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Uma revisão das pesquisas empíricas

No documento Tese Armando Santos (páginas 58-63)

CAPÍTULO 4 – Medir a corrupção

4.2. Uma revisão das pesquisas empíricas

É Bruno Wilhelm Speck que vem chamar a atenção para as mudanças no debate inicial da corrupção. «Na última década, o debate sobre a corrupção aumentou e ganhou densidade. Em meio a uma série de escândalos, jornalistas, académicos e protagonistas políticos buscam identificar as causas institucionais do fenómeno e as suas raízes históricas e culturais, alertam para custos e consequências sociais e sugerem reformas que poderiam diminuir a incidência da corrupção. As tentativas de compreender o facto vão da interpretação superficial dos escândalos mais recentes até a avaliação detalhada das falhas individuais e estruturais que não foram complementadas por uma medição empírica das ocorrências. Porém, há que concordar, essa situação está a mudar gradualmente.» Em vários países existem hoje investigações sobre o grau da corrupção, do volume dos desvios e do custo que o fenómeno tem para a economia, a sociedade e a credibilidade das instituições políticas. As tentativas mais comuns de quantificação baseiam-se em três indicadores diferentes: (1) os escândalos noticiados na Comunicação Social, (2) as condenações registadas nas instituições ligadas à esfera penal e (3) as informações obtidas em sondagens.

As fontes para o primeiro indicador – os escândalos de corrupção – são os meios de comunicação, geralmente os jornais. Alguns analistas usam dados sobre escândalos de corrupção relatados na imprensa para produzir uma quantificação do fenómeno, mas actualmente por indicação da OCDE, pelo menos nos países mais desenvolvidos há instâncias que têm a

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incumbência legal de fazer o levantamento e dar os resultados a conhecer às instâncias de fiscalização política do executivo58.

Essas análises ainda estão no seu estado preliminar e enfrentam fortes críticas, pois os seus resultados dependem do grau de liberdade da imprensa e são muito influenciados pela sensibilidade e pela experiência do jornalismo em relação ao problema.

Um país ou uma região com censura de imprensa, por exemplo, ou sob forte controlo de membros da nomenclatura política e económica governante, como é o caso português, poderá ficar bem no indicador, uma vez que possíveis escândalos não são investigados nem tornados. Por outro lado, a crescente sensibilidade e experiência jornalísticas ou a mudança na linha editorial de um jornal, dando-se mais espaço às denúncias de corrupção, poderá induzir o observador a concluir que a corrupção esteja aumentando. Foi o que não aconteceu em Portugal com a polémica parlamentar em 2006 com o deputado João Cravinho, que insistiu ser a alta corrupção um problema que se ampliava no País, o que obrigou a maioria parlamentar socialista a avançar com algumas medidas de prevenção, nomeadamente atribuindo competências junto do Tribunal de Contas ao «Conselho para a Prevenção da Corrupção» de recomendação e avaliação das questões de corrupção na Administração Pública portuguesa, gerindo a questão em parceria com o Ministério Público que continua a deter a iniciativa penal em Portugal. Mas a polémica, agitada depois na Comunicação Social, ampliou a percepção da corrupção nos altos cargos da administração pública, apesar de isso não ser evidente na sondagem que realizamos59, mas suficientemente relevante para obrigar o Procurador-Geral da República vir a público esclarecer que num país como Portugal estavam em curso cerca de 470 processos de inquérito sobre práticas de corrupção e a opinião publicada ter o tema debaixo de mira60.

Os dados para o segundo indicador – as condenações penais – são fornecidos pelas instituições de investigação e perseguição penal, como a Polícia, o Ministério Público ou os Tribunais de Justiça. O número de casos abertos ou de pessoas investigadas pela Polícia e pelo Ministério Público, os processos encaminhados para a Justiça e as condenações resultantes podem ser usados para avaliar a incidência da corrupção.

58 Esta é a competência legal do Conselho para a Prevenção da Corrupção em Portugal (cf. Apêndice III). 59 Cf. Apêndice I.

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Mais uma vez, as críticas argumentam que, sendo a corrupção um crime que requer investigação, o registo dos casos depende mais da investigação, que da realidade dos comportamentos corruptos. Em relação à corrupção, estima-se que somente uma pequena parte dos crimes cometidos é averiguada. Até Maio de 2008, em Portugal, por exemplo, 55,5% dos processos por corrupção que deram entrada em tribunal tinham sido arquivados, segundo um trabalho do politólogo Luís de Sousa61. Apenas 7,3% tinham transitado em julgado e estavam em fase de investigação 23,2%.

Mas, a descoberta de um único esquema de corrupção pode levar a uma série de outros casos, caso a investigação seja dirigida com lisura. Igualmente, a alocação de recursos humanos adicionais, a formação técnica adequada ou a criação de grupos especiais de investigação, na polícia e no Ministério Público, são factores que têm um impacto imediato sobre a incidência dos casos examinados. Aqui, também, os números levantados nestas fontes revelam mais sobre as características do sistema de aplicação do código penal do que sobre o crime em questão. Adicionalmente, as diferentes formas de enquadrar legalmente o crime da corrupção no código penal dos respectivos países limitam a validade de análises comparativas.

