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2. CONGLOMERADOS MIDIÁTICOS REGIONAIS: DO CORONELISMO AO

2.2. O coronelismo eletrônico

No império e na velha República, o “coronelismo” se manifestou por meio do processo de produção agrária, da concentração de terra e do controle dos eleitores rurais, tendo como

fundamento a troca de favores. Nas sociedades urbanas, os líderes políticos desenvolveram formas de influência da opinião do eleitorado para a manutenção de seus interesses. É nesse contexto que se apresenta o fenômeno do “coronelismo eletrônico”. No lugar das propriedades de terra, segundo Santos e Capparelli (2005, p.78), “líderes locais utilizam a propriedade de estações geradoras e retransmissoras como forma de extensão dos seus poderes”. Trata-se de um modo de produção da informação, e de controle dela, que objetiva construir consensos e a opinião pública.

Por meio do controle político exercido no município, o coronelismo eletrônico mantém o sistema de reciprocidade entre as instâncias municipais, estaduais e federais. Os novos “coronéis” também utilizam sua influência para obter empregos para “apadrinhados”, favores e obras urbanas para suas bases eleitorais, conservando a característica clientelista, herdada do antigo coronelismo. Mas, se, antes, a doutrinação do eleitorado se dava pelo voto de “cabresto” e nos comícios, no coronelismo eletrônico ela se dá com o apoio do aparato tecnológico de radiodifusão.

2.2.1 Um novo sistema coronelista

Segundo Santos e Aires (2017), o coronelismo eletrônico é um fenômeno datado da segunda metade do século XX que não se configura como uma continuidade do sistema coronelista, narrado por Leal, atualizado com o advento dos meios de comunicação de massa, em especial rádio e televisão. O argumento das autoras se sustenta no fato de que houve uma interrupção no sistema de permuta entre os poderes locais e federais no período compreendido entre o Estado Novo e a ditadura militar, porque não houve eleições que permitissem o voto como moeda de troca. Nessa medida, para as autoras, trata-se de uma retomada semântica que “atém o coronelismo eletrônico a um período histórico semelhante àquele estudado por Leal, ou seja, um momento de transição entre dois sistemas políticos: a ditadura e a democracia” (SANTOS; AIRES, 2017, p. 55).

No entanto, Santos e Aires reconhecem que o período da ditadura militar teria sido o mais feliz para chefes locais detentores de concessões de radiodifusão, uma vez que não havia concorrentes como a internet, tv a cabo ou a satélite – tampouco de grandes empresas multinacionais, como as de telefonia - a disputar mercado e injetar recursos financeiros com

lobby sobre ministros, parlamentares e demais agentes públicos. Não havia liberdades

Destacam que no contexto de transição de um regime ao outro, combinam-se duas fragilidades: “a fragilidade institucional dos atores políticos na disputa pluripartidária pós-ditatorial e a fragilidade econômica das empresas midiáticas nacionais, regionais e locais em relação à entrada das majors globais no mercado brasileiro de comunicações” (SANTOS; AIRES, 2017, p. 56). O fenômeno contemporâneo mantém traços do coronelismo descritos por Leal, como o clientelismo, a debilidade entre os interesses público e privado, a desorganização dos serviços públicos e o isolamento dos municípios em relação aos grandes centros urbanos. O governo federal detém o controle dos meios de comunicação que são usados como moeda de troca na negociação de favores. Desse modo, Santos e Aires definem (2017, p. 39) o coronelismo eletrônico como um “sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre o poder nacional e o poder local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação”. A propriedade dos meios de comunicação é parte do controle dos meios de produção e essa é uma característica fundamental do que definem por “coronelismo eletrônico”.

2.2.2 Coronelismo eletrônico de novo tipo

Venício Lima (2011), por sua vez, trata da emergência do fenômeno do “coronelismo eletrônico”, sobretudo, com a progressiva centralidade da mídia na política brasileira durante o regime militar. Para o autor, ele é o resultado do “modelo de curadoria (trusteeship model), isto é, da outorga pela União a empresas privadas da exploração dos serviços públicos de rádio e televisão” (LIMA, 2011, p. 105). Nessa medida, reafirma as caracterizações expostas por Santos e Aires quanto ao sistema de reciprocidade entre os líderes políticos locais e a União.

