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A relação entre os Índices de Percepção da Corrupção internacional e outros

No documento Tese Armando Santos (páginas 103-110)

A relação entre os índices de percepção da corrupção internacional e outros

índices de desenvolvimento dos Países Lusófonos

Diz Cláudio Weber Abramo, na análise que fez da percepção da corrupção na América Latina e da sua correlação com o desenvolvimento económico e os indicadores de boa governância, que «medir o grau de corrupção de uma sociedade qualquer não é tarefa simples. Como, por definição, actos de corrupção se processam fora do quadro legal, a medida de seus efeitos não é imediatamente evidente». Assim, por exemplo, contratos para a aquisição de medicamentos ou de computadores, ou para a construção de uma ponte e que tenham resultado de concursos públicos viciados, não mostram directamente, nos números correspondentes, quanto foi desviado na forma de comissões e/ou de sobre-facturação.

Para obter tais medidas, como vimos, é necessário usar métodos indirectos, métodos indiciários, como, por exemplo, a partir da comparação entre os preços praticados no mercado nacional e os preços do mercado internacionalmente.

Contudo, na maior parte dos países, e no Brasil e em Portugal em particular, o acesso aos preços praticados pelos diversos órgãos públicos não é simples. Na prática, tais comparações são ainda inviáveis.

Por enquanto, o mais próximo que se chega na medição da corrupção vem de levantamentos sobre a percepção da sua presença. Estes costumam ser realizados por empresas de sondagens e empresas de avaliação de risco de investimentos. Basicamente, pergunta-se aos entrevistados — muitas vezes executivos de empresas exportadoras — qual é, na opinião deles, a incidência de práticas corruptoras em determinados países.

Outras medidas de percepção derivam de pesquisas feitas internamente em países. As amostragens variam do meio empresarial relativamente à população em geral.

Anualmente, a Transparency International (TI) reúne um grupo de amostragens e, depois do seu tratamento estatístico, determina o Índice de Percepção de Corrupção para cada país mencionado. Como dissemos anteriormente, apenas países presentes em três ou mais levantamentos são considerados.

O conjunto de todos os países compõe o Índice de Percepções de Corrupção (IPCorr) da Transparêncy International.

No ano de 1999, o índice incluía 99 países; em 2000, esse número caiu para 90. Em 2008 são 180 países analisados102 A TI divulga também um índice de países corruptores, isto é, uma medida de percepção do grau com que empresas abrigadas em diversos países se envolvem em mecanismos de corrupção. O IPCorr de um país não reflecte o seu índice como corruptor, embora a TI estude maneiras de fazer essa incorporação.

Em 2006, o índice de corruptores103 incluía 18 países exportadores: Suíça 7,81; Suécia 7,62; Austrália 7,59; Áustria 7,50; Canadá 7,46; Grã-Bretanha 7,39; Alemanha 7,34; Holanda 7,28; Bélgica 7,22; Japão 7,10; Singapura 6,79; Espanha 6,63; Emiratos Árabes Unidos 6,62; França 6,50; Portugal 6,47 México 6,45; Israel 6,o1; Hong Kong 6,01; e Itália 5,94. Quanto maior a «nota», menor a percepção de que empresas do país corrompem administradores públicos de outros países104.

Mas as mudanças de comportamento nesta área parecem agora mais evidentes sobretudo com os escândalos de corrupção por exemplo ligados as grandes companhias alemãs e francesas – como o caso Siemens. Em Portugal ainda não existe a percepção que a corrupção activa noutros países diminui as potencialidades do comércio internacional, não havendo memória de qualquer caso julgado ou sequer investigado.

102 Cf. Anexo I.

103 Cf. Anexo I, segunda parte: Bribe Payers Índex. 104

Em face das nossas conclusões teóricas em matéria de impacto económico da corrupção quisemos saber como é que ele se relaciona com o desenvolvimento económico dos Países Lusófonos.

Assim, no ranking da IPCrr, elaborado pela TI, os Estado Lusófonos estão particularmente mal colocados conforme decorre do quadro 8.

Quadro 8 – PALOP em 2008 no ranking do IPCrr

Posição no Índice

105

País CPI Score 2008

32 Portugal 6.1

43

Macau 5.4

47 Cabo Verde 5.1

80

Brasil 3.5

121 São Tomé

e Príncipe 2.7

126 Moçambique 2.6

145 Timor-Leste 2.2

158 Guiné-Bissau 1.9

158 Angola 1.9

Antes de passar à tarefa de comparar esses índices com outros indicadores, cabe uma observação metodológica. O IPCorr [como outros números comentados aqui] não corresponde a uma grandeza objectivamente mensurável, como o índice de analfabetismo adulto ou o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. O quadro 1 traz a relação desses países, juntamente com seu índice de corrupção de 2008106 e a posição no ranking ocupada por eles [quanto maior o valor no Índice, menor a percepção de corrupção associada ao país].

105 De acordo com o IPCrr de 2008,TI. 106

Em rigor, o que se obtém é uma classificação apenas ordinal. Noutras palavras, o que se obtém é que, por exemplo, Timor-Leste parece ser mais corrupto do que Portugal, mas não a percentagem mediante a qual um país se distingue de outro.

A consciência sobre essa circunstância limitadora deve estar presente em todo raciocínio estatístico envolvendo o IPCorr.

Importa sempre ter a honestidade intelectual para rejeitar o radicalismo dos discursos ideológicos e populistas e aceitar as limitações epistemológicas, ou seja que as inferências baseadas em índices como estes não podem ser realizadas com o mesmo grau de segurança associado a raciocínios que se fazem sobre indicadores objectivos.