Aliás, o Ministério Público e as Polícias, em Portugal, frequentemente apresentam indicadores desse tipo62. Estatísticas nacionais dos Tribunais também existem, mas pecam pela

61 Sousa, L. & Triães, J. (2008). Corrupção e os Portugueses, Atitudes, Práticas e Valores (com prefácio de Maria José

Morgado). Lisboa: RCP Edições.

62 A chamada «Operação Furacão», sobre a utilização do sistema financeiro português para lavagem de dinheiro em

fuga aos pagamentos de impostos, levou à detecção de irregularidades contabilísticas e outras que, por exemplo, levaram, no âmbito da crise bancária de 2008, por parte do governo socialista à nacionalização do Banco Português de Negócios em 2 de Novembro de 2008 e prisão do seu presidente executivo, Oliveira e Costa.

“Em 2007, a Polícia Judiciária abriu 403 inquéritos para investigar alegados crimes de corrupção e outros crimes conexos. Destes foram encerrados 384, segundo dados do Ministério da Justiça. Dos processos encerrados, 103 (ou seja, 27 por cento) resultaram em acusações, estando a maioria das investigações relacionada com a administração local; 271 foram arquivados. Comparativamente a 2006, a PJ iniciou e concluiu mais inquéritos relacionados com este tipo de criminalidade económico-financeira. Naquele ano, foram abertos 348 processos e concluídos 366. Entre as investigações realizadas em 2007 pela Direcção Central de Investigação e Combate ao Crime Económico e Financeiro (DCICCEF) da PJ consta a contratação e aquisição de equipamentos da Marinha de Guerra, em que foi apurada a prática dos crimes de corrupção, tráfico de influência e participação económica em negócio, com a constituição de vários arguidos com responsabilidade, sendo que um alto responsável aguarda julgamento em prisão preventiva. A Universidade Independente foi outro dos alvos de investigação da PJ em 2007, tendo resultado no encerramento da instituição e na detenção dos principais responsáveis, nomeadamente o reitor Luís Arouca, o vice- reitor Rui Verde e o accionista Amadeu Lima de Carvalho. Segundo os mesmos dados do Ministério da Justiça, nos últimos cinco anos [2002 a 2007] a PJ abriu 2032 inquéritos relacionados com corrupção e encerrou 1737, dos quais 510 resultaram em acusações, 782 foram arquivados e 155 incorporados a outros processos. Em 2007, no universo de 403 inquéritos abertos, 159 [cerca de 37] por cento dizem respeito à administração local. Dos 384 encerrados, 144 também estão relacionados com as autarquias. No mesmo ano, foram encerrados 144 inquéritos relativos à administração local, num total de 569 nos últimos cinco anos. No segundo lugar da lista de inquéritos abertos e encerrados nos últimos cinco anos relacionados com crimes de corrupção estão as forças de segurança [órgãos de Polícia Criminal, à excepção da PJ]. Em 2007, foram abertos 52 inquéritos e findos 62 relacionados com as

forma de classificação. Como um caso pode incluir vários crimes, mas a contabilização só permite o enquadramento em uma única categoria, aqueles acontecimentos nos quais um processo de corrupção envolve um crime ainda mais grave não serão contabilizados. Há uma tendência embutida de subestimar o número de ocorrências. Mas por exemplo, no Brasil, em Angola ou em Moçambique, não há uma avaliação sistemática dos casos processados pelos tribunais.

As informações obtidas por meio de sondagens constituem o terceiro grupo de indicadores da corrupção.

A facilidade de se registar essas informações está em contraste com a dificuldade de se enquadrar claramente o tipo de dados obtidos. Grande parte das pesquisas de opinião suscita, em regra, a avaliação dos cidadãos sobre o grau e a extensão da corrupção na sociedade. Outras pesquisas levantam quais os valores morais e as atitudes dos cidadãos frente ao fenómeno, incluindo-se aí a própria definição e a avaliação da corrupção.

Nós, para além das percepções, fomos ao ponto de focar as experiências pessoais dos cidadãos com práticas de corrupção. Obviamente, há críticas e indagações metodológicas que podem ser feitas [até porque a classe alta não responde por receio ou é estatisticamente insignificante, embora possa ser o grosso da corrupção do país].

Porém, ao contrário do que tem acontecido com as notícias sobre escândalos ou com as condenações penais, a produção de novos dados por meio de pesquisas de opinião tem crescido, rapidamente, nos últimos anos.

Por esse motivo, o presente texto limita-se a analisar os dados provenientes dessa última fonte, das pesquisas de opinião.

