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O impacto económico da corrupção: corrupção e pobreza

No documento Tese Armando Santos (páginas 45-51)

CAPÍTULO 3 – Definir a corrupção e a questão económica

3.1. O impacto económico da corrupção: corrupção e pobreza

Nos últimos dez anos, com a emergência da globalização, os problemas da pobreza e do desenvolvimento ganharam nova relevância na formulação das políticas públicas, sobretudo em face do fracasso das políticas distributivas. A relação estreita entre corrupção e assimetrias sociais é uma das variantes do problema da relação entre a pobreza e a corrupção39.

38 O tema desnvolvido em 1978 no Corruption: a study in political economy é retomado depois em International

Handbook on the Economics of Corruption (Elgar Original Reference) por Susan Rose-Ackerman (Dec 30, 2006)

Corruption and Government. Cambridge, USA: Cambridge Univ. Press, 1999-2006

39 O relatório Growing Unequal? [Crescendo com desigualdade?, em tradução livre] da OCDE de Outubro de 2008,

afirma que o crescimento económico das últimas décadas beneficiou mais os ricos do que os pobres. Um dos factores que alimentou a desigualdade de renda foi o número de pessoas menos qualificadas e com nível educacional mais baixo que não estão empregadas. Mais pessoas vivendo sozinhas ou casas lideradas por pais ou mães solteiras também contribuíram para o aumento. Nos países mais desenvolvidos, os governos adoptaram uma política de cobrar mais impostos aos mais ricos e gastar mais com benefícios sociais, como uma forma de fomentar uma sociedade mais igualitária. Mas a eficácia dessa política distributiva decaiu, diz a OCDE. Países da organização, por exemplo, gastam três vezes mais em benefícios do que gastavam há 20 anos, mas, mesmo assim, famílias de pais solteiros têm chances três vezes maiores de serem pobres. De acordo com o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría «é preciso encontrar novas formas de enfrentar a desigualdade». «Apesar do papel dos impostos e dos sistemas de benefício na redistribuição de renda e na diminuição da pobreza ainda ser importante em muitos países membros da OCDE, nossos dados confirmam que sua efectividade diminuiu nos últimos dez anos», afirmou. «Tentar cobrir as desigualdades na distribuição de renda apenas aumentando os gastos sociais é como tratar apenas os sintomas ao invés da doença.» «A maior parte do aumento na desigualdade vem de mudanças nos mercados de trabalho. Aí os governos precisam agir. Trabalhadores com pouca qualificação estão enfrentando muitos problemas para encontrarem trabalho. Aumentar o emprego é a melhor forma de diminuir a pobreza», afirmou. Nos 20 anos computados pela pesquisa, alguns grupos foram mais bem sucedidos do que outros. As pessoas em idade de aposentadoria foram as que tiveram os maiores aumentos de renda – e o grau de pobreza entre aposentados caiu na maioria dos países pesquisados. Por outro lado a pobreza entre crianças aumentou. A OCDE define como pobre uma pessoa que vive em uma residência com menos da

É certo que os métodos quantitativos têm sido contestados, sobretudo porque foram em alguns momentos, instrumentos para identificar os países mais pobres como os mais corruptos e os mais desenvolvidos, em particular a Alemanha, como os menos corruptos. A crítica aos modelos econométricos da escola alemã e, sobretudo, o exemplo da Transparency International, acabou por resultar em combate ideológico entre dois mundos desconfiados.

A nossa dissertação de Mestrado40, então, permitia concluir que, de facto, a corrupção cria um «desperdício» na economia, fazendo diminuir os actos de comércio e, desse modo, acaba por contribuir para o empobrecimento dos países. Ou seja, a corrupção, efectivamente, contribui para a redução do potencial das economias e portanto é um factor de empobrecimento dos Estados.

Nas diversas civilizações encontramos reflexões sobre o fenómeno financeiro – ora tomando-o, sobretudo, como fenómeno político, ora numa perspectiva económica. Como regra são os meios económicos do exercício do poder político e ao seu serviço, enquanto prestam utilidades aos membros da comunidade, que mais estímulos de reflexão oferecem41.