Feita a advertência partimos para a tentativa de justificar o próprio índice. Será de facto a corrupção um indicador de pobreza? Será de facto que os países mais pobres são os mais corruptos, negando-se assim os discursos ideológicos daqueles que viram no Índice um instrumento ideológico do neo colonialismo e do racismo?

Portanto, a primeira pergunta que se apresenta diz respeito à relação entre o IPCorr e o Produto Interno Bruto per capita dos países (PIBpc). Este último indicador é a medida de pobreza por excelência, e todos os indicadores sociais são fortemente relacionados a ele: de forma geral, quanto menor o PIB per capita de um país, piores são seus indicadores sociais.

Socorremo-nos das estatísticas do Banco de Portugal para determinar o PIB dos Estados Lusófonos107

Quadro 9 – O PIB per capita e o PIB nominal em US$

Posição no Índice País CPI Score 2008 PIBpc PIB nominal

32 Portugal 6.1 20665

44

Macau 5.4 24300

48 Cabo Verde 5.1 2845 1444.2 m

81

Brasil 3.5 8800 1310000 m

121 S.Tomé e Príncipe 2.7 886 145 m

126 Moçambique 2.6 397 8108 m

145 Timor-Leste 2.2 1622,6 1725 m

158 Guiné-Bissau 1.9 227,5 364 m

158 Angola 1.9 4000 58700 m

Em dólares

O IPCorr não é diferente, exibindo a elevada correlação de 0,84 com o logarítmo – o uso do logarítmo do PIBpc é apenas um artifício para concentrar mais os pontos – do PIBpc [dados de 2007, corrigidos para refletir o poder real de compra].

Podemos agora então estabelecer a correlação entre o logaritmo do PIB per capita e do lugar no ranking do IPCrr.

A Figura 2 representa a relação entre os dois indicadores, nos Países de Língua Oficial Portuguesa. E graficamente demonstra-se exactamente a justeza do Índice – em que os mais pobres são os mais corruptos, bem como a progressão constante e linear da curva dos países.

107

Figura 2 – IPCorr X PIB per capita (representação gráfica)

Posição no Índice

32

. Portugal

33

.Macau

49 ,Cabo Verde

50 .Brasil

121 . S. Tomé e Príncipe

126 .Moçambique

145 .Timor-Leste

158 . Guiné-Bissau

158 .Angola

200 500 1000 5000 10000 20000 25000

Portanto, o gráfico demonstra que se excluirmos os países produtores de petróleo, efectivamente há uma relação praticamente directa entre o Produto Interno Bruto per capita e o ranking no IPCrr.

Angola e Timor-Leste, são exactamente as excepções, explicadas pela incidência do petróleo no PIB, o que significa uma ainda manifesta injusta distribuição do rendimento. É muito curioso que os Estados mais patrimoniais na receita pública são os que mais divergem, pois desviam a atenção dos cidadãos que não têm que pagar a despesa pública directamente ou principalmente por via fiscal.

O facto de Macau ser mais corrupto que Portugal apesar de ter uma renda per capita maior é facilmente explicável pela natureza da sua principal actividade económica - o jogo legal - e pelas práticas dominantes na China, de que faz parte. É, contudo, um caso único, exactamente porque estamos praticamente na diante de um Estado Patrimonial perfeito [as receitas do jogo substituem os impostos], o que vicia naturalmente o gráfico.

O principal objectivo de se realizarem comparações entre indicadores é a busca de possíveis causas comuns. Isso faz-se examinando-se uma grandeza estatística denominada

correlação. Quanto maior a correlação entre dois conjuntos de indicadores, maior a probabilidade de que eles compartilhem as causas.

Como o PIB per capita geralmente guarda alta correlação com indicadores sociais, e como o mesmo acontece com o índice de corrupção, segue-se que, ao se buscarem relações entre este e outros indicadores, é sempre necessário levar em conta que o PIBpc pode estar entre as causas comuns.

Os diversos tipos de indicadores disponíveis podem ser classificados em duas categorias amplas: aqueles que podem estar na raiz da corrupção e aqueles que podem ser afectados pela corrupção.

No primeiro caso enquadram-se indicadores referentes ao ordenamento da sociedade, como o sistema jurídico, a eficácia governamental e outros, de modo geral ligados ao que modernamente se denomina governância. A segunda categoria inclui dados sobre saúde, educação e assim por diante.

6.1. Indicadores de governância

O estudo de indicadores de governância é relativamente recente, e as metodologias para tanto ainda se encontram em desenvolvimento. Um exercício nessa direcção, empreendido na forma de uma compilação de diferentes levantamentos realizados por diversas agências e institutos de pesquisas, foi executado por investigadores do Instituto do Banco Mundial108.

São seis os indicadores KKZ [assim denominados a partir das iniciais dos autores]: voz e transparência, estabilidade política/ausência de violência, eficácia governamental, estrutura regulatória, eficácia da lei e controle da corrupção. Este último é um índice de corrupção semelhante ao IPCorr da Transparency International. O que tem sido observado pela Unesco é que não existe relação entre o analfabetismo e a corrupção, embora possa haver alguns estudos ainda sem grande significado científico que criam uma relação entre cuidados de saúde e corrupção. Os dados não são fiáveis e por isso abstemo-nos de comentários adicionais.

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No documento Tese Armando Santos (páginas 103-110)