007), o Grupo Globo foi responsável pela prevalência de lógicas privadas nas políticas de comunicação no Brasil desde o período da Ditadura Militar. A abrangência territorial de sua programação e soberania mercadológica transformaram seu poder de influência, como “quarto poder”, em uma barreira a regulamentação de propostas democráticas que coloquem em risco sua soberania no setor. Nas palavras de Lima (2005, p. 104),

o que distingue a Rede Globo de Televisão (RGTV) de outras redes privadas e comerciais é não só sua centralidade na construção das representações sociais dominantes, mas o grau de interferência direta que passou a exercer como ator decisivo em vários momentos da história política do Brasil nas últimas décadas.

102 Os nomes Sarney, Collor de Melo, Jereissati, Magalhães, Barbalho, Neves são oligarquias regionais que representam bem esta situação.

Daniel Herz (1987), em “A história secreta da Rede Globo”, por meio do levantamento de material público sobre a organização e seus dirigentes, descreve a ascensão do Grupo Globo, suas manobras jurídicas e a diversidade de empreendimentos, dentro e fora do setor da comunicação, na constituição de seu poder político, econômico e simbólico (BOURDIEU, 1998). Um dos casos emblemáticos do sistema de reciprocidade operado pelo Grupo, foi a aquisição da NEC do Brasil, subsidiária da Nippon Electric Company, por Roberto Marinho, em 1986. Segundo Herz, Marinho obteve informação privilegiada do secretário geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Villar Furtado, e contou com a intervenção de Antônio Carlos Magalhães, na época Ministro das Comunicações. Ambos eram “apadrinhados” de Roberto Marinho, que os impôs a Tancredo Neves como condição de seu apoio na campanha eleitoral. A negociação da compra da NEC do Brasil por parte de Marinho contou com o boicote do Ministério das Comunicações para que o presidente da empresa no Brasil, o empresário Mario Garnero – que também era dono do grupo Brasilinvest103 –, se desfizesse de sua parte das ações na organização. A participação de brasileiros em empresas estrangeiras de telecomunicações era uma manobra utilizada na época para “nacionalizá-las”. Nas palavras de Herz (1987, p. 41),

as “nacionalizações” promovidas pelo Ministério das Comunicações, no início da década de 80, serviram para “maquiar” a presença do capital estrangeiro na área e armar as indústrias de telecomunicações com argumentos para furar o bloqueio da reserva de mercado controlada pela SEI.104

A NEC do Brasil era a fornecedora de equipamentos de telecomunicações às empresas estatais do país e as encomendas eram subordinadas a Antônio Carlos Magalhães. Era, também, a maior fornecedora da Embratel, que em 1986 era estatal. A Embratel, por sua vez, tinha como maior cliente a própria TV Globo, de acordo com as pesquisas de Herz.