É no plano da Economia Pública que o fenómeno da corrupção funciona como distorção, como condicionante, da decisão pública.

A análise de Wicksell, Mazzola, Pantaleoni, Sax e de Viti de Marco, nos fins do século XIX42, colocou com profundidade o problema da integração da Economia Pública num sistema generalizado de trocas. Wicksell foi o primeiro a integrar com rigor a despesa e a receita como partes de uma mesma opção e a estudar os critérios de uma decisão colectiva [regras de unanimidade e maioria, com as suas incidências e limitações]. Erik Lindahl (1919) generalizou o estudo das relações entre as normas de eficiência e os processos de negociação política. Com estes fundamentos, R. Musgrave elaborou a teoria da «troca voluntária» na Economia Pública (1938), H. Bowen esclareceu a teoria das relações entre os bens públicos e o voto, J. Buchanan criticou a

metade da renda média, ajustada de acordo com o tamanho da família. Crianças e jovens adultos actualmente têm uma chance 25% maior de serem pobres do que a população como um todo. Residências lideradas por pais solteiros têm três vezes mais chances de serem pobres do que a média da população.

40 (Santos, 2006).

41 Schumpeter, J. A. (1967). History of Economic Analisys. Oxford, p. 101; Mendes, J.A.M.(1993) A História

Económica e Social dos Séculos XV a XX. (2.ª edição). Lisboa: FCG.

42 Musgrave & Pecock. Classics in the Teory of Public finance. New York, 1958; considerações sobre o gasto público

cedido em 11 de Março de 2007 em www.usc.es/econo/RGE/Vol%2012_1/Castelan/notab1c.pdf ; Musgrave & Musgrave. (1989). Public Finance in Teory and Pratice, New York: MacGraw Hill.

perspectiva de Pigou e desenvolveu a integração entre critérios de decisão e bem-estar, num quadro wickselliano (1949).

Alguns desenvolvimentos foram feitos neste campo depois disso, como a teoria da procura de bens públicos de Samuelson (1954), ou o estudo das votações como forma de escolha colectiva em termos de função de bem-estar (Black, 1948, e Arrow, 1950), ou a teoria das decisões políticas (Buchanan e Tullock, 1962), a teoria da justiça (Rawls, 1975) ou as teorias da burocracia (Tullok, 1965, Niscane, 1971, e Nozick, 1974), ou dos partidos políticos (Downs, 1967), avançando alguns até ao limiar de uma nova teoria económica da política, da justiça, do direito e das instituições sociais.

Nos anos setenta e oitenta vive ainda a discussão de sempre acerca do papel do Estado [Friedman, Von Hayek, Nozick, Rawls…]43.

Nas concepções de Estado de Bem-Estar44, sobretudo com Rawls, tomou-se consciência do princípio da justiça, tendo em consideração a desigualdade inicial das pessoas e danecessidade de organização das desigualdades no sentido de serem um benefício para todos [Principio Maximin: o bem-estar só aumenta se melhorar a situação dos que estão piores na sociedade]45.

A análise do Estado Mínimo46 e, sobretudo, do Estado de Bem-Estar, nesta óptica normativa, sugere o interesse público na orientação do papel do Estado na intervenção numa economia mista47.

Porém, uma análise positiva da actuação das entidades públicas não pode deixar de fora a evidência de que os comportamentos dos agentes públicos são condicionados, quer na esfera pública, quer na esfera privada, pelos seus interesses.

43 Arraw, K. (1951). Social Choice and Individual Values. New York: John Wiley and Sons; Friedman, M. (2002).

Capitalism and freedom. Chicago: University of Chicago Press. e Friedman, M. (1993). Why Government is the problem. Stanford CA: Hoover Insttution, Stanford Univ.; e Hayek, F.A. (1980). Individualism and Economic Order.

Chicago: University of Chicago Press.

