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Sondagens para definir objectivos

No documento Tese Armando Santos (páginas 94-97)

CAPÍTULO 5 – Uma questão metodológica

5.3. O terceiro tipo de abordagens: à procura de soluções

5.3.3. Sondagens para definir objectivos

As sondagens dedicadas à segunda finalidade – a identificação do grau de corrupção em vários sectores da sociedade ou em instituições específicas – têm um outro perfil, segundo Bruno Wilhelm Speck. «As pesquisas que trabalham com a percepção dos cidadãos enfrentam problemas com as distorções.» Mas levantamentos recentes – sobretudo depois da generalização democrática após a queda do muro de Berlim – mostraram que os cidadãos comuns, os empresários e os funcionários públicos podem estar dispostos a informar sobre as suas próprias experiências com casos de corrupção92. Dessa forma, podem fornecer dados não só sobre a sua percepção, mas a respeito da incidência e do grau de corrupção em determinada sociedade, ou seja, sobre o próprio acto.

Por meio dessas investigações, pode ser obtida uma ideia mais concreta sobre a distribuição da corrupção em vários sectores da política ou nas instituições do Estado, chegando a conclusões surpreendentes como evidencia a nossa pesquisa em Portugal. Outros dois casos exemplares de pesquisas realizadas para levantar informações sobre factos relacionados à corrupção são os de Nicarágua e Bangladesh, [que tratámos, indirectamente, também na nossa dissertação de Mestrado93]. Em ambos os contextos, além das questões referentes à percepção, os

92 A nossa sondagem, no Apêndice I, é, aliás, elucidativa disso mesmo relativamente ao cidadão comum. 93

entrevistados forneceram informações sobre o seu próprio envolvimento em actos de corrupção, como, aliás, acontece também no nosso estudo de opinião.

Os resultados, no caso de uma sondagem realizada em 1998 na Nicarágua, são curiosos (Ciet, 1998). Grande parte dos cidadãos que efectivamente usavam serviços governamentais tinham que pagar alguma contribuição, ou para conseguir um serviço fornecido gratuitamente por lei ou para «pisar» as normas: na escola pública, 75% dos pais que matriculavam os seus filhos pagavam por esse serviço, oficialmente gratuito. Em contacto com a administração municipal, 19% dos usuários pagavam alguma propina; na justiça, 22%; nos cartórios de registo de imóveis, 66% pagavam para agilizar processos; multados pela polícia de trânsito, 40% dos cidadãos subornavam o policial94.

No caso de outra pesquisa agora no Bangladesh em 1997, os resultados foram igualmente alarmantes (TI Bangladesh, 1997): em 50% dos casos em que o cidadão teve contacto com a polícia, houve dispêndio de dinheiro. Dessa porção, 55% pagaram para que o caso não fosse encaminhado à justiça e 38% para que ocorresse justamente o contrário. No âmbito judicial, 63% dos cidadãos pagaram algo; na educação, 74%.

Juntamos aqui o exemplo da nossa sondagem95 realizada no verão de 2008 em Portugal, em que apenas 1% dos inquiridos admite que já corrompeu alguém e desses 75% disse já ter corrompido funcionários do Centro de Saúde ou dos Hospitais e 25% funcionários das Finanças, ou seja, a corrupção é de tal modo generalizada na Saúde e nos impostos, em Portugal, que há mesmo cidadãos que voluntariamente se assumem como corruptores activos. Isto significa que Fisco e Saúde são os subsistemas do Estado onde a discricionariedade e o abuso do poder é mais óbvio. Nos Centros de Saúde e para a marcação de consultas e operações o poder do funcionário é óbvio, jogando com a vida dos cidadãos.

A par da Administração Fiscal, repita-se, a lista de espera dos hospitais e das consultas no Serviço Nacional de Saúde é o principal foco de corrupção em Portugal, o que claramente coloca em cheque a capacidade do serviço público dar resposta às populações, sobretudo, quando se insiste em mantê-lo geral.

94 Obviamente, esses números também estão sujeitos a problemas. Um deles é uma possível tendência a subrepresentar

a actual extensão da corrupção, uma vez que as pessoas podem ter receio ou vergonha de admitir o seu envolvimento em actos de corrupção. Em parte, essas barreiras podem ser contornadas pela formulação (wording) das perguntas. No exemplo da multa de trânsito, a pergunta era: «Você pagou directamente ao polícia ou pagou a outro?» (em vez de: «Você subornou a polícia?»).

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«Levantamentos como estes permitem direccionar políticas de reformas para as áreas mais seriamente atingidas. Ao mesmo tempo, podem facilitar a mobilização daqueles cidadãos mais desfavorecidos pela corrupção.»

Mas as reformas estruturais não podem basear-se apenas em informações e estudos da opinião pública. Um passo importante, após a identificação de áreas problemáticas, é a análise das causas da corrupção, o que nesta tese nos abstemos de fazer96.

Por outro lado, a importância da corrupção na agenda política nacional influencia igualmente as concepções colectivas sobre as causas principais, mas que terá relevância acrescida no apoio aos perdedores da globalização, depois da crise de 2008 – como novo agente na luta contra a corrupção contribuiu fortemente para sistematizar a abordagem, acrescentar uma série de ferramentas novas e, principalmente, criar estímulos adicionais para a implementação de reformas políticas.

O Banco Mundial, desde 1996, tem investido fortemente no tema do controlo da corrupção, que se tornou um dos principais aspectos da boa da corrupção e as estratégias de controlo mais adequadas. Ao lado da ênfase tradicional nas origens culturais e morais da corrupção, muito próprio das sociedades tradicionais dos países lusófonos, há que concordar com Gardiner (1986) e Klitgaard (1988), quando dizem que são os mecanismos de regulação e de supervisão que criam facilidades e incentivos para a corrupção. O caso da supervisão bancária nos EUA, durante o crash de 2008, pode estar assim sobre escrutínio.

O Banco Mundial fala categoricamente em «disfunções institucionais» como a causa principal para a corrupção (WB, 2000/4). Essas disfunções englobariam os sistemas tributários, as leis de regulação do mercado e as regras da competição política; todos esses mecanismos devem- se tornar, portanto, transparentes, adequados e efectivamente implementados. Os instrumentos públicos de supervisão – por meio do sistema judicial – e os controlos financeiros devem ser independentes e eficientes. Embora não existam estudos aprofundados sobre o funcionamento dessas várias instâncias de regulação e de controlo independente que possam indicar os caminhos para controlar a corrupção de forma efectiva, há a percepção em Portugal que, por exemplo, as maiorias parlamentares não permitem ir mais longe em matéria de incompatibilidade e declaração

96 Embora seja relativamente fácil intuir que a questão das listas de espera nos centros de saúde e nas operações nos

hospitais públicos seja o motivo da óbvia corrupção na marcação de consultas e operações e que, no caso do Fisco, a arbitrariedade das fiscalizações, avaliações e os prazos de prescrição por omissão da Administração Fiscal sejam os maiores culpados pela situação.

de interesses, rendimentos e promessas de rendimentos de titulares de órgãos ou cargos públicos, por exemplo, ou que órgãos de comunicação que publiquem escândalos ligados à corrupção sejam asfixiados financeiramente e declarados falidos pela perseguição da Segurança Social ou do Fisco, como poderá ter acontecido com o semanário «Independente» em 2007.

Na nossa sondagem97 não deixa contudo de ser curioso que quando se pergunta quem é mais corrupto, 68,9% dos inquiridos considere que são os dirigentes e apenas 28,2% considere que são simultaneamente funcionários e dirigentes.

No documento Tese Armando Santos (páginas 94-97)