Todavia, com as alterações no poder de concessão da outorga impostos pela Constituição de 1988, para Lima, o coronelismo eletrônico se modificou transformando-se em um “coronelismo eletrônico de novo tipo”, marcado pela relação de reciprocidade dos legisladores federais com detentores de veículos de comunicação.

Até a Constituição de 1988, apenas o Presidente da República detinha o poder sobre as outorgas de radiodifusão. Esse “recurso” estratégico era moeda de troca na relação do poder Executivo Federal com as lideranças locais aliadas. Mas a Constituição provocou alterações no

modus operandi do sistema em dois pontos fundamentais. Inicialmente, foi dada maior

de políticas públicas que provocou alterações no federalismo. Houve mudanças na forma de distribuição de recursos e das competências do município e do Estado, principalmente nas áreas da saúde e educação, com consequências para a política local. Mas, a despeito da definição do município como ente federativo, o Executivo ainda deteve o controle sobre as concessões.

Por outro lado, embora a Presidência da República centralizasse o poder sobre as outorgas, a Constituição de 1988 exigiu a participação do Legislativo na aprovação e renovação das concessões para rádio e televisão. Como forma de descentralização, a proposta era louvável, no entanto, na prática política brasileira, ela desencadeou um vínculo entre radiodifusores (em especial educativas e comunitárias) e deputados federais que alimentou o antigo sistema de reciprocidade, estudado por Leal no sistema coronelista. Nessa medida, para Lima (2011, p. 108),

É no contexto do município não mais isolado, mas fortalecido, e da política local revigorada, que surge o que chamamos coronelismo eletrônico de novo

tipo, vinculado especificamente às permissões e autorizações dirigidas às

comunidades locais. Essas permissões e autorizações referem-se às RTVs, em especial aquelas destinadas às prefeituras (desde 1978), às emissoras de rádio FM e às rádios comunitárias legalizadas.

A divisão entre o Executivo e o Legislativo sobre o poder da concessão, renovação ou cancelamento das outorgas para radiodifusão – comercial, educativa e comunitária –, provocou um contrassenso no exercício do poder dos legisladores federais, que passaram a legislar a favor de seus próprios interesses e dos grupos econômicos dos quais participam, inclusive atuando contra as leis que objetivam democratizar a comunicação. Como descreveu Leal (1997), esses atores do legislativo são chefes políticos locais, que, depois de terem construído, herdado ou consolidado a liderança, ascenderam aos cargos representativos nos governos estaduais e federais, tornando-se absenteístas, pois retornam ao “feudo” apenas para visitar familiares, descansar, ou tratar de interesses partidários. Mas esta situação é cheia de riscos, porque sua ausência permitia a ascendência de outras lideranças que poderiam ocupar seu lugar. Para evitar os riscos, o “coronel” precisa manter sua assistência no sistema de reciprocidade e a articulação com radiodifusores, sejam eles de seus afilhados ou de sua própria família, porque os meios de comunicação atuam para conter as lideranças que não participam de seu grupo político. Nesse contexto, os políticos que atuam na esfera federal, no coronelismo eletrônico, segundo as palavras de Lima (2011, p.143), “agiriam não no ‘varejo’ da política, nas no atacado, ajudando na legalização de rádios e, assim, contando com uma base de apoio comunicacional de grande valia em diversos municípios integrantes de sua base eleitoral”.

A virada do “coronelismo eletrônico” para o de “novo tipo”, segundo Lima, se dá com a Medida Provisória 2.143-33, de maio de 2001, que restaurou parte do poder retirado do Executivo pela Constituição de 1988. A MP estabelece que as autorizações de rádios comunitárias encaminhadas pelo Executivo ao Congresso Nacional, se não forem apreciadas em um prazo de 90 dias, se transformarão em licenças provisórias de funcionamento. Em função da morosidade do trâmite no Legislativo, o Executivo acelera o processo e se beneficia da situação. Desse modo, as rádios comunitárias voltam a constituir importante moeda de barganha política para o Executivo, que busca estabelecer elos com os municípios.