Analisaremos em primeiro lugar as estatísticas da Transparency International e a sua relação como os níveis de desenvolvimento, nomeadamente, nos Países de Língua Oficial Portuguesa e depois, a nossa própria sondagem.

forças de segurança. Em termos percentuais, e em termos de inquéritos em investigação por áreas, a administração local lidera com 43 por cento dos casos, seguindo-se as forças de segurança com 14 por cento. Quanto à origem das participações que resultaram em inquéritos, e segundo os dados oficiais, as denúncias anónimas são a principal «fonte da PJ», com 146 casos, seguindo-se as denúncias de particulares.” (In Publico on-line, edição de 3 de Novembro de 2008).

De notar, em primeira abordagem que a maioria dos países lusófonos piorou a classificação no índice da Transparency International sobre a Percepção da Corrupção em 200763. À excepção de Cabo Verde, os Estados lusófonos pioraram a sua classificação no índice global de corrupção, divulgado pela Transparency International, que analisa os níveis do fenómeno em 180 países.

A lista, divulgada anualmente, estima o grau de corrupção do sector público percepcionada pelos empresários e analistas dos respectivos países, e está organizada do menos corrupto [1.º lugar] para o mais corrupto [180.º], a que corresponde uma escala de 10 pontos [livre de corrupção] a zero pontos [muito corrupto].

Timor-Leste conta-se entre os países onde, segundo a Transparency International, a situação se deteriorou «significativamente» entre 2007 e 2008, tendo registado a pior queda com uma descida de 22 lugares. O país, que há um ano ocupava a 123.ª posição com 2,6 pontos, caiu este ano para o 145.º lugar com 2,2 pontos, ao mesmo nível do Cazaquistão e com uma prestação ligeiramente acima de países como o Bangladesh, Quénia ou Rússia.

Portugal ocupa este ano a 32.ª posição com 6,1 pontos, tendo perdido quatro posições e 0,4 pontos em relação ao índice de 2007.

Dos restantes Lusófonos, Cabo Verde subiu dois lugares no índice, passando da 49.ª para a 47.ª posição, com 5,1 pontos, posição que partilha com a Costa Rica, Hungria, Jordânia e Malásia.

A Cabo Verde segue-se o Brasil entre os Estados lusófonos melhor classificados, no entanto a 80.ª posição conseguida em 2008 revela uma queda de oito posições em relação ao ano anterior, mantendo contudo o mesmo número de pontos que em 2007 [3,5]. Burkina-Faso, Marrocos, Arábia Saudita e Tailândia partilham a posição com o Brasil.

A descida menos significativa foi a de São Tomé e Príncipe, que passou do 118.º para o 123.º lugar, mantendo o mesmo número de pontos [2,7] e partilhando a posição com países como o Nepal, Togo, Nigéria ou Vietname.

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Moçambique caiu 15 posições na lista e perdeu 0,2 pontos, ocupando agora o 126.º lugar, enquanto Angola e Guiné-Bissau perderam 11 lugares, uma queda que se registou igualmente na pontuação dos dois países, que passou de 2,2 para 1,9 pontos.

Angola e Guiné-Bissau ocupam agora a posição 158 juntamente com Azerbaijão, Burundi, Gâmbia, Congo, Serra Leoa e Venezuela. Macau, Região Administrativa Especial da China, é citado pelo segundo ano consecutivo como tendo registado um «agravamento dos níveis percebidos de corrupção», tendo passado do 34.º para o 43.º lugar e de 5,7 para 5,4 pontos.

Analisando a totalidade dos 180 países, a Dinamarca, Nova Zelândia e Suécia dividem o primeiro lugar com uma pontuação de 9,3 pontos, seguidos de Singapura como 9,2 pontos.

Na ponta oposta da tabela, está a Somália com 1,0 pontos, precedida do Iraque e Myanmar com 1,3 pontos e do Haiti com 1,4 pontos.

Durante a apresentação do índice de 2008, em Berlim, Huguette Labelle, que preside à Transparency International, destacou os aumentos contínuos dos níveis de corrupção nos países pobres e os constantes escândalos corporativos nos países ricos.

4.3. A corrupção em Portugal

Há que ter a consciência que muitas vezes é a agenda política que alimenta a gestão dos escândalos políticos associados à corrupção nas democracias ocidentais na comunicação social. Actualmente, esta relação perversa entre escândalo e média é a maneira mais eficiente do Poder se ver livre dos seus adversários, pelo que acaba por reflectir mais a própria realidade da conflitualidade política que os níveis de corrupção e criminalidade da sociedade. Para estudar o tema em Portugal, deixamos por isso de lado as nossas próprias percepções e os trabalhos jornalísticos e fomos para o terreno fazer uma pesquisa de opinião.

Seguimos como metodologia um universo composto por indivíduos com 18 ou mais anos recenseados em Portugal e residentes em domicílios com telefone fixo. Os números de telefone foram seleccionados aleatoriamente das listas telefónicas do Continente e Regiões Autónomas. Os inquéritos foram recolhidos através de entrevista telefónica em sistema CATI

No documento Tese Armando Santos (páginas 58-63)