44Franco, 2007, p.113; Atkinson & Stiglitz. (1980). Lectures on Public Economics. New York: MacGraw-Hill.

45 O rawlsianismo define bem-estar social antes de mais em termos de acesso a liberdades básicas e, em segundo

lugar, em termos da situação dos que estão pior na sociedade.

46 Rawls, J. (1971). A Theory of Justice, Cambridge Mass: Harvard Press University.

47 Fernando Pessoa chama a atenção para que a «incoordenação social» ser «um defeito da liberdade», e que esta «só

se forma num regime de liberdade económica por uma degeneração do seu princípio basilar» (Pessoa, F. (…/2006) A

O Estado é imperfeito, como logo Hobbes (1651) reconheceu [Estado Leviatã]48, e cresce incessantemente, por razões também que ultrapassam o interesse público ou as necessidades da tecnologia, ou simplesmente o ciclo eleitoral49.

O Estado moderno, nesta abordagem hobbesiana, não pode deixar de ser entendido como estando ao serviço de interesses, e nesse sentido não tem restrições morais ou éticas e a própria democracia, com o voto maioritário, não favorece necessariamente o interesse público.

A imperfeição do Estado moderno é mais patente, quando o Estado tenta tomar, em especial consideração, condições específicas, deixando ao agente público o poder discricionário. Descentralização e falta de fiscalização, descontrolo nas finanças públicas e no crescimento da despesa pública, ciclos político-eleitorais curtos e intervenção administrativa de proximidade acabam por facilitar uma afectação de recursos menos eficientes numa economia50.

No centro da questão está o fenómeno da corrupção, que se alarga, nas últimas décadas, na formulação de políticas nacionais e internacionais.

A chave do sucesso e alargamento da corrupção, desde a revolução financeira da primeira metade da década de oitenta do século XX e do alargamento ao crime global, na década de noventa, encontra-se na flexibilidade e versatilidade dos seus procedimentos e organização. «A formação de redes e o seu modus operandi» (Castells, 2003, pp 231-235)51.

Por outro lado, e uma vez que o sistema criminoso só faz sentido se os lucros puderem voltar a ser investidos na economia legal, o problema-chave da corrupção passa a ser o problema da lavagem do dinheiro e dos seus procedimentos.

A mudança caótica da União Soviética para a economia de mercado propiciou as condições ideais para o monopólio da violência de organizações sindicais52, a penetração do crime

48 Hobbes, T. (1668-2008) Leviathan. Oxford: Oxford World's Classics.

49 Concepção neoliberal.

50 Milton Friedman chama a atenção para o facto por exemplo no sistema educacional ser o Estado a corrigir as

assimetrias geradas pelo mercado [Friedman, M. (1962-2002). Capitalism and freedom. (Fortieth Anniversary Edition). Chicago: The Univ. of Chicago Press. pp 87 e ss.].

51 Castells, M. (2003). O Fim do Milénio, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. (Volume III).

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

52 F.H Hayek já chamava a atenção para o facto de merecer especial atenção do legislador o exercício do poder e da

organizado, que participou na pilhagem, acelerando o colapso das instituições vocacionadas para regular e organizar o mercado (Castells, 2003, pp 231-235). Mas houve sempre a convicção que era o preço a pagar pela liberalização e que, ao mesmo tempo, havia iniciativa e crescimento económico. A tolerância da corrupção nasce muitas vezes do facto de, empiricamente, se pensar que, do ponto de vista económico, o crime acaba por voltar com as suas «comissões» ao mercado, por via de consumo, de investimento ou de poupança exportada, pelo que a eficiência global do sistema económico se manteria – pelo menos no que respeita ao volume da corrupção, que estimamos em cerca de 1% do PIB [a propensão para a corrupção determina o seu montante], em Portugal, num país onde a economia paralela ultrapassa os 22%, segundo estimativas da OCDE. Ou seja, não é apenas a economia que age sobre a corrupção, mas a corrupção que age sobre a economia.

O verdadeiro problema é que, sem uma abordagem da ciência económica do fenómeno da corrupção, todas estas convicções escondem uma questão essencial: – é que a corrupção não é apenas um problema moral ou de justiça social, mas é, sobretudo, e isso é muito mais relevante para a Riqueza das Nações, um problema de eficiência económica, para além daquilo que se paga aos corruptos. Ou seja, a perda em ganhos de comércio dos consumidores e dos produtores de um bem numa economia é superior ao ganho dos corruptos.

Para percebermos isto, elaboramos aquilo a que vamos chamar o diagrama da corrupção, com o qual pretendemos provar que a corrupção cria um peso morto no mercado, que representa redução do bem-estar e, portanto, um empobrecimento da economia, o que pode explicar por que são, exactamente, os países mais corruptos aqueles que são mais pobres53.

A questão da medição da corrupção, sobretudo daquela que respeita ao Estado, é central para o entendimento do problema e a definição de um paradigma.

A propensão marginal para a corrupção (PMgCrr) é um dado que pode ser aferido por sondagem e varia de país para país, havendo a percepção que as fases de desenvolvimento não

económico (Hayek. F.H. (1940-1980). Individualism and Economic Order. (p. 97). Chicago: The University off Chicago Press).

53

A corrupção prejudica as políticas de combate à pobreza e a sua percepção, em economias pouco sofisticadas e dependentes da ajuda internacional, torna esses países mais vulneráveis à chantagem internacional e menos atractivos na captação de investimento estrangeiro, sendo, portanto, a corrupção um elemento adicional à falta de competitividade das economias dos países mais pobres. Deste modo, o círculo vicioso «corrupção-pobreza», não sendo objecto deste estudo, não pode deixar de estar presente, mesmo quando, por efeito da globalização, os pobres, dos países mais pobres, têm enormes perspectivas de ficarem mais ricos, com o crescimento das classes médias.

serão alheias aos níveis de corrupção, nem sequer, mesmo, a tolerância ao laxismo e à informalidade.

A corrupção (Crr) no sector público está relacionada com os níveis de investimento e de consumo correntes, ou seja, com as compras do Estado (G). Ou seja, G exclui, em princípio, as despesas com pessoal, as prestações sociais, os subsídios, as transferências e os encargos financeiros [juros] e as outras despesas de capital, do total da despesa pública

.

Assim, simplificadamente,

Crr = G x PMgCr

Donde resulta que, se a propensão marginal para a corrupção associada ao OE/2005, em Portugal, for de 1%, e se as adjudicações públicas tiverem sido, em 2005, de 5,1 mil milhões de euros em consumos intermédios, e de 978,2 milhões de euros a FBCF54, concluiremos que o montante envolvido em corrupção, em 2005, em Portugal, se cifrou em cerca de 60,7 milhões de euros, o que reduz o fenómeno da corrupção no Estado, em Portugal [exclui-se investimento na restante Administração Pública, empresarial, regional e local], a níveis inferiores a 0,05% do PIB.

Deixo, por aqui, a fórmula da quantificação da corrupção. Porém, importa ter consciência do seu impacto na eficiência de uma economia. Usarei como instrumento a representação gráfica, mais acessível, para explicar o impacto da corrupção na economia dos países:

Figura l. Diagrama da corrupção

É um dos princípios da economia que o mercado é uma fórmula eficiente para decidir o preço e a quantidade consumida e produzida de um bem numa economia.

O diagrama que construímos traduz uma curva da procura e uma curva da oferta. A procura será menor se o preço for maior e a oferta inversamente será maior, quanto maior for o preço, diz a lei da oferta e da procura. O preço de equilíbrio (P1), ou graficamente o ponto de encontro entre a curva da oferta e a curva da procura, traduz a máxima eficiência de um mercado concorrencial, ou seja, o ponto em que mais consumidores e mais produtores de um bem vêem os seus desejos satisfeitos. Ou seja, num mercado concorrencial de um bem, o preço de equilíbrio seria P1, antes da corrupção.

No documento Tese Armando Santos (páginas 